Acórdão nº 07S4744 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Setembro de 2008
Magistrado Responsável | MÁRIO PEREIRA |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - O autor AA instaurou no Tribunal do Trabalho do Porto contra BB - Engenharia S.A.
, acção emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja declarado que o Autor era trabalhador subordinado da Ré, com a consequente condenação desta a reconhecer a existência de um contrato de trabalho e a ilicitude do despedimento, e a pagar-lhe a) a indemnização pelo despedimento; b) a remuneração por trabalho suplementar prestado e não pago; c) o acréscimo por trabalho nocturno, feriados, descansos compensatórios e descanso por trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório; d) a indemnização por férias não gozadas e respectivos subsídios de férias e de Natal; e) o subsídio de refeição, as férias e subsídios de férias vencidos em 1.1.05; f) os proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal; g) os juros legais a contar do vencimento de cada uma das prestações.
Alega o Autor ter sido contratado pela Ré em 1-4-00 para exercer as funções de guarda e vigilância dos equipamentos e materiais que a Ré tinha no seu estaleiro sito no Estádio do Bessa, sendo que, com o termo das obras, a Ré despediu o Autor em finais de Janeiro de 2005.
A Ré contestou alegando que entre as partes não foi celebrado qualquer contrato de trabalho mas um contrato de prestação de serviços, concluindo pela improcedência da acção.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré dos pedidos.
O Autor apelou, tendo no requerimento de interposição de recurso arguido a nulidade por deficiente gravação da cassete nº4, no que respeita à audição da testemunha AF.
Em sede de apelação, pediu a alteração da decisão sobre a matéria de facto e a consequente revogação da sentença com substituição por acórdão que julgue a acção procedente.
Por seu douto acórdão, a Relação: - desatendeu a referida arguição de nulidade, julgando improcedente a pretensão do A. de ver repetido o depoimento da testemunha AF; - alterou parte da matéria de facto dada como provada na 1ª instância e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.
II - Inconformado, o A. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões: 1ª. A falta de gravação de parte do último depoimento - da testemunha AF citada no facto 9 como o decalcador do contrato assinado -, precisamente na contra-instância, constitui uma nulidade atendível, salvo se se concluir que não resta qualquer dúvida sobre a qualificação do contrato como de trabalho, como nos parece certo; de facto: 2ª. A função de guarda de estaleiro de construção civil para que o A. foi contratado corresponde à categoria prevista no CCT da construção civil e é justificada para vigilância do estaleiro durante a paralisação dos trabalhos e ausência dos trabalhadores que trabalham nas obras, com um horário certo que cobre essa ausência; 3ª. Essa categoria/função não pode ser exercida por conta própria (não faz parte do elenco das profissões liberais), nem como actividade de vigilância privada; 4ª. Assim, clara e definitivamente, os índices provados - de função contratual prevista no CCT para um serviço ou estrutura da empresa, - de exercício no local de trabalho em empresa de construção civil, - de determinado horário pré-fixado, - mediante o pagamento de uma retribuição mensal, - do interesse da empresa, são absolutamente decisivos, como única solução legal possível, para qualificação do contrato do A. como de trabalho; 5ª. Preenchem, na sua duração de cerca de 5 anos, a presunção do art° 12° do Código do Trabalho; 6ª. Violou, assim, o acórdão recorrido os art° 10° e 12° do Código do Trabalho e o enquadramento profissional previsto no CCT da construção civil, aplicável às partes por RE (regulamento de extensão ou portaria de extensão): CCT do BTE n° 15/99, pgs. 969/1022, com PE in BTE n.º 33/99, pgs. 2768, na última redacção do BTE n.º 13/05, pgs. 1901 e Portaria (RE) n.º 1124/05, de 28 de Outubro.
Terminou pedindo a procedência do recurso e da acção.
A R. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
No seu douto Parecer, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
A esse Parecer respondeu o A., mantendo a posição expressa na revista.
III - Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido entendeu que não se verificou a nulidade processual invocada pelo A., e que não há, por isso, lugar à repetição do depoimento da testemunha AF e à inerente anulação dos actos processuais posteriores.
Entendeu também, na linha da sentença, que, face à factualidade dada como provada, o contrato que vigorou entre as partes não era de trabalho, mas de prestação de serviços, o que comprometia, desde logo, as pretensões do A..
E daí que tenha confirmado a sentença que absolvera a R. do pedido.
