Acórdão nº 06S2451 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 24 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL (ex-ICERR, integrado, por fusão, no Instituto das Estradas de Portugal), actualmente denominado EP - Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, pedindo: (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é trabalhadora do réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde 7 de Junho de 2001; (c) a condenação do réu a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e do direito de optar, em sua substituição e até à data da sentença, pela indemnização prevista no artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; (d) a condenação do réu a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencessem desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento de cada uma dessas importâncias até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 1.471,68, correspondente a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal, que não lhe foram pagos.

No decurso da audiência de julgamento, a autora optou, «em substituição da reintegração, pela indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, nos termos legais» (fls. 135).

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento e condenou o réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 7 de Junho de 2001, e a pagar à autora a quantia de € 7.548,35, «a título de remunerações e indemnização acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação (9/12/2003), até integral e efectivo pagamento».

  1. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, alegando, em suma: (i) a proibição da conversão do contrato a termo firmado entre as partes em contrato por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho; (ii) o erro ou lapso na redacção do contrato quanto à não concretização do motivo justificativo do termo apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89; (iii) a autora, ao celebrar posteriormente à cessação do contrato de trabalho a termo um contrato de prestação de serviços com o réu, sem apor quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior relação; (iv) não é devido o subsídio de Natal de 2003 (€ 1.140,75), porque em tese a autora apenas teria direito à parte proporcional daquele subsídio (de 24.10.03 a 31.12.03), ou seja, € 209,14, mas na altura da cessação do contrato a termo foi pago à autora a quantia de € 570,38 a esse título; (v) para efeito do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, devem ser contabilizados os vencimentos auferidos em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, e não apenas desde a data em que são devidas as retribuições, ou seja, desde 24.10.03; (vi) a antiguidade releva em número de anos completos, acrescida da fracção excedente, tendo apenas a autora quatro anos completos de antiguidade, mais uma fracção de 15 dias (0,5:12), correspondentes em termos de indemnização a € 4.610,55 (1.140,75x4+1.140,75:12x0,5); (vii) ao valor da indemnização deve deduzir-se a quantia de € 2.053,62, paga à autora, em Dezembro de 2002, como compensação pela cessação do contrato, a fim de evitar uma situação de dupla fonte de rendimentos injustificados ou situação de enriquecimento sem causa, sendo devido € 2.556,93 (4.610,55-2.053,62); (viii) relativamente à indemnização a mora só se verifica a partir da sentença.

    O Tribunal da Relação, tendo considerado que «a relação juslaboral em causa - estabelecida entre o R., um Instituto Público do Estado, e a A. - está sujeita à disciplina legal constante do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública» e que «o contrato de trabalho a termo cessou, no caso, por caducidade, com a comunicação do R. à A., em 7 de Novembro de 2002, da não renovação do contrato de trabalho a termo, com efeitos a contar de 6.12.2002», julgou procedente a apelação, revogando a sentença e absolvendo o réu do pedido.

    A autora interpôs, então, recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever: «1.ª Por douta sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra foi decidido julgar a acção emergente de contrato individual de trabalho instaurada pela A. contra o Réu procedente por provada; 2.ª Fundamentou-se a decisão de 1.ª instância - em síntese [:] o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre Autora e R. não contém qualquer fundamentação concreta quanto ao motivo justificador do recurso a esta forma de contrato; que o novo regime jurídico do Contrato Individual de trabalho da Administração Pública (Lei n.º 23/2004) não se aplica ao caso dos autos (ao abrigo do princípio da não retroactividade da aplicação das leis - artigo 26.º), mantendo-se válida a disciplina contida nos Estatutos do R., em que se determina a aplicação do Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho, sem qualquer reserva ou limitação quanto à constituição de um vínculo laboral por tempo indeterminado; que não houve renúncia, tácita ou expressa, com a celebração do contrato de prestação de serviços, a créditos emergentes da anterior relação, tanto mais que se verificou uma inexistência de qualquer modificação quanto aos termos e condições em que o trabalho era executado pela A. e, por fim, que a rescisão do contrato, em 6 de Dezembro de 2002, consubstancia um despedimento ilícito, por efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa causa e sem a precedência de um processo disciplinar válido; 3.ª O Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação intentado pelo R., decidiu - erradamente - que o contrato a termo cessou, em 7 de Novembro de 2002, por caducidade por força do disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, o que se não aceita (não obstante a A. ter continuado a laborar para o R. até Outubro de 2003!); 4.ª Não é aplicável ao R. o disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, designadamente, quanto ao contrato de trabalho a termo e consequências da sua invalidade; 5.ª Nos termos do disposto nos Estatutos do ICERR (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho), artigo 13.º, o pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 6.ª Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro (que aprovou os Estatutos do IEP e que integrou, por fusão, o ICERR), o pessoal do IEP está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 7.ª O IEP foi transformado em entidade pública empresarial EP - Estradas de Portugal - EPE e, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, o seu pessoal está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 8.ª Aplicando-se, necessariamente, o regime previsto na LCCT e, actualmente, no Código do Trabalho; 9.ª Assim, à relação laboral existente entre a A. e o R. aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho e, consequentemente, o disposto no artigo 41.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2 (com a redacção da Lei n.º 17/200[1], de 3 de Julho), convertendo-se o contrato de trabalho a trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, em virtude [da] invalidade do contrato a termo, face à ausência de motivo justificativo; 10.ª E tanto é assim que fazem parte dos quadros de pessoal do R. trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, por termo indeterminado, sem precedência de processo concursal; 11.ª O Réu tem celebrado, actualmente, contratos de trabalho por tempo indeterminado, na sequência de acordos de integração dos trabalhadores (na mesma situação da ora Autora) no IEP no âmbito de processos judiciais que correram termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra (Processos n.º 815/04.OTTCBR e 934/04.3TTCBR do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra) e sem a prévia existência de concurso público; 12.ª Significa então que é possível a celebração inicial de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem a precedência de processo de concurso, mas já não é possível a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo (mesmo quando a trabalhadora tenha sido submetida a um processo prévio de avaliação dos currículos com entrevista de selecção - ponto 8. da matéria de facto dada como provada)?!? 13.ª Ora, salvo melhor entendimento, tal posição implica uma desigualdade de tratamento dos trabalhadores do Réu, em manifesta violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa; 14.ª Sem prescindir e caso se entenda que ao R. é aplicável o disposto no Decreto-lei n.º 427/89, de 7/12 - o que se não aceita, mas que se aflora como mera hipótese de trabalho -, não seria legalmente possível a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem qualquer termo, como entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra; 15.ª No entanto, desconhece-se, no caso concreto dos autos, qual o preceito legal que expressamente consagre a impossibilidade da conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo, nem o regime da nulidade previsto no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, foi afastado por qualquer norma específica, designadamente, pelos Decretos-Leis n.º 237/99, de 25/6, n. ° 227/2002, de 30/10 e n.º 239/2004, de 21/12, nem dos Estatutos do Ex-ICERR, do ex-IEP e da actual EP - Estradas de Portugal, EPE; 16.ª Sendo certo que uma...

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