Acórdão nº 127/16 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 127/2016

Processo n.º 756/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Na sequência de um relatório de auditoria realizada às contas do Município de Caminha em que foi detetada a existência de pagamentos ilegais, e não obstante o pagamento voluntário das multas devidas pela responsabilidade financeira sancionatória correlativa de tais pagamentos assacada nesse relatório, o Ministério Público, ora recorrido, demandou A., B., C., ora recorrentes, e outros, com vista à efetivação da pertinente responsabilidade financeira reintegratória. O Tribunal de Contas proferiu sentença, na qual, considerando embora ilegal a atribuição, deliberada em 3 de abril de 2006, de um subsídio a entidade privada para pagamento de dívidas à segurança social e à administração tributária, absolveu todos os demandados do pedido, com base no artigo 59.º, n.º 4, da Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (adiante referida como “LOPTC”), na redação anterior à da Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, (exclusão da reposição, por inexistência de dano, quando o respetivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que a entidade pública haja beneficiado pela prática do ato ilegal ou pelos seus efeitos).

      O Ministério Público recorreu desta sentença e, por acórdão de 14 de novembro de 2014, o Tribunal de Contas revogou-a, condenando os demandados ora recorrente, solidariamente, a repor a quantia de € 48 030, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde 3 de abril de 2006 (cfr. fls. 86-114 – acórdão n.º 22/2014, da 3.ª Secção). Considerou, para o efeito, além do mais, o seguinte:

      Como é sabido, os pressupostos da responsabilidade financeira reintegratória são os mesmos da responsabilidade civil, inclusive a existência de um dano, único requisito cuja existência se questiona neste recurso. Em matéria de «[r]eposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos», o art.º 59.º da LOPTC, na redação aqui aplicável (anterior à da Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto), dispõe que:

      1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infração, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer.

      2 - Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efetiva.

      Portanto, como bem sustenta o Ministério Público, o dano a reparar, pela reintegração do erário público, não é apenas material, financeiro, é também jurídico, na medida em que normas legais foram necessária e efetivamente violadas para que o subsídio fosse atribuído. A contra-alegação, acolhida na sentença, de que o investimento proporcionou um retorno para os munícipes de valor igual ou superior a €600.000 e que, por isso, houve também contrapartida para o Município, não colhe fundamento na matéria de facto provada. Com efeito, a contrapartida para a economia do Município, que o recorrente não contesta, não é automaticamente uma contrapartida compensadora da referida despesa ilegal da autarquia. Era preciso demonstrar, com factos, que nos cofres da edilidade entrou realmente de volta a importância aplicada pela Câmara naquelas dívidas da AVIVAC. Mas, como tal prova não se mostra feita, permanece tal despesa sem Tribunal de Contas 23 contrapartida, além de ilegal – nos termos do art.º 59.º, n.ºs 1 e 2, da LOPTC.

      Notificados deste acórdão, e na sequência de requerimento de “aclaração, nulidades e pedido de reforma” do mesmo, pedidos estes indeferidos pelo acórdão de fls. 194-201 (acórdão n.º 11/2015, da 3.ª secção, datado de 18 de fevereiro de 2015), os ora recorrentes apresentaram requerimento interpondo “recurso ordinário de revista (artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a) da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, e artigos 8.º, 10.º, e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) para o plenário” (cfr. fls. 204 e ss.). Nesse requerimento, invocaram os mesmos, além do mais, o “direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, e 671.º, n.ºs 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”., suscitando, designadamente, a inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC, caso se concluísse pela inadmissibilidade da revista tentada interpor.

      Por despacho de 13 de março de 2015, o recurso foi liminarmente indeferido pelo facto de não se mostrarem preenchidos os pressupostos do recurso previsto no artigo 75.º, alínea f), da LOPTC (fls. 232-233).

      Notificados deste despacho, os recorrentes apresentaram reclamação do mesmo (fls. 244 e ss.), referindo, designadamente, que “[a] admissibilidade da revista ordinária interposta é um imperativo constitucional e a interpretação constitucional do artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC e artigos 75.º g) e h), 80.º, alínea a), da LOPTC, 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.ºs 1 e 3 (a contrario) do CPC tem de ser no sentido de ser admissível o recurso de revista ordinário interposto sob pena de violação dos artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem” (fls. 246, artigo 15.º)..

      Por despacho de 8 de abril de 2015, o relator no Tribunal de Contas «indeferiu», por inadmissibilidade legal, a interposição de recurso, com os seguintes fundamentos:

      Em matéria de admissibilidade de recursos, no Tribunal de Contas, regem tão-só as pertinentes normas da LOPTC – art.ºs 79.º e 96.º a 104.º – e nenhuma delas prevê o recurso de revista. As alíneas g) e h) do art.º 75.º da mesma lei, que os recorrentes invocam, não atribuem ao Plenário Geral qualquer competência jurisdicional para um tal recurso. Por outro lado, as normas constitucionais e internacionais convocadas pelos recorrentes não impõem a admissão deste inusitado recurso.

      Além disso, as questões agora colocadas pelos recorrentes são essencialmente as mesmas que já foram decididas, em última instância, por este Tribunal supremo, do qual não cabe mais nenhum recurso ordinário.

      Em consequência, por inadmissibilidade legal, indefiro esta interposição de recurso.

      (fls. 266)

    2. Subsequentemente, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), dos acórdãos de fls. 86 e ss, e de fls. 194 e ss., e, bem assim, do despacho de fls. 266, em requerimento com o seguinte teor (fls. 274 e ss.):

      A) Os aqui recorrentes interpuseram recurso de revista junto do Tribunal de Contas ao abrigo do disposto nos artigos 75º, g) e h), 80º, alínea a), 96º da LOPTC e 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9º, b), 12º, 13º, 20º, 32º, nº 1 da CRP e artigos 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e a interpretação dos artigos 75º, g) e h), 80º, alínea a), 96º da LOPTC e 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC.

      Todo o nosso edifício jurisdicional está desenhado por forma a garantir ao cidadão o direito fundamental a um grau de recurso e, no que concerne ao recurso de revista o mesmo é assegurado desde que a alçada o permita e não haja dupla conforme (artigos 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigo 150º do CPTA e de acordo com a Constituição da República Portuguesa, a todos é garantido o direito à tutela jurisdicional efetiva – artigo 20º da CRP e 6º da CEDH).

      Não havendo dupla conforme (como é o caso), aos aqui reclamantes, tem de ser assegurada a possibilidade de recorrerem ordinariamente pelo menos uma vez, da decisão que lhes foi desfavorável, logo, assiste aos recorrentes o mesmo direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 75º, g) e h), 80º, alínea a), 96º da LOPTC e 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9º, b), 12º, 13º, 20º, 32º, nº 1 da CRP e artigos 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      A admissibilidade da revista ordinária interposta é um imperativo constitucional e a interpretação constitucional do artigo 96º, nº 3 da LOPTC e artigos 75º, g) e h), 80º, alínea a), da LOPTC, 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC tem de ser no sentido de ser admissível o recurso de revista ordinário interposto sob pena de violação dos artigos 9º, b), 12º, 13º, 20º, 32º, nº 1 da CRP e artigos 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      É inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal de Contas aos artigos 79º, 96º a 104º e 75º g) e h) da Lei Orgânica do Processo do Tribunal de Contas e aos artigos 96º, nº 3, 75º, g) e h) e 80º, alínea a) da LOPTC e artigos 627º, 629º, nº 1, 671º, nº 1 e 3 (a contrario) do CPC, 9º, b), 12º, 13º, 20º, 32º, nº 1 da CRP e 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de que não é admissível o recurso ordinário de revista interposto e de que o Plenário Geral não tem competência para o recurso ordinário de revista,

      O artigo 96º, nº 3 da LOPTC padece de inconstitucionalidade orgânica e material, havendo, neste caso violação dos artigos 9º, b), 12º, 13º, 20º, 32º, nº 1 da CRP e artigos 8º, 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim e...

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