Acórdão nº 08S2269 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução22 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

No Tribunal do Trabalho de Penafiel e com o patrocínio do Ministério Público instaurou AA, por si e em representação de seu filho menor, BB, contra CC - Companhia de Seguros, S.P.A.

, acção especial emergente de acidente de trabalho, solicitando a condenação da ré a pagar: - - à autora, € 7, a título de deslocações ao Tribunal, € 3.087,20, a título de despesas de funeral, € 4.630,80, a título de subsídio por morte, e a pensão anual a vitalícia, devida desde 19 de Outubro de 2006, de € 1.680, além de juros sobre todas essas quantias; - ao representado autor, a pensão anual, também devida desde 19 de Outubro de 2006, de € 1.120, até este perfazer 18, 22 ou 25 anos, consoante frequentasse o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, e juros.

Aduziu, em síntese, que: - - os autores são, respectivamente, viúva e filho de BB; - pelas 14 horas e 15 minutos do dia 18 de Outubro de 2006, aquele BB desempenhava e desenvolvia por conta própria funções de pedreiro ou trolha, tendo celebrado com a ré um contrato de seguro, titulado pela apólice nº 000000000000, mediante a qual «transferia» a sua responsabilidade infortunística referente à sua actividade pelo salário de € 400 vezes catorze meses; - naqueles dias e hora, quando, conjuntamente com outro trabalhador, pintava a parte interior das camaratas femininas do edifício do quartel da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ...

, o BB apercebeu-se que havia infiltrações de água, razão pela qual, com esse outro trabalhador, acedeu à cobertura do indicado edifício, a qual era composta por placas de «fibrocimento»; - após ter percorrido cerca de dez metros, o BB descobriu uma telha rachada, que seria a causa provável das infiltrações, tendo-lhe batido ao de leve com o pé, para se certificar que estava partida; - nesse instante, a telha partiu ou quebrou, provocando o seu desequilíbrio e consequente queda em altura, da qual resultaram lesões que lhe provocaram a morte; - face aos motivos pelos quais subiu à cobertura do edifício, não se justificava a necessidade de serem tomadas medidas de protecção contra quedas e, mesmo que essa necessidade ocorresse, não era possível implementá-las, já que inexistia um ponto de apoio seguro que pudesse suportar um qualquer sistema de segurança contra quedas.

Contestou a ré que, em súmula, sustentou: - - que o acidente se deve ter por «descaracterizado», já que o sinistrado, que era subempreiteiro na obra de reparação do edifício - obra essa que não incluía nenhuma reparação do telhado -, juntamente com outro, por sua iniciativa e sem que o empreiteiro principal ou alguém da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ...

o solicitasse, subiram ao telhado, que era inclinado e estava em mau estado de conservação, encontrando-se as telhas que o compunham desgastadas, utilizando para tanto um escadote e uma escada de alumínio; - que, não obstante as condições em que se encontrava o telhado, o sinistrado caminhou por cima das telhas e decidiu testar a resistência de uma telha, desferindo-lhe diversas pancadas com o pé, o que provocou a sua fractura, consequenciando a queda dele e do seu companheiro; - que era possível a implementação, no telhado, de medidas de protecção colectiva e individual; - que o acidente se ficou a dever ao comportamento do sinistrado, o qual, no momento, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,27 gramas por litro, encontrando-se consideravelmente afectado nas suas capacidades de concentração e discernimento e diminuído nos seus reflexos.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 4 de Outubro de 2007, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré dos pedidos.

Inconformados, vieram os patrocinados autores a apelar para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando ainda a matéria de facto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 1 de Março de 2008, concedendo provimento à apelação, revogou a sentença recorrida, condenando a ré a pagar aos autores as peticionadas quantias.

