Acórdão nº 206/15 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução27 de Março de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 206/2015

Processo n.º 975/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., B., C., D., E., F. e G., vieram interpor vários recursos de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

    2. Pela Decisão Sumária n.º 22/2015, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, conhecer de duas questões suscitadas, negando, nesta parte, provimento ao recurso e não tomar conhecimento das restantes questões suscitadas (fls. 3648-3655). Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

    «(…)

    Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa – se encontram preenchidos in casu, relativamente aos recursos interpostos por cada um dos recorrentes.

    10.1 Recurso interposto por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de março de 2014 (fls. 40877-40885) - ponto 6.1 supra

    São as seguintes as questões invocadas no requerimento de interposição de recurso:

    «No recurso de impugnação dirigido ao Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa: Conclusão n.º 43:

    A norma constante dos arts 50º do RGCO e 283º/3, e 311º/3/c) do CPP, interpretada no sentido de dispensar a Acusação de indicar expressamente as provas em que se fundamenta, sofreria, em tal, interpretação, de inconstitucionalidade, por ofensa dos arts 1º, 2º, 20º/4 e 32º/10 da CRP;

    Conclusão nº 69:

    Acresce que a norma do art 360º1/f) do CdVM, interpretada no sentido de que a CMVM, enquanto autoridade de supervisão, pode dar ordens que coloquem o Arguido na situação de, inevitavelmente e em alternativa, confessar a prática de um ilícito, incorrer na prática de um crime ou de uma contraordenação é, em tal interpretação, materialmente inconstitucional por violação das normas constitucionais que consagram os direitos à presunção de inocência, ao silêncio e à não autoincriminação, bem como dos princípios do Estado de Direito democrático, decorrentes do art 6º da CEDH e dos arts 2º, 20º/4 e 32º/2,5,8 e 10 da CRP, o que se argui para todos os efeitos;

    No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão proferida pelo TPIC:

    (…) Lido este introito, que não pretende, obviamente, antecipar as alegações a produzir, mas apenas permitir uma melhor compreensão das arguições de inconstitucionalidade, vejamos o que se arguiu nas conclusões do recurso:

    Conclusão quadragésima segunda:

    São inconstitucionais as normas dos artigos 75/1 do RGCO, 416/4 do CdVM, 368/2, 374/1/d) e 2 e 375/1 do CPP, por violação do disposto nos artigos 20/1, 32/1, 32/1, 202/2 e 205/1 da CRP, quando interpretadas o sentido de que, como é o caso:

    1. Uma decisão judicial, proferida em recurso, nascido da impugnação de decisão condenatória da autoria de uma autoridade administrativa, pode ignorar, na totalidade, apesar de transcrever as respectivas conclusões, a impugnação apresentada pelo arguido;

    2. Uma mesma decisão judicial, pode acolher-se, integralmente, aos fundamentos da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, transcrevendo-os extensamente e reproduzindo os raciocínios dessa mesma autoridade, sem, sequer, identificar a sua origem, assumindo-os como se fossem os do próprio tribunal

      Conclusão quinquagésima sétima:

      “O artigo 420/1 do CdVM, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29/5 da CRP”

      Conclusão septuagésima:

      “Ao desconsiderar totalmente o Parecer da autoria dos revisores oficiais de contas, H. e I., o Tribunal recorrido cometeu a nulidade processual consistente na omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade (artigo 120/l/d) do CPP), violando, igualmente, o disposto no artigo 32/1 e 10 da CRP e a nulidade prevista no artigo 379/1/c) do CPP, por não se pronunciar sobre as questões que deveria apreciar, a saber, a qualidade, inteireza, rigor e conformidade legal das contas”. (sublinhados nossos)”

      Desde logo, no que respeita às questões de constitucionalidade enunciadas sob a epígrafe «Conclusão n.º 43», «Conclusão n.º 69» e «Conclusão quinquagésima sétima», no requerimento, o recorrente nem sequer enuncia os passos da decisão recorrida - o acórdão da Relação de Lisboa de 6 de março de 2014 - em que, segundo o seu entendimento, a mesma teria procedido à aplicação daquelas normas na interpretação reputada inconstitucional.

      E não o faz porque essas normas ou interpretações não foram aplicadas nem constituíram fundamento da decisão adotada no acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal da Relação, considerando que tais questões «estavam foram do âmbito decisório do Tribunal da Relação» nunca chegou a pronunciar-se sobre elas.

      Consequentemente, por força do artigo 79º-C da LTC, nesta parte, o recurso não poderá ser conhecido.

      A interpretação normativa referida sob a epígrafe «Conclusão quadragésima segunda - alínea a)», tal como o recorrente a circunscreve no requerimento de interposição de recurso, também não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Aliás, a respeito desta questão, aquilo que o acórdão recorrido afirma é precisamente o contrário daquilo que o recorrente invoca, como demonstra a seguinte passagem:

      A sentença, nas suas páginas 97 a 850 analisou e pronunciou