Acórdão nº 08S2655 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Junho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 31 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho do Barreiro, Secção Única, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DO DISTRITO DE SETÚBAL, a qual, entretanto, passou a denominar-se ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE SETÚBAL, pedindo que se declarasse a existência de um contrato de trabalho entre as partes, desde 2 de Dezembro de 1997, bem como a ilicitude do respectivo despedimento, ocorrido em 3 de Dezembro de 2003, e que a ré fosse condenada (i) a reintegrá-lo como assessor, com efeitos desde 2 de Dezembro de 1997, (ii) a pagar--lhe € 3.443,42, a título de prestações vencidas, acrescidos de juros de mora à taxa legal, (iii) a pagar-lhe as prestações vincendas, até ao trânsito em julgado da decisão e (iv) a pagar-lhe € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alegou, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré, em 2 de Dezembro de 1997, para lhe prestar assessoria nas áreas da educação, desporto, informação e modernização administrativa, mediante contrato de avença, e que, a partir de 1998, a sua actividade centrou-se, principalmente, na instrução de processos de candidatura a fundos nacionais e comunitários para desenvolvimento de projectos de modernização administrativa e de gestão das autarquias do Distrito de Setúbal, sendo que, em 3 de Outubro de 2003, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato, com efeitos a partir de 2 de Dezembro de 2003, tendo prescindido, desde aquela data, dos seus serviços.

Mais aduziu que: sempre esteve inserido na estrutura organizativa da ré; o seu local de trabalho, sem prejuízo das reuniões no exterior, situava-se na sede da ré, onde tinha gabinete próprio e lhe era assegurado apoio administrativo; recebia ordens e orientações da ré, que fiscalizava a sua prestação laboral; assinava correspondência em nome da ré; possuía um cartão de identificação emitido pela ré; prestava trabalho, diariamente, de segunda a sexta-feira, das 9 às 17,30 horas, na sede da ré; todo o equipamento utilizado no trabalho, bem como o telemóvel, era fornecido pela ré; até Julho de 2002, a ré pagava o combustível gasto nas deslocações da viatura automóvel que lhe estava atribuída, numa média de € 100; utilizava, nas deslocações de serviço, uma viatura comercial, propriedade da ré; gozava férias de acordo com o mapa de férias organizado pela ré e dependia economicamente desta.

A ré contestou, por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a prescrição dos créditos resultantes da cessação do pretenso contrato de trabalho e a impossibilidade legal do pedido, o que implicaria a ineptidão da petição inicial, aduzindo, quanto a esta última excepção, nos artigos 24.º a 33.º da contestação, os fundamentos seguintes: - «A R. é uma pessoa colectiva de direito público, conforme definição constante do art. 1.º da Lei n.º 17[2]/99, de 21 de Setembro, tendo-se constituído ao abrigo do regime jurídico constante desse diploma legal»; - «A R. tem um quadro de pessoal próprio, aprovado por deliberação da Assembleia Intermunicipal, de 18 de Dezembro de 2000, quadro esse que se encontra publicado no Apêndice n.º 34, da II Série, n.º 68, do Diário da República, de 21 de Março de 2001 (doc. 1)»; - «O A., com a presente acção, pretende que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre ele e a R., desde 2 de Dezembro de 1997, e que, em consequência da pretensa ilicitude do seu pretenso despedimento, seja condenada a R. a reintegrá-lo como Assessor e com efeitos desde a referida data»; - «Nos termos do art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, as pessoas colectivas públicas, como é o caso da R., apenas podem celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado se existir um quadro de pessoal para esse efeito e dentro dos limites desse quadro»; - «E, anteriormente, conforme resultava do Dec. Lei n.º 18[4]/89, de 2 de Junho, em termos de emprego público, o contrato individual de trabalho, sem prazo, só poderia ser utilizado para a contratação de pessoal auxiliar e para serviços de limpeza (veja-se art. 11.º desse diploma) e, para além dessas funções profissionais, só em situações muito estritas se poderiam satisfazer necessidades de pessoal ao abrigo de contrato individual de trabalho, no caso dessas necessidades serem transitórias e poderem ser abrangidas por um contrato a termo»; - «Assim, por força das citadas disposições legais, a pretensão do A. tem um objecto legalmente impossível»; - «Tendo os Tribunais de decidir conforme a lei, a que estão vinculados, desde logo por força do art. [2]02.º, n.º 2, da Constituição da República, não podem tomar uma decisão que implique um resultado contrário à lei»; - «Pelo que, ao pedir que o Tribunal declare a existência entre o A. e a R. de um contrato individual de trabalho subordinado sem prazo e ao pedir a sua integração a esse título, o A. está a formular um pedido legalmente impossível»; - «O que equivale à falta, nessa parte, do pedido e, consequentemente, à ineptidão da petição inicial relativamente a essa parte do pedido».

Por impugnação, a ré sustenta que a sua estrutura organizativa comportava um quadro de pessoal próprio e funcionários requisitados aos Municípios associados e contratados em termos de relação pública de emprego, contando ainda com a assessoria de vários técnicos que lhe prestavam serviços por contrato de avença, como acontecia com o autor, o qual, embora se inserisse na estrutura organizativa da ré, apenas o fazia enquanto elemento exterior de apoio, não ocupando qualquer lugar do seu quadro de recursos humanos.

E, a final, concluiu que «a ligação profissional estabelecida entre o A. e a R. nunca foi de trabalho subordinado, nem nunca aquele entendeu que o fosse, mas apenas de prestação de serviço, ao abrigo de um contrato de avença, pelo que carecem de fundamento todos os pedidos formulados».

O autor respondeu, defendendo a improcedência da excepção de prescrição, atenta a interrupção operada com a notificação judicial da ré, em 24 de Novembro de 2004 e, no concernente à alegada impossibilidade do pedido, embora reconheça que a ré é uma pessoa colectiva de direito público, conforme preceitua o artigo 1.º da Lei n.º 172/99, de 21 de Setembro, alega que, de harmonia com o n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, a ré «pode dispor de quadro de pessoal» e, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «pode ainda promover a contratação individual de pessoal técnico e de gestão», como pode «dispor de serviços de apoio a definir nos seus Estatutos», nos termos do artigo 12.º da citada Lei, não havendo qualquer impedimento legal à integração do autor, «[t]anto assim que a R. integrou no seu quadro os Drs. Arlindo .... e Ana ....», por isso, o pedido de reintegração do autor como assessor tinha uma fundamentação legal inquestionável. Por último, o autor deduziu pedido de condenação da ré como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 25.000.

No despacho saneador, as excepções invocadas pela ré na contestação foram julgadas improcedentes, aduzindo-se, quanto à suscitada ineptidão da petição inicial, que «não se vislumbra do teor da Lei 172/1999, de 21/09, uma impossibilidade legal absoluta de integração do autor nos quadros da ré. Por outro lado, e ainda que assim se entendesse, existem outros mecanismos legais de compensação ao trabalhador pela inviabilidade de reintegração deste no seu posto de trabalho. Sem prejuízo, esta "suposta impossibilidade legal" avançada pela ré não configura ou integra qualquer situação descrita no art. 193.º do CPC, inexistindo, assim, a ineptidão apontada», tendo a ré apelado do mencionado despacho, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição, recurso admitido com subida diferida.

Realizado o julgamento, durante o qual o autor optou pela indemnização em substituição da reintegração, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: «A) [declarou] a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré, com início em 2 de Dezembro de 1997 e cessad[o] em 3 de Dezembro de 2003; B) [declarou] ilícita a resolução do referido contrato por parte da ré, configurando um despedimento ilícito, e, em consequência, [condenou] a ré a pagar--lhe: a) a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final, sobre [a] retribuição mensal ilíquida de € 3.443,42, descontado eventual subsídio de desemprego auferido durante este período; b) uma indemnização em substituição de reintegração - conforme optou em audiência de julgamento, correspondente a um mês de remuneração base por referência ao salário mensal de € 3.443,41, até ao trânsito em julgado da decisão - cf. art. 439.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho; c) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 7.500; C) [absolveu] a ré do pedido de litigância de má fé.» 2.

Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação de fls. 227 a 231, mantendo a decisão que julgou improcedente a excepção da prescrição, e julgou parcialmente procedente a apelação de fls. 1090 a 1105, alterando a alínea a) da alínea B) da parte decisória da sentença recorrida, ficando aí a constar: B) [...] «a) a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final, sobre a retribuição mensal ilíquida de € 3.443,42, deduzida das importâncias que o Autor tenha, comprovadamente, obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como do montante do subsídio de desemprego que eventualmente tenha auferido durante aquele período, tudo a liquidar em incidente de liquidação».

É contra esta decisão do Tribunal da...

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