  1. É do assim decidido que a ré vem pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: - "1º - Considerando a matéria de facto dada como provada, mesmo atendendo à reapreciação feita pelo Tribunal ‘a quo' a 13 dos 34 quesitos que faziam parte da Base Instrutória, constatamos que o sinistrado decidiu aceder ao telhado para indagar a causa de uma infiltração, no decurso de trabalhos de pintura que estava a executar no interior do edifício dos Bombeiros, sem ter utilizado qualquer equipamento de protecção colectiva ou individual; 2º - Constatamos igualmente que era possível, no caso concreto, implementar diversas medidas de protecção contra quedas e que o sinistrado era conhecedor dessas medidas e sabia como as implementar; 3º - Constatamos também que caso tivessem sido utilizadas as tais medidas o acidente teria sido evitado; 4º - E constatamos que o sinistrado estava alcoolizado no momento do acidente; 5º - Do exposto resulta que, existiu, sem sombra de dúvidas, um comportamento temerário e negligente por parte do trabalhador sinistrado, que, como muito experiente que era, tinha obrigação de ter sido mais cauteloso e de se ter protegido contra o risco de queda em altura; 6º - Resultando igualmente que o acidente poderia ter sido evitado, caso tivessem sido utilizadas medidas de protecção; 7º - Por outro lado, constatamos que o telhado era composto por placas de fibrocimento que são reconhecidamente consideradas de fraca resistência; 8º - Constatamos igualmente que tais placas continham amianto, o que as tornava ainda mais frágeis; 9º - Constatamos que o telhado em causa tinha, pelo menos, duas telhas partidas; 10º - E constatamos que na manhã do dia do sinistro chovia e ventava intensamente; 11º - O supra exposto, aliado ao facto de estarmos perante um trabalhador muito experiente, leva-nos a concluir que o mesmo conhecia a fragilidade das placas de fibrocimento e, verificando que existiam telhas partidas (quando decidiu aceder ao telhado para procurar a origem da infiltração, o sinistrado suspeitou, certamente, como não poderia deixar de ser, que algum problema proveniente do telhado, estava a causar a infiltração - o que permite constatar que o mesmo não estaria em perfeitas condições), bem sabia que corria risco de queda, caso não se protegesse; 12º - Há assim, objectivamente, risco de queda em altura, atendendo às características do telhado e às condições climatéricas adversas - o telhado estaria, no mínimo, molhado; 13º - O sinistrado tinha necessariamente conhecimento desse risco; 14º - Por outro lado, do ponto de vista do enquadramento jurídico da situação, consideramos que, apesar de o sinistrado, aquando do acto de subir ao telhado e sobre ele caminhar, estar apenas num trabalho preparatório e não propriamente em execução de obras sobre o telhado, está, ainda assim, em manifesto risco de queda em altura e está já em trabalho, ainda que preparatório.

    15º - Neste contexto, estamos com o entendimento perfilhado no acórdão do STJ de 18-04-2007, disponível em www.dgsi.pt, quando afirma: ‘Por sua vez no que toca à violação das normas de segurança, estamos de acordo com a ré quando alega que os trabalhos preparatórios já são trabalho, estando, por isso, também sujeitos às normas de segurança prescritas na lei.' 16º - Em face do exposto, na execução deste trabalho preparatório, o sinistrado estava já obrigado ao cumprimento de regras de segurança, designadamente, ao cumprimento do disposto nos artigos 44º e 45º do Dec. Lei n.º 41 821, de 1958-08-11, nos artigos 36º e 37º do Dec. Lei n.º 50/2005, de 25.2 e no artigo 11º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril; 17º - Havia, por um lado risco de queda em altura em abstracto e, por outro, as características e natureza do telhado e as condições climatéricas impunham a utilização de equipamento de segurança; 18º - Entendemos pois, face ao exposto, que estão preenchidos todos os pressupostos de aplicação das citadas normas e que, ao não terem sido cumpridas por parte do sinistrado, o mesmo violou regras de segurança previstas na lei; 19º - Tal violação foi consciente e injustificada, conforme resulta da matéria de facto dada como provada; 20º - E caso tivessem sido cumpridas tais regras, o acidente teria sido evitado, conforme, igualmente, consta da matéria de facto dada como provada; 21º - Havendo, por conseguinte, nexo causal entre a violação de regras de segurança e o acidente; 22º - Por assim ser, estão preenchidos todos os pressupostos previstos na norma do artigo 7º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 100/97, de 13.9, o que equivale a dizer que, no caso, o acidente deverá ser descaracterizado; 23º - Não tendo os recorridos direito à reparação; 24º - Finalmente e a acrescer, sempre se dirá que, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal ‘a quo', o quesito 21º nada tem de conclusivo e o que nele se afirma impunha resposta positiva, até porque resulta do conhecimento comum, sendo facto notório; 25º - E o quesito 23º impõe resposta positiva em coerência com outros quesitos que foram dados como provados.

    26º - Os quesitos 25º e 26º destinavam-se a reforçar a existência de nexo causal entre o comportamento adoptado pelo sinistrado e o acidente, pelo que têm relevância para a decisão.

    27º - Sendo que o quesito 25º deveria ser dado como provado, como entendeu a primeira instância, o que se alega com os fundamentos atrás indicados para o quesito 21º; 28º - E o quesito 26º deveria ter uma resposta restritiva em coerência com o entendimento da Relação relativamente a outros quesitos que alterou, devendo tal resposta ser: provado apenas que o sinistrado decidiu aceder ao telhado, sem utilizar qualquer dos mecanismos de protecção colectiva e individual obrigatórios para o efeito.

    29º - Por tudo o exposto, o Acórdão recorrido violou o preceituado no artigo 7º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 100/97, de 13.9, conjugado com o disposto nos artigos 44º e 45º do Dec. Lei n.º 41 821, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT