Acórdão nº 59/16 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 59/2016

Processo n.º 1084/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam em Conferência na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. Na 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa, o Ministério Público (como autor, sendo aqui Reclamado) intentou uma ação especial de impugnação de estatutos (artigos 162.º e 164.º-A do Código de Processo de Trabalho) contra a associação de cariz sindical denominada Confederação Portuguesa de Quadros Técnicos e Científicos (a ora Reclamante, ré nessa ação), pedindo a declaração de nulidade do artigo 4.º dos estatutos desta (cfr. fls. 8 vº), cuja redação resulta da última alteração, realizada em 26/10/2013. A ação correu os seus termos perante o Juiz 6 daquela secção, com o n.º 1865/14.4T8LSB. Alegou o autor, como fundamento da sua pretensão, que a ré procedeu à alteração dos seus estatutos e que a norma do seu artigo 4.º é nula por não especificar o modo como se efetiva em concreto o exercício do direito de tendência, violando, pois, a norma imperativa do artigo 450.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

    1.1. A ré constou, sustentando validade da disposição estatutária. Da contestação consta, designadamente, o seguinte:

    “[…]

    1. A Ré é uma confederação de Sindicatos, ou seja e conforme consta do artigo 1.º do Estatutos, ‘é uma organização sindical constituída pelas organizações sindicais representativas de quadros nelas filiados.’.

    2. E, no seu artigo 7.º os Estatutos estabelecem que ‘Têm o direito de se filiar na Confederação as associações sindicais que representem quadros e que se identifiquem com os princípios e objetivos da confederação.’.

    3. Os trabalhadores filiados nas associações filiadas ou que se vierem a filiar na Confederação R., não podem ser admitidos de per si como filiados na Confederação.

    4. O preceito constitucional que garante o direito de tendência (alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º), estabelece que ‘no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente, (…) o direito de tendência, na forma que os respetivos estatutos determinarem.’

    5. Face à conjugação destes preceitos compreende-se que não é possível à Ré regular o direito de tendência dos trabalhadores propriamente ditos, posto que não enquadra quaisquer pessoas individualmente consideradas na organização Ré.

    6. Dir-se-á, no entanto, que a norma do artigo 450.º, n.º 2, do Código de Trabalho, não distingue, exigindo que qualquer ‘Associação Sindical’ tem de prever e regular o direito de tendência.

    7. Trata-se, no entender da Ré e salvo melhor opinião, a um erro do legislador que, simplificando assumiu a expressão ‘Associação Sindical’ para designar todas as organizações de caráter sindical, sejam elas sindicatos (em que se filiam diretamente os trabalhadores que a letra e o espírito da Constituição pretendeu garantir), sejam formas de associação intermédias e superiores que aglutinem os Sindicatos.

    8. Mas, na medida em que a norma do Código de Trabalho o exige de modo ampliado relativamente ao preceito constitucional, os Estatutos da Ré consagram o princípio do direito de tendência no artigo 4.º, n.º 1, dos Estatutos, aí regulando, também ampliadamente, o respetivo exercício, de modo a que exista plena compatibilidade com a forma como tal é regulamentado nos estatutos dos sindicatos filiados.

    9. A fixação de regras apertadas de constituição e admissão de tendências nos Estatutos da Ré colidiria, necessariamente, com o modo como se organizam as tendências nas organizações filiadas.

    10. Sendo ainda certo que os órgãos da Ré serão o reflexo dessas mesmas tendências.

    11. É, de resto, o que resulta, v. g., do estabelecido no artigo 34.º dos Estatutos quando se admite que 10% dos delegados ao Congresso (clara minoria) possam apresentar listas de candidaturas para a Direção Nacional (alínea c) do n.º 1),

    12. Ou, quando se estatui que ‘as listas de candidatura para a Direção Nacional deverão ter em conta as várias correntes de opinião, a representação dos associados num plano nacional, sectorial, regional e profissional’ (n.º 5 do mesmo artigo 34.º).

    13. A questão suscitada nos presentes autos, não estará, pois, em considerar ofendido o princípio constitucional ou a omissão de regulamentação do direito de tendência, mas sim o modo como este se encontra regulamentado.

    14. Ora, a regulamentação do direito de tendência é, como o próprio Autor alega no artigo 11.º da douta P. I., de livre consagração estatutária.

    15. Uma intromissão administrativa, ou mesmo jurisdicional, com base em considerações formais, vagas e abstratas, relativamente a tal matéria, constituiria grave restrição da liberdade sindical, e, no caso presente, uma intromissão totalmente injustificada como se demonstrou.

    Termos em que, e nos mais de direito aplicável, deve ser considerada fundada a presente impugnação, e a ação julgada totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se a Ré do pedido.

