Acórdão nº 09A0653 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução21 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Relatório AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, JJ, LL e MM intentam, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, acção ordinária contra NN e marido OO, pretendendo obter a declaração de nulidade dos negócios referidos nos artigos 16º, 22º e 26º da petição inicial, por simulação, a declaração de nulidade das vendas referidas nos artigos 46º e 47º da mesma peça processual, por em causa estar a venda de bens alheios, e a declaração de anulabilidade do Protocolo assinado entre as partes, por as declarações nele vertidas terem sido obtidas por coacção moral, e, a condenação dos RR. a restituírem-lhes a quantia de 282.698,70 € e juros desde 12 de Junho de 2003 até efectivo pagamento e, ainda, a pagarem-lhes a quantia de 300.000 €, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com a venda da Quinta ....

Em síntese, alegaram que os pais, falecido Engenheiro PP e sua mulher, QQ, venderam simuladamente certos prédios aos RR., tendo em vista que a R., filha daqueles, era e é casada com um cidadão espanhol, facto que lhes permitira usufruir de determinadas vantagens junto de entidades bancárias, muito embora os prédios que foram objecto de tais negócios tivessem continuado para todos os efeitos a ser considerados como sendo da propriedade dos pais.

O pai, entretanto, faleceu e alguns desses prédios acabaram por ser vendidos pelos RR. que embolsaram o respectivo preço, tendo estes imposto condições para que a venda de outros bens se concretizasse, o que, a seu ver, configura uma forma de coacção moral.

A acção foi contestada pelos RR..

Foram apresentados vários outros articulados até à fase de saneamento e condensação.

De referir, com vista a uma melhor compreensão do desenvolvimento da lide, que, no articulado réplica, os AA. desistiram do pedido formulado contra a R. MM, tendo mesmo requerido que, por via do incidente de intervenção, assumisse a qualidade de A., com vista a assegurar a legitimidade activa, o que, na verdade, acabou por acontecer, tendo a mesma feitos seus os articulados dos outros AA..

Continuou a acção a sua normal tramitação até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, por via disso, os RR. foram condenados a restituírem o preço que haviam recebido da venda do prédio das "Quinteiras", correspondente a 67,337,72 €, bem como a quantia que vier a ser liquidada e que não foi usada para pagar as despesas da responsabilidade de todos os herdeiros, entre as quais se incluem aquelas que respeitam ao Fundo de Turismo, a Bancos e a comissão devida pela compra e venda.

Mediante apelação dos AA., o Tribunal da Relação do Porto, alterou o julgado e declarou a anulabilidade do Protocolo de fls. 160 a 162, condenando os RR. na restituição das quantias que, em consequência desse Protocolo, indevidamente receberam, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data em que foram indevidamente recebidas até integral e efectiva restituição.

Foi a vez de os RR. se mostrarem inconformados e pedirem revista a coberto do que indevidamente denominaram conclusões e que são as seguintes: 1 - A resposta dada ao quesito 13° dada pela 2ª instância, no acórdão recorrido, tem de se considerar não escrita, por se tratar de matéria conclusiva - questão de direito - face ao disposto no nº 4 do artigo 646° do Código de Processo Civil que, consequentemente, foi violado nesse aresto.

2 - Sem esta resposta a decisão da 1ª instância é inatacável, pelo que deve ser mantida.

3 - Essa inatacabilidade resulta também da circunstância de toda a decisão proferida na 2ª instância, no acórdão recorrido, se fundamentar nessa alteração, pelo que sem ela se pressupõe que nada seria alterado, como é óbvio.

4 - Sem prescindir, mesmo a considerar-se válida a referida resposta ao quesito 13° pela 2ª instância, no acórdão recorrido, não estão preenchidos todos os requisitos da coacção moral que validem a decisão proferida nesse aresto.

5 - Conforme decorre do artigo 255° do Código Civil são requisitos da eficácia anulatória da coacção moral: 1. a ameaça; 2. a ilicitude da ameaça; 3. a causalidade e essencialidade da ameaça; 4. a finalidade de extorquir a declaração negocial, ou intencionalidade da ameaça.

6 - Com ou sem a resposta dada ao quesito 13° pela 2ª instância, no conjunto dos factos dados por assentes, não resulta verificado, daqueles requisitos, o da essencialidade.

7- A nossa doutrina fala, quanto ao requisito da causalidade, de dupla causalidade tal como no caso do dolo. A pessoa ameaçada pode ser mais ou menos corajosa, pode ser mais ou menos temerária, e a própria ameaça pode ser mais ou menos grave e mais ou menos assustadora. Tudo depende das pessoas e das circunstâncias. A ameaça só terá relevância anulatória se for efectivamente causal do acto ou do comportamento negocial viciado.

