Acórdão nº 8/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução19 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 8/2016

Processo n.º 945/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. A., Lda. (Autora, Reconvinda e, nos presentes autos, Recorrida) intentou contra B. (Ré, Reconvinte, Recorrente e ora Reclamante) uma ação declarativa de condenação sob a forma ordinária, que correu os seus termos na 9.ª Vara Cível de Lisboa com o n.º 3820/07.1TVLSB.

    Em segunda petição inicial, entretanto apresentada e admitida, a Autora demandou ainda, para além da referida B., C., D. e E.. Contra todos pediu: (i) que seja decretado o despejo das Rés, ordenando-se a desocupação imediata dos locados e a sua entrega à Autora, podendo estas optar pela reocupação em fração do edifício a construir ou por indemnização; (ii) a suspensão dos contratos de arrendamento durante o período de realização das obras de demolição e construção do novo edifício, podendo as Rés optar entre o realojamento ou indemnização; e que (iii) sejam as Rés condenadas a pagar à Autora a indemnização que se mostrar suficiente para esta recuperar a remuneração financeira do investimento realizado pela aquisição do imóvel que deixou de auferir, bem como recuperar o não recebimento da mais-valia desse investimento, mediante a venda das frações constituendas, reparar as despesas entretanto liquidadas e a remuneração bruta que deixou de auferir por ter afetado fundos próprios para fazer face a tais despesas, pagar as despesas a que haja lugar, por via de renovação de licenças camarárias ou a sua reemissão e com a previsível alteração aos projetos aprovados em virtude da depreciação gradual do estado do imóvel, e ainda os danos patrimoniais porventura causados a terceiros por esse mau estado de conservação do prédio, relegando-se a sua liquidação para momento ulterior.

    1.1. As Rés contestaram.

    A 1.ª Ré alegou que foi sempre ela a providenciar por todas as obras de reparação, conservação e beneficiação do locado, cujo custo estima em €25.000,00; ao invés, e a partir de certa altura, a Autora descurou a conservação e limpeza do prédio, agindo, até, no propósito de o deteriorar; a falta de reparação de deficiências já provocou o corte do fornecimento de gás. Em reconvenção pediu: (i) que a Autora seja condenada a abster-se de quaisquer atos que perturbem ou ofendam a fruição e habitabilidade do 3.º andar direito, arrendado à Ré; (ii) que a Autora seja condenada a manter e a proceder a todas as obras necessárias à reposição e manutenção das condições de habitabilidade do prédio, e bem assim a proceder de imediato às obras de reparação da conduta geral do gás, para ser reposto de imediato o respetivo fornecimento; (iii) que a Autora seja condenada a não poder dar início a quaisquer obras de demolição do prédio e/ou transformação deste sem que estejam previamente salvaguardadas as relações locatícias; (iv) que a Autora seja condenada a indemnizar a Ré pela quantia de €25.000,00, correspondente aos danos materiais sofridos e, bem assim, pelos danos morais e patrimoniais que se verificarem no futuro, a liquidar em execução de sentença. Mais requereu a condenação da Autora em multa e indemnização por litigância de má-fé.

    A Autora replicou.

    A convite do tribunal, a Autora, a 1.ª Ré e a 3.ª Ré complementaram os seus articulados, com subsequentes respostas das partes contrárias.

    A 1.ª Ré articulou factos supervenientes, pedindo que a ação fosse julgada improcedente e, por a Autora ter omitido factos relevantes, seja condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização no valor de €30.334,00. A Autora respondeu, negando o conhecimento dos factos em causa e, bem assim, ter litigado de má-fé.

    1.2. O tribunal julgou, então, extinta a instância, por impossibilidade superveniente, no que concerne aos pedidos formulados pela Autora e quanto aos pedidos reconvencionais constantes das alíneas a), c) e d) (neste caso, quanto à indemnização por benfeitorias) formulados pela 1.ª Ré, mais considerando não se verificar litigância de má-fé por banda da Autora. E, determinando o prosseguimento do processo para apreciação dos pedidos reconvencionais formulados pela 1ª Ré nas alíneas b) e d) (neste caso com exclusão das benfeitorias) da sua contestação, procedeu à condensação do processo.

