Acórdão nº 240/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | Cons. Lino Rodrigues Ribeiro |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2016 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 240/2016
Processo n.º 548/15
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Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
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O Ministério Público instaurou ação declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre a trabalhadora B. e a Ré. Na audiência de discussão e julgamento foi tentada e conseguida a conciliação, nos termos do artigo 186.º-O do CPT, a qual foi homologada, não obstante a oposição do Ministério Público.
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Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 23 de março de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.
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Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“(...)
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Os preceito legais onde se encontram vertidas as normas jurídicas, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, são os artigos 186.º-L, n.º 4 e o 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
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A dimensão normativa extraída dos referidos preceitos legais, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação dos aludidos preceitos no sentido de reconhecer ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação (artigos 186.º-L, n.º4 e 186.º-O, n.º 1, do CPT)
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E, bem assim, no sentido de apenas ser permitida a intervenção do putativo trabalhador na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se aquela intervenção acompanhar e não se opuser ao pedido formulado pelo Ministério Público na petição inicial, quer na fase dos articulados (artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT), quer na fase da audiência de partes (artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT)».
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A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de março de 2015, que interpretou e aplicou as normas jurídicas contidas nos artigos 186.º-L, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1, ambos do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.
2ª A dimensão normativa extraída dos referidos preceitos legais, cuja conformidade constitucional se suscita, é aquela que resulta da interpretação dos aludidos preceitos no sentido de reconhecer ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação [artigos 186.º-L, n.º 4, e 186.º-O, n.º 1, do CPT]
3ª E, bem assim, no sentido de apenas ser permitida a intervenção do putativo trabalhador na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se aquela intervenção acompanhar e não se opuser ao pedido formulado pelo Ministério Público na petição inicial, quer na fase dos articulados [artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT], quer na fase da audiência de partes [artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT].
4ª No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou ilegal a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.
5ª Fê-lo com fundamento em que, na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, “não pode o trabalhador defender ou ter uma posição processual conflituante com aquela que é defendida pela parte principal, no caso o Ministério Público” e, bem assim, que “da conciliação prevista no art.º 186.º-O do CPT, apenas pode resultar um acordo de «estrita legalidade», à semelhança do que sucede no processo emergente de acidente de trabalho, não podendo relevar a eventual manifestação de vontade das partes contrária aos indícios de subordinação jurídica e, por isso,
a verificação da presunção de laboralidade que motivaram a participação dos factos feita ao Ministério Público pela ACT e integram a causa de pedir invocada na petição inicial da ação” (acórdão recorrido, fls. 557 e 559)
6ª Pelo que “o trabalhador não tem legitimidade para desistir do pedido ou pura e simplesmente acordar com o empregador que a relação estabelecida entre eles constitui um contrato de prestação de serviços e não de trabalho” (idem, fls. 558).
7ª A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.
8ª A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.
9ª Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.
10ª Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.
11ª A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.
12ª Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.
13ª Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a ação não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objeto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da ação, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.
14ª Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CPT).
15ª A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, contrariamente ao que defende o tribunal recorrido, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.
16ª Após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).
17ª No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato.
18ª A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componentes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua atividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.
19ª O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade.
20ª Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto do regime da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial dos artigos 186.º-N, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.
21ª O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação.
22ª Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho.
23ª O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.
24ª O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente ação e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações […] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está...
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