O A. impugna o decidido, defendendo que, atenta a factualidade provada, é de concluir pela qualificação desse contrato como de trabalho e pela procedência da acção.
Mais defende que, a não se entender assim, é de dar como verificada a apontada nulidade, com as consequências que peticionou.
São, pois, essas as questões que, levadas às conclusões, constituem objecto da revista (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC).
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. A Ré dedica-se à indústria da construção civil.
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A Ré contratou com o Boavista a obra de remodelação do Estádio do Bessa no âmbito do programa "Euro 2004".
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O Autor é atleta profissional de boxe, tendo representado o Boavista e como atleta desse clube sido campeão nacional de boxe, por duas vezes.
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Já no decurso das obras de remodelação referidas em 2 e durante os primeiros meses do ano de 2000, a direcção do Boavista contactou a Ré, solicitando-lhe que arranjasse uma actividade profissional para o Autor.
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Dadas as boas relações que existiam entre a direcção do Boavista e a administração da Ré, foi elaborado o documento junto aos autos a fls.130 e a partir de data não apurada, mas anterior a 1 de Abril de 2000 o Autor começou a exercer as funções de guarda do estaleiro da obra referida em 2.
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O horário acordado em que o Autor efectuaria a vigilância do estaleiro da obra era das 20 às 8 horas, de 2ª a 6ª feira, e das 16 de sábado às 8 horas da manhã de 2ªfeira, de forma ininterrupta, sem dias de descanso semanal e em todos os dias da semana.
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Entre as 20 e as 8 horas de 2ª a 6ª feira e entre as 16 horas de sábado e as 8 horas de 2ª feira, o pessoal das obras não trabalhava e, com a excepção de alguns trabalhadores e imigrantes estrangeiros que pernoitavam sempre na obra, a maioria ausentava-se do local, pelo que a Ré pretendia com a vigilância do Autor, garantir a segurança da obra e dos equipamentos.
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Antes de iniciar as funções referidas em 5 o Autor inscreveu-se como trabalhador independente e enquanto durou a relação contratual referida recebeu da Ré contra a entrega de "recibo verde" a quantia de 150.000$00, desde Abril de 2000 a Outubro de 2001, € 748,20 de Novembro de 2001 a Março de 2003 e € 847,95 de Abril de 2003 a Janeiro de 2005 em 12 meses por cada ano.
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Em data muito posterior a Abril de 2000 e porque o Autor invocou junto do director dos recursos humanos da Ré, Sr. AC, a necessidade de apresentar um contrato escrito junto do Serviço de Estrangeiros, para legalização da sua permanência no País, foi elaborado pelos serviços de pessoal da Ré e assinado por um representante desta e pelo Autor o contrato junto aos autos a fls. 12 a 14, o qual foi decalcado de outros que a Ré tinha anteriormente celebrado, designadamente com empresas de segurança.
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A obra de remodelação do Estádio do Bessa referida nos números anteriores encontrava-se fisicamente vedada por barreiras metálicas e o Boavista tinha os seus próprios seguranças das suas instalações.
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O cumprimento por parte do Autor do horário referido em 6 não era na prática fiscalizado por ninguém que representasse a Ré, e para o desempenho das suas funções de vigilância o Autor era autorizado a permanecer num contentor que servia de escritório durante o dia e onde se encontrava uma secretária e uma cadeira e para onde foi levado um televisor.
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Por mais do que uma vez o encarregado da obra e a pedido do Autor, forneceu-lhe botas de trabalho (de biqueira de aço), capacetes e fatos de chuva.
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Nos dias em que se realizavam jogos de futebol no Estádio do Bessa durante as obras de remodelação referidas, geralmente após as 20 horas e aos sábados ou domingos o Autor realizava serviços de segurança para o Boavista, junto da entrada dos camarotes, encontrando-se nessas ocasiões com uniforme do Boavista e ostentando ao peito um cartão de identificação de referido Clube.
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O Autor foi visto por várias vezes nas referidas condições por funcionários da Ré que iam assistir aos jogos de futebol, visto a Ré possuir um camarote privativo no Estádio do Bessa.
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Enquanto perdurou a relação contratual referida, o Autor efectuou, pelo menos, dois combates de boxe para defesa do título de campeão nacional, os quais tiveram lugar nos Casinos do Estoril e da Póvoa de Varzim, tendo também efectuado combates ou exibições na Alemanha e em Espanha e tendo-se ausentado também por uma vez para Angola.
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Nessas ocasiões em que esteve ausente no país e no estrangeiro, o...
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