Acórdão nº 3827/1990.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução28 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA- a que sucedeu AB - intentou, no dia 20 de Dezembro de 1990, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra CC, a fim de haver dele 111 733,05 dólares americanos, correspondentes a 25 130 003$, e juros.

R...&M..., Ldª requereu, no dia 23 de Fevereiro de 2004, na referida execução, a anulação da venda judicial de identificado imóvel por propostas em carta fechada, sob o fundamento de, como compradora, não ter sido informada do litígio sobre a existência de um contrato de arrendamento relativo ao imóvel.

Anulado pela Relação o despacho que indeferiu o referido pedido de anulação na sequência de recurso de agravo, foi produzida a prova e, por despacho proferido no dia 29 de Fevereiro de 2008, foi o mesmo pedido julgado procedente e dispensada a requerente de depositar o valor do preço e respectivas despesas.

Agravou o exequente, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Dezembro de 2008, dando provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido e declarou indeferir o requerimento de anulação da venda.

Interpôs R...&M..., Ldª recurso de agravo para este Tribunal, com fundamento na contradição de acórdãos, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - deve ser fixado ao recurso, nos termos do artigo 758º, nº 1, do Código de Processo Civil, o efeito suspensivo, tal como ocorreu em relação aos outros recursos interpostos; - relevam os factos constantes dos anúncios e editais, auto de abertura das propostas e depoimentos das testemunhas fixados na sentença; - a afirmação do acórdão de que o arrendamento deve ter aparência suficiente é mera suposição, sem a dignidade de facto notório ou qualidade de factos provados, sobre os quais não recaiu meio de prova legal - artigos 722º e 755º, nº 2, do Código Civil; - o fundamento do recurso é a errada aplicação do artigo 908º do Código de Processo Civil quanto à existência de ónus ou limitações que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, e o erro sobre a coisa transmitida em conformidade com o que foi anunciado e não a omissão de pronúncia quanto a esta última; - JF, Ldª afirmou ser arrendatária do prédio rústico posto à venda na execução, o que o executado aceitou; - para decisão sobre o direito de preferência do arrendatário na venda, a acção executiva pode não ser o meio próprio para decidir as complexas questões que tal direito levanta, até porque não existem prejuízos irreparáveis para o preferente, uma vez que este pode sempre lançar mão da acção de preferência para satisfazer os seus direitos e interesses; - para esclarecer os proponentes compradores na apresentação das propostas e salvaguardar o princípio constitucional da confiança legítima dos cidadãos nos tribunais decorrente do artigo 2º da Constituição, uma vez que podem sofrer prejuízos irreparáveis, os elementos dos autos conduzem à conclusão da sua comprovação e têm de conduzir, pelo menos, à necessária e indispensável informação da existência de um título público de contrato de arrendamento e da posição das partes no contrato de plena aceitação; - o arrendamento do bem vendido cai no conceito de ónus ou limitação que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, incluindo os direitos pessoais sobre a coisa, desde que eficazes em relação ao comprador, como é o caso da locação; - o acórdão não se pronunciou sobre o erro sobre as qualidades do objecto, apesar de ter sido um dos fundamentos do requerimento de anulação da venda e de ter sido a principal questão tratada na sentença, colocada pelo exequente no recurso de agravo, pelo que é nulo, nos termos dos artigos 668º, nº 1, alínea d), e 755º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil; - é facto notório que a existência de um direito de arrendamento, designadamente de natureza comercial na venda de um bem em juízo, não estando em causa o respeito pelos princípios de da boa fé, já que os tribunais gozam de fé pública pelo que têm de ser respeitados os procedimentos e diligências que acautelem e protejam os interesses e direitos dos compradores, nomeadamente à informação verdadeira, completa e elucidativa; - aos interessados na compra de bens em processo executivo deve ser dado conhecimento de toda a situação jurídica envolvente dos mesmos e não apenas dos previstos no artigo 890º, nº 4, do Código de Processo Civil, quer através dos anúncios legalmente previstos ou de outras formas de meios de comunicação com os interessados; - a norma do artigo 890º do Código de Processo Civil tem de ser interpretada em conformidade com os artigos 2º de 202º, nº 2, da Constituição, donde decorre o princípio da confiança legítima, e os tribunais devem assegurar a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos; - a norma do artigo 890º do Código de Processo Civil seria inconstitucional se interpretada no sentido de que se dispensava o tribunal de prestar as informações no sentido de esclarecer os compradores de bens na venda judicial de vícios ou defeitos que os desvalorizassem ou pudessem desvalorizar; - os anúncios pressupunham inexistir ónus ou limitação sobre o bem em venda, e na diligência da abertura das propostas e antes da sua abertura, e não foi prestada informação de que um terceiro invocara judicialmente o direito de arrendatário; - ficou implícito não existir contrato de arrendamento, ou seja, que o comprador compraria o imóvel livre de pessoas e bens e, só após a venda, foi a recorrente informada da situação, altura em que ficou ciente de ter comprado o imóvel não livre de pessoas e bens; - resulta da prova produzida, nomeadamente da testemunhal, que o recorrente tinha a convicção errónea quando fez a proposta de que o terreno estava livre, como também era essencial para ele que o terreno estivesse livre do arrendamento; - só esse engano pode explicar que as duas propostas apresentadas tenham tido valores tão díspares, a de € 12 500 por quem conhecia do contrato de arrendamento e € 420 000 da recorrente, por o desconhecer; - o exequente admite que qualquer outro preço que venha a ser oferecido em futura venda será provavelmente inferior ao oferecido pela recorrente, o que não ocorreria se não tivesse havido erro sobre as qualidades do objecto - estão preenchidos os requisitos para que a venda seja julgada inválida, sendo o erro vício o de vontade, pelo facto de o comprador não estar completamente esclarecido, na ignorância ou falta de representação exacta, ou numa falsa representação acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva para a formação da vontade, e sendo tal um erro grosseiro e essencial para o declarante, ou seja, o proponente, se suficientemente esclarecido, nunca teria feito a proposta que fez, pelo que existe erro-vício por parte do comprador; - é facto notório que o arrendamento desvaloriza em forte grau a coisa transmitida, sendo que existem no processo todos os elementos para se concluir, para este efeito, existir um arrendamento, conforme posição das partes contratuais e documento que titula o contrato, pelo que há erro quanto às qualidades da coisa transmitida; - pressupondo os anúncios publicados que não existiam ónus ou limitações sobre o bem em venda, e na diligência na abertura de propostas, e antes da sua abertura, não tendo sido prestada informação verdadeira, completa e elucidativa acerca do ónus existente, existe erro sobre as qualidades do objecto por desconformidade com o que foi anunciado; - fundando-se a anulação da venda judicial por erro sobre a coisa transmitida em erro vício do adquirente sobre as qualidades da coisa vendida, resultante da falta de conformidade com o que foi anunciado, e na existência de ónus ou limitação que não foram tomados em consideração, que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, nos termos do artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil, preenchidos estão todos os requisitos para a venda ser anulada; - o acórdão é nulo por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, e por ter feito errada interpretação dos artigos 755º, 890º e 908º do Código de Processo Civil.

Respondeu o recorrido em síntese de conclusão de alegação: - o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a existência do arrendamento não ter de ser publicitada nos anúncios de venda do imóvel, não havendo qualquer nulidade por falta de pronúncia; - não ficou provada a existência de contrato de arrendamento sobre o prédio vendido, tendo sido proferido despacho no auto de abertura das propostas no sentido de que dos documentos juntos se não podia concluir ser JF, Ldª arrendatária, e o recurso de agravo por ela interposto foi julgado improcedente; - na revista não pode reapreciar-se a matéria de facto, pelo que não pode relevar a afirmação da recorrente sobre a existência do contrato de arrendamento; - JF, Ldª só afirmou ser arrendatária a respeito da parte do prédio urbano, e o que foi vendido foi um prédio rústico distinto e independente do prédio urbano àquela arrendado; - tem fundamento a afirmação no acórdão no sentido de que o próprio arrendatário reconhece que o arrendamento corresponde a um prédio urbano; - a existência do arrendamento não cabe no conceito de limitação que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, dada a previsibilidade da sua ocorrência e a facilidade com que poderiam ser detectados indícios da sua existência caso o comprador tivesse empregue diligência mínima de conhecimento do bem, pois é facto notório, de conhecimento geral, que qualquer prédio poderá ser objecto de arrendamento, sem que isso represente a existência de...

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