    […]” (sublinhados e ênfase no original).

    1.2. Foi proferida sentença de fls. 37/45, julgando a ação procedente, declarando a nulidade do artigo 4.º dos estatutos da ré. Da decisão consta, designadamente, o que ora se transcreve:

    “[…]

    IV- Factos provados:

    Em face documentos juntos aos autos, mostra-se assente a seguinte factualidade:

  2. Em Congresso, realizado 26 de outubro de 2013, a Ré aprovou a alteração dos seus estatutos.

  3. A alteração referida em 1 foi publicada no BTE n.º 45, de 08/12/2013.

    V- Questão a decidir:

    O thema decidendum circunscreve-se assim à apreciação da invocada nulidade dos estatutos da Ré por omissão de regulamentação do exercício do direito de tendência.

    VI- Fundamentação de direito:

    Estabelece o artigo 449.º, n.º 1 do CT2009 que a alteração aos estatutos fica sujeita às mesmas regras que regem constituição e registo das associações a que se reportam, com as necessárias alterações.

    Por seu turno, acrescenta o n.º 2 que ‘caso as alterações dos estatutos da associação sejam desconformes com lei imperativa, o magistrado do Ministério Público no Tribunal competente promove, no prazo de 15 dias a contar da receção dessas alterações a declaração judicial de nulidade das mesmas, mantendo-se em vigor os estatutos vigentes à data do pedido de registo’.

    Sustenta o Autor que os estatutos da Ré não regulam o modo como se efetiva em concreto o exercício do direito de tendência, violando assim o disposto no artigo 450.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2009.

    Considerações gerais

    Quer a lei fundamental quer a lei ordinária consagram, no âmbito da liberdade sindical, o direito de tendência.

    O direito de tendência está previsto no artigo 55.º, n.º 2 alínea e) da Constituição da República Portuguesa, estatuindo o referido preceito que:

    ‘No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente: (...)

    e) O direito de tendência, nas formas que os respetivos estatutos determinarem’.

    De forma mais expressiva dispunha a anterior redação (anterior à revisão de 1982) que:

    ‘A fim de assegurar a unidade e o diálogo das diversas correntes sindicais eventualmente existentes, é garantido aos trabalhadores o exercício do direito de tendência dentro dos sindicatos, nos casos e nas formas em que tal direito for estatutariamente estabelecido’.

    Por sua vez, a lei ordinária reafirmando o comando constitucional prescreveu a obrigatoriedade de os estatutos das associações sindicais regularem o exercício do direito de tendência (artigo 450.º, n.º 2 do CT 2009, artigo 485.º do CT 2003).

    Integrando a liberdade sindical – que por sua vez se insere no elenco dos direitos, liberdades e garantias – o direito de tendência, ‘pretende assegurar a integração das minorias nas estruturas sindicais’ num quadro sindical que se deseja plural e vem sendo apontado na doutrina como um ‘(...) instrumento que pode atenuar a pressão para a pulverização do movimento sindical e, ao admitir sindicatos plurais, contribuir para a própria independência das associações sindicais existentes, designadamente, em face dos partidos políticos’ (vide, neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 545 e 546).

    Tal como se encontra constitucionalmente consagrado (artigo 55.º), o direito de tendência concretiza-se nos estatutos, competindo a estes determinar a forma como há de garantir-se em cada associação sindical a expressão institucional de eventuais correntes – tendências – que possam vir a surgir no seu seio.

    A este propósito, Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 545) referem-se a ‘um direito sob reserva estatutária’, no sentido de que escapa à lei ordinária estabelecer a forma como deve ser exercido ou pode ser posto em prática, sendo os estatutos o local próprio para cada associação sindical lhe dar corpo. Afirmam ainda os citados autores, resultar do texto constitucional que a concretização do direito de tendência constitui matéria que cabe no âmbito da liberdade sindical ou, mais concretamente, no domínio da liberdade estatutária que ela envolve. Daí que, na falta de norma estatutária, o direito de tendência não seja exequível por si mesmo (ob. cit.).

    A remissão constitucional para os estatutos não envolve, porém, uma liberdade de decisão quanto à existência ou não de um direito de tendência, mas tão-somente uma liberdade quanto ao conteúdo e ao modo de exercício de um tal direito, constituindo uma obrigação estatutária definir a forma como há de ser exercido no interior de cada associação sindical tal direito, de modo a conferir a possibilidade de qualquer corrente com o mínimo de representatividade (tendência) que venha a surgir se expressar.

    No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que o direito de tendência está dependente da sua concretização nos estatutos dos sindicatos.

    Trata-se de um direito sob reserva de estatutos, devendo estes definir organizatória e materialmente o respetivo âmbito. Não é uma...

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