8 - Fala-se, assim, de dupla causalidade, porque é necessário que cause medo e que esse medo, por sua vez, seja determinante do negócio ou do acto viciado. Se a pessoa ameaçada não se amedrontar, ou se, ainda que amedrontada, se concluir que teria praticado o acto mesmo sem a ameaça, não haverá causalidade, a ameaça não será verdadeiramente causal do acto ou do negócio. Se a coacção não for causal do acto, este não ficará viciado.

9 - No caso da coacção pode distinguir-se com justeza entre causalidade e essencialidade. E necessário que a ameaça tenha sido causal, para provocar o medo; e é necessário que o medo tenha sido essencial para levar o agente a contratar. Se este teria contratado de qualquer maneira, houvesse ou não medo, houve causalidade, mas não essencialidade da ameaça. Se houve medo, mas resultante de outra causa, e não da ameaça, pode ter sido essencial, mas a ameaça não foi causal.

10 - Com efeito, dos factos assentes como, aliás e bem, é ressaltado na sentença da 1ª instância e na fundamentação da prévia decisão sobre a matéria de facto resulta claramente que o Protocolo em causa, não foi assinado, no essencial, pela pressão exercida pelos ora recorrentes mas pela necessidade dos ora recorridos.

11- Quanto a esta matéria da essencialidade, passamos a reproduzir os seguintes excertos daquelas peças processuais da 1ª instância.

12 - Da sentença: 12.1- "Da factualidade apurada é legítimo retirar-se os seguintes conclusões: Os Autores é que decidiram vender os prédios que integravam a Quinta ..., dois dos quais estavam na titularidade formal dos Réus e quiseram também vender o prédio referido no item 7º da matéria assente, o qual estava em nome dos herdeiros do falecido Eng. PP e que fazia parte da Quinta ...".

12.2 -"Os Réus exigiram determinadas condições para emitirem a procuração que possibilitasse a venda dos prédios que estavam registados em seu nome e do outro prédio que integrava a Quinta ... e que estava em nome do falecido marido da chamada e desta".

12.3 -"Os Autores aceitaram as exigências plasmadas no dito Protocolo porquanto recearam que os Réus não emitissem qualquer procuração e não outorgassem a escritura de compra e venda - respostas quesitos 6º, 7º, 10°, 11°, 12°, 13".

12.4 -"Autores, Chamada e Réus acordaram quanto à distribuição dos preços das vendas dos três prédios que integravam a Quinta ..., dois formalmente na titularidade dos Réus, sendo que todos acordaram em vender esses prédios a terceiro".

12.5 - "Efectivamente não ficou provado que os Autores perante as exigências dos Réus não tenham tido outra alternativa senão aceder às exigências colocadas pelos Réus".

12.6 -"E, por outro lado, perante a matéria de facto apurada, não resulta de modo inequívoco que as exigências dos Réus correspondam a um extorsão, enquanto constrangimento de outra pessoa, por meio de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para ela ou para outrem, prejuízo, nem resulta dos factos provados que os Réus negaram alguma vez que a Quinta ... pertencia à Autora QQ e à herança do seu falecido marido".

12.7 -"Não pode o tribunal ignorar os motivos que levaram as partes a transferir para a Ré e seu marido determinados imóveis, como não se pode ignorar que os empréstimos contraídos em nome dos Réus junto das instituições bancárias e Fundo de Turismo eram pagos com atrasos, que as dívidas perante estas instituições estavam a agravarem-se, que foram instaurados contra os RR. processos fiscais em número não determinado - respostas aos quesitos 2°, 23°, 24º".

12.8 - "Também não se pode ignorar que «ao assinarem o dito Protocolo os Autores MM, AA, BB, CC, DD, EE FF, GG, HH, como primeiros outorgantes, estavam cientes que os RR. impunham como condição da sua adesão à venda da Quinta ... o recebimento de € 265.700,00 e que os Autores MM, AA, BB, CC, DD, EE FF, GG, HH, tiveram conhecimento do teor do Protocolo e assinaram tal documento - respostas aos quesitos 36° e 37º".

12.9 - "E há que atentar que, conforme resulta das cláusulas 4°, 6ª e 7ª do Protocolo, Autores e Réus acordaram que ao preço da prometida compra e venda, (um milhão e duzentos mil euros), caberá aos segundos outorgantes (ora Réus) a quantia de 265.700,00 euros, por conta da sua quota na herança do falecido PP relativamente aos imóveis da denominada Quinta ...".

12.10 - "Em face das considerações expostas este tribunal entende que a matéria provada não permite concluir que foi a ameaça dos Réus traduzida na não emissão de qualquer procuração e não outorga da escritura de compra e venda que foi determinante para os Autores emitirem as respectivas declarações vertidas no dito Protocolo".

12.11 - "Em face da matéria provada entende o tribunal que os Autores não lograram provar a essencialidade da ameaça, isto é, não lograram provar que foi a ameaça dos Réus que determinou o núcleo da declarações por eles emitidas no Protocolo, nomeadamente as cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª do dito Protocolo".

12.12 - "Perante a matéria de facto apurada, em conjugação com as considerações vertidas na fundamentação da decisão sobre a...

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