    1.2.1. A final, foi proferida sentença julgando a reconvenção parcialmente procedente, em suma, por ter considerado que, entre Reconvinte e Autora existe uma relação de arrendamento, que a obrigação do senhorio de assegurar o gozo do locado abrange a realização de obras de conservação ou reparação do locado, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro e que o locado carecia de obras de reparação. Assim, decidiu-se condenar a Autora/Reconvinda a:

    “[…]

    I – Proceder a todas as obras necessárias para reposição e manutenção das condições de habitabilidade da fração arrendada e das partes comuns do prédio na medida em que a segurança e salubridade das mesmas se repercuta na fruição da fração arrendada, o que implica nomeadamente a condenação da Autora/Reconvinda a:

    1. Limpar e manter limpo o quintal traseiro;

    2. Fechar as janelas dos andares vagos e das trapeiras e mantê-las fechadas;

    3. Substituir os vidros quebrados das janelas;

    4. Reparar a caixa de correio correspondente à fração arrendada à Ré;

    5. Limpar e manter limpos os andares vagos de modo a evitar o aparecimento de insetos;

    6. Limpar e manter limpo o ralo de escoamento das águas pluviais do logradouro;

    7. Substituir os pisos feitos em madeira sob e sobre o andar arrendado à Ré por piso novo;

    8. Reparar o pavimento das varandas do andar arrendado à Ré e andares que estão por cima do mesmo e respetivas corrosões;

    9. Reparar as fissuras internas e externas do andar arrendado à Ré;

    10. Substituir as escadas de acesso ao andar arrendado à Ré e reparar as paredes dessas escadas;

    11. Corrigir os desníveis nas aduelas das portas do andar arrendado à Ré;

    12. Proceder a reparação do telhado de modo a que o mesmo cumpra a sua função com total estanquicidade;

    13. Repor em funcionamento e em condições de segurança a coluna do gás de modo a fornecer a Ré;

    II – Pagar à Ré as quantias de €750,00 a título de danos patrimoniais e €4.000,00 a título de danos não patrimoniais.

    […]”.

    1.3. Inconformada com tal decisão, a Autora/Reconvinda interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas suas alegações, impugnou a matéria de facto e, no que releva para o presente recurso, concluiu o seguinte:

    “[…]

    1. O presente recurso, tem igualmente, por objeto, a impugnação da matéria de direito, discordando-se profundamente da mesma, ao julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela Reconvinte, condenando a senhoria a proceder á execução das obras infra melhor identificadas e, ainda, no pagamento da quantia de €4.000,00 (quatro mil euros) a titulo de indemnização por danos não patrimoniais;

    2. De facto, em relação à condenação da Recorrente na execução das referidas obras, não podemos deixar de considerar que, no caso sub judice, estamos perante uma verdadeira situação de Abuso de Direito.

    3. Efetivamente, a questão chave que aqui se coloca à apreciação de V. Exªs reside em saber se é exigível, a pedido do inquilino, a condenação de um senhorio na realização de obras no locado cujo encargo o art. 1031º alínea b) do CC atribui ao mesmo, quando entre o valor das mesmas obras e o valor da renda paga pelo locatário haja uma desproporção excessiva, sendo manifestamente abusiva tal pretensão, nos termos do disposto no art. 334º do CC.

    4. No caso sub judice, encontra-se provado nos presentes autos, que estamos perante um edifício de grandes proporções, encontrando-se apenas arrendadas três frações autónomas (o terceiro andar direito, o rés do chão direito e o segundo andar esquerdo), contabilizando-se o rendimento mensal global no valor de €267,28 (duzentos e sessenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), o que se traduz num rendimento anual de €3.207,36 (três mil duzentos e sete euros e trinta e seis cêntimos);

    5. Por outro lado, a sentença ora recorrida considerou provado que, na sequência das obras já efetuadas pela Recorrente no referido prédio urbano, desde a data da sua aquisição até ao ano de 2002, foi despendida a quantia de cerca de €175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), investimento este, que demorará cerca de 55 (cinquenta e cinco) anos, até a Recorrente obter o seu retorno;

    6. Por outro lado, de acordo com o facto n,º 63 dado como provado na sentença recorrida, bem como pelo teor do relatório pericial já junto aos presentes autos, a recuperação do prédio, sem contar com a reconstrução interior do edifício, importará numa quantia entre €900.000,00 a €1.080.000,00, pelo que, mesmo que, a Recorrente não proceda à execução integral das obras de recuperação do prédio, nunca irá despender na execução das obras ora impostas, quantia inferior a €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);

    7. O que demonstra por si só, uma clara desproporcionalidade com o rendimento proporcionado pelo locado, não sendo por isso exigíveis;

    8. Por outro lado, resulta igualmente dos factos dados como provados na sentença ora recorrida, de que, não só as referidas obras são inviáveis do ponto de vista financeiro, como também o são, do ponto de vista técnico.

    9. De facto, encontra-se provado que, não só todas as obras anteriormente executadas pela Recorrente vieram a revelar-se insuficientes para reabilitar o edifício face ao estado de degradação do mesmo e dos materiais que compõem a sua estrutura, como também, em função dos movimentos e pressões da estrutura do edifício não existe garantia de que as fissuras depois de reparadas não venham a revelar-se novamente (cfr. factos n.ºs 57 e 62 dados como provados);

    10. Acresce que, por exemplo, no que se refere ao fornecimento do gás, não obstante, há mais de 4 (quatro) anos, os respetivos arrendatários já se encontrarem a utilizar gás de botija, o problema existente obrigará a ora Recorrente a proceder á...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT