Acórdão nº 07P2604 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | SORETO DE BARROS |
Data da Resolução | 06 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA, identificada nos autos, imputando-lhe um crime de homicídio qualificado, previsto pelos artigos 131° e 132°, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e g) do C. Penal .
O Tribunal da Comarca de Leiria procedeu ao julgamento e, por acórdão de 18.12.06, proferido no processo n.º 253/99, condenou-a - 'fazendo intervir a atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto no art.º 73°, n.ºs 1 e 2, alínea d), do C. Penal de 1982' - na pena de oito anos de prisão, 'como autora de um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do C. Penal de 1982' .
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1 Desta decisão, recorreram o Ministério Público e a arguida .
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1.1 O Ministério Público fechou a motivação com as seguintes conclusões : 1ª. Só sob um prisma «pluridimensional», numa perspectiva que, nunca descurando as específicas exigências de retribuição e, portanto, a total correspondência que deve existir, em princípio, entre a pena e a culpa do agente (enquanto esta constitui fundamento, limite ou legitimidade daquela), compatibilize os interesses de defesa da sociedade (seja através da ameaça abstracta da pena relativamente a todos os seus membros, seja pela recuperação ou intimidação do delinquente para a não prática do crime) com os de reintegração do condenado nela (ainda que, para este fim e excepcionalmente, seja necessário o sacrifício daquela total correspondência) e tenha, desta forma, em conta o que, hoje, é evidenciado pelo disposto no artigo 40º., nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, se pode avaliar e determinar o grau «acentuado» de «diminuição» da «necessidade da pena» da circunstância a que alude o artigo 73º., nºs. 1 e 2, alínea d), do Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção (hoje, artigo 72º., nºs. 1 e 2, alínea d)).
2a O bom comportamento, evidenciado, nomeadamente, através de um «certificado de registo criminal limpo», não constitui, porém, a «boa conduta» a que alude a referida alínea, 3a• Já que o dever de observar as leis criminais é um dever de qualquer cidadão e aquele que o cumpre nada mais faz do que observar as regras de convivência social necessárias ao relacionamento entre ele e os outros.
4a• Antes se torna necessário um comportamento «melhor do que o da normalidade dos indivíduos com iguais condições de vida, idade, cultura, etc., e colocados nas mesmas condições de criminalidade», 5ª. Pois só assim se pode dizer que o «muito tempo» «mexeu profundamente no agente» e, portanto, que a sua personalidade se modificou para muito melhor (Acs. do S.T.J., de 18/07/1984 e 13/11/1985), 6a• O que não se pode afirmar quando, como acontece no caso dos autos: a) - para o decurso do «muito tempo», contribui, exclusiva ou preponderantemente, a arguida ao ausentar-se, pouco tempo após a prática do crime ("in casu", em 3 de Maio de 1988) e o seu interrogatório (em 24 do mesmo mês), primeiro, para parte incerta do Pais e, de seguida, do estrangeiro, retardando, assim, pelo menos, durante mais de 16 anos, a efectivação do seu julgamento; b) - se dá apenas por provada a sua inserção social no País onde viveu e que, à data de emissão do respectivo certificado, no registo criminal nada consta; e c) - nem sequer se pode invocar que se está perante um agente em que o crime praticado aparece como desajustado à sua personalidade.
7a• Daí que não se encontre preenchido a referida circunstância do citado artigo 73°. e não deva, em consequência, ter lugar a atenuação nele prevista, 8ª. Atenuação que, «in casu» e para além de funcionar como um verdadeiro prémio da declaração de contumácia que, em 19 de Fevereiro de 1990, a arguida foi objecto e apenas veio a cessar em 14 de Julho de 2005, fere, na nossa opinião, o sentimento de Justiça que deve estar subjacente à punição do crime por ela praticado, 9a• Um dos que mais repugnam à sensibilidade humana e à consciência ético-social, não só pela malvadez e baixeza de sentimentos revelados, mas também pela total indiferença ao sofrimento que foi provocado à vítima (filho com apenas 6 anos e paralisia cerebral, tetraplésia, afasia e deficiência visual grave) com o não fornecimento, ao longo de meses, da alimentação indispensável à sua sobrevivência.
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Está-se, pois, perante um crime com um dolo muito intenso que, não fora o disposto no artigo 72°., n°. 1, do Cód. Penal (na redacção vigente à data do crime), enquanto manda atender às exigências de prevenção, reclamaria, em face dos critérios retributivos, uma pena não inferior a 16 anos, considerando a moldura penal abstracta de 12 a 20 anos de prisão prevista pelo artigo 132º., nº. 1, do mesmo diploma (17 anos e 6 meses, atendendo à moldura da redacção actualmente vigente).
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Atendendo, porém, a essas (primeiras) exigências, mais concretamente, às que se prendem com a prevenção especial (face à inserção social da arguida e à circunstância de o tempo decorrido ter esbatido, em certa medida, a intensidade com que elas se faziam sentir à data da prática do crime pelo qual aquela foi condenada), parece-nos que elas têm algum «peso», sendo de molde a que a pena a aplicar se aproxime do limite mínimo legalmente previsto e, desta forma, a que uma pena não inferior a 13 anos de prisão se possa e deva ter como justa, inclusive, tendo em conta as exigências de prevenção geral.
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• Do que se segue que, ao fazer funcionar a referida regra de atenuação (especial) nas circunstâncias acima referidas e, em consequência, ao condenar a arguida (tão só) na pena de oito anos de prisão, o Acórdão recorrido violou, na nossa opinião, o disposto no artigo 73°., nºs. 1 e 2, alínea d), do Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção (hoje, artigo 72º., nºs. 1 e 2, alínea d), com referência ao artigo 40º., nºs. 1 e 2) e, por via desta violação, também o preceituado no artigo 72º., nº. 1, do mesmo diploma, 13ª• Pelo que deve ser revogado nessa parte e a arguida condenada em pena que se insira na moldura penal abstracta correspondente ao crime de homicídio qualificado por ela praticado.
(fls. 681 a 703) 1.1.2 Por sua vez, a recorrente terminou a motivação com as seguintes conclusões : 1. No caso em apreço a não aplicação do preceituado no Código Penal de 1982, aplicável á data em que os factos pelos quais a arguida foi condenada foram praticados, viola o estatuído no nº 4 do artigo 2° do actual Código Penal; 2. Ora, tendo a arguida recorrente sido condenada, por um crime cometido à luz do disposto pelo Código Penal de 1982, e sendo esta a norma mais favorável àquela, deverá ser o regime previsto por este código que deve ser aplicado, não sendo de atender ao regime consagrado no Código Penal de 1995 ou posteriores revisões.
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Decorre de diversa jurisprudência constitucional a manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 290, n.1 e 3 da CRP, da equiparação da causa de interrupção prevista no artigo 120, n. 1 al. d) do Código Penal de 1982, com a declaração de contumácia por a omissão da contumácia entre as causas de interrupção da prescrição constituir uma "lacuna insusceptível de ser preenchida" ; 4. Não pode proceder a consideração da declaração de contumácia como uma causa de suspensão da prescrição, nos termos do Assento n. 10/2000 de 19.10.2000, que consubstancia uma aplicação analógica e retroactiva a factos anteriores a 1.10.1995, de uma causa de suspensão inexistente no Código Penal de 1982 - a declaração de contumácia, o que a ser aplicado viola o estatuído pelo nº 4 do artigo 290 da Constituição da República Portuguesa.
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Entende a recorrente que a declaração de contumácia não é causa de suspensão do procedimento criminal, no caso em apreço e portanto na vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987; 6. Salvo melhor entendimento a arguida recorrente que, pela prática de factos ocorridos em 3 Maio de 1988, o Tribunal Colectivo considerou, ter praticado um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do Código Penal de 1982, que foi declarada contumaz por despacho de 19 de Fevereiro de 1990, que foi notificada da acusação em 3 de Janeiro de 2006, e da data designada para julgamento, em 28 de Julho de 2006, mantendo-se na situação de contumaz até 14 de Julho de 2005, essa declaração de contumácia é irrelevante para a prescrição, visto que a declaração de contumácia, com efeito interruptivo dessa mesma prescrição, só surgiu com o Código Penal de 1995 (alínea c), do n.º 1, do art.º 121), regime este que não pode, obviamente, ser aplicado ao caso, visto a Constituição e o Código Penal proibirem a aplicação retroactiva da Lei Penal (art.º 29, n.º 1, da Constituição e art.º 2, dos Códigos Penais de 82 e 95), pelo que a sujeição da arguida a julgamento viola o disposto nos referidos artigos.
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Assim, o douto acórdão recorrido, ao não considerar prescrito o procedimento criminal, e o Tribunal ad quo, sujeitando a arguida a julgamento, está ferido de uma inconstitucionalidade orgânica, por violação do estatuído no art.º 29, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, porquanto não é de acolher a Jurisprudência do Acórdão n.º 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, I série-A, de 10 de Novembro de 2000.
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No que respeita à medida da pena aplicada entende-se ter sido desproporcional e inadequada aos factos provados em audiência de julgamento, não tendo sido devidamente ponderadas para o caso em concreto a culpa do agente, a ilicitude dos factos e da sua actuação e as exigências de prevenção geral e especial e as condições pessoais da arguida, havendo assim uma clara violação do disposto nos artigos 700, 71º, 73º e 74º do Código de Penal de 1982; 9. Pelo exposto, entende a arguida que a pena em que foi condenada, dado o circunstancialismo que rodeou os factos pelos quais foi condenada é excessiva, devendo sim ser-lhe aplicada um pena mais próxima da média entre os limites mínimos e máximos que lhe podem ser aplicados e assim considera que a pena de 4 anos de prisão será mais adequada; 10. Com o...
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