Acórdão nº 101/16 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 101/2016

Processo n.º 585/2015

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrido A. foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [LTC]).

  2. Findo o inquérito n.º 478/15.8T9MTS, que correu termos no DIAP de Matosinhos, o Ministério Público considerando indiciada a prática pelo arguido de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, entendendo estarem reunidos todos os pressupostos da aplicação da suspensão provisória do processo por 4 meses, mediante a prestação de 80 horas de serviço de interesse público e proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 3 meses, ordenou a remessa dos autos ao Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP).

    O Juiz de Instrução Criminal exarou despacho de não concordância relativamente à suspensão provisória do processo por a mesma não realizar adequadamente as exigências de prevenção geral e especial.

    Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso daquele despacho para o Tribunal da Relação do Porto que, «nos termos do n.º 1 do artigo 281.º, do Código de Processo Penal», não foi admitido.

    O Ministério Público apresentou então reclamação daquele despacho para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto que, por decisão de 20 de maio de 2015, refutando os argumentos do reclamante, socorrendo-se do disposto no artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal e invocando o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 16/2009, a indeferiu.

    É desta decisão que interpõe agora recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma resultante do «artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 16/2009, de 8 de novembro de 2009, (…), interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Púbico e o arguido, em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público é irrecorrível, não violando o direito ao recurso, constitucionalmente tutelado».

  3. Prosseguindo o processo os seus trâmites o recorrente alegou, pronunciando-se no sentido de dever ser julgada inconstitucional a interpretação normativa aplicada pelo tribunal recorrido, para o que apresentou as seguintes conclusões:

    VIII - Conclusões

    1. O Ministério Público interpôs recurso facultativo, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão de fls. 113 e 114, proferida pelo Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, “de acordo com o disposto no artº 70 nº 1 al. b) da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (…)”.

    2. Com a interposição deste recurso, pretende o Ministério Público ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do “(…) artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 16/2009, de 8 de novembro de 2009 (publicado no DR I série de 24 de dezembro de 2009), interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público é irrecorrível, não violando o direito ao recurso, constitucionalmente tutelado”.

    3. Esta interpretação normativa, utilizada na douta decisão recorrida, viola, no entender do Ministério Público, e conforme se pode inferir do teor da reclamação junta aos autos, a fls. 3 a 14 o princípio do direito ao recurso, complementado pelo princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva; e o princípio da legalidade no exercício da ação penal, previstos, respetivamente, nos artigos 20.º, n.º 1; 32.º, n.º 1; e 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

    4. Procedemos, antes da entrada na análise da matéria de constitucionalidade que alicerça as questões suscitadas, à restrição da interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, retirando da formulada no requerimento de interposição de recurso, e acima reproduzida, o segmento:

    “(…) em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público (…)”.

    5. Seguidamente, num momento ainda propedêutico, procurámos sublinhar e sanear o equívoco resultante da aplicação, por parte do venerando decisor “a quo”, como “ratio decidendi” do douto despacho impugnado, da norma constante do n.º 6 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, inaplicável, “per se”, à situação fáctica solucionanda.

    6. Em resultado deste saneamento, optámos por nos pronunciarmos sobre a interpretação normativa substantivamente aplicada à resolução do presente pleito, emergente da conjugação entre o artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal e o teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 16/2009, mas coincidente, no essencial, com o conteúdo material deste aresto.

    7. Entrando na substância da questão, apurámos que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, se encontra previsto, em sede de processo criminal, o direito de recorrer de decisões que restrinjam direitos fundamentais, consagrando o duplo grau de jurisdição.

    8. Concretizando, inferimos que a desnecessária sujeição de um cidadão arguido a julgamento em processo criminal, imposta pela discordância judicial, importa, para aquele cidadão, desde logo, a restrição e potencial lesão dos seus direitos ao bom nome e reputação, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e, ainda à restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, com assento constitucional no mesmo normativo.

    9. Efetivamente, a sujeição de um cidadão a julgamento em processo criminal, pese embora a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência concretizado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, não deixa de acarretar, por um lado uma desvalorização social e reputacional que, inevitavelmente, é associada a tal sujeição e, por outro, de vincular o arguido a, em sede instrutória e de produção de prova, sofrer a potencial devassa da sua intimidade, quer na vertente do acesso a informação sobre a sua vida privada, quer na da divulgação pública dessa mesma informação.

    10. Ou seja, encontrando-se reunidos todos os restantes pressupostos processuais que habilitam o Ministério Público a determinar a suspensão provisória do processo, e verificando-se que a decisão judicial – reconhecendo, ainda que tacitamente, a coleção daqueles pressupostos – discorda de tal determinação apenas por considerar insuficientes as injunções a impor ao arguido, em manifesto prejuízo deste, e cerceando, desnecessária e imprevisivelmente, os seus direitos fundamentais ao bom nome e reputação, e à reserva da intimidade da vida privada, comprova-se a ocorrência da violação do direito fundamental do arguido ao recurso, nos termos concebidos pelo legislador constitucional no n.º 1, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

    11. Mais constatámos, que também com fundamento na violação do princípio fundamental da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a decisão judicial discordante da suspensão provisória do processo, fundada em alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, viola o direito fundamental ao recurso em processo criminal, plasmado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

    12. Sintetizando o explanado, nesta parte da nossa argumentação, concluímos que, quer em razão da violação dos direitos fundamentais ao bom nome, reputação, e reserva da intimidade da vida privada, previstos no n.º 1, do artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa; quer em razão da violação do princípio fundamental da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - e contrariando a tese sustentada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 16/2009 -, a decisão judicial discordante da suspensão provisória do processo, fundada em alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, viola o direito fundamental ao recurso em processo criminal, prescrito no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, enquanto afloramento do mais abrangente direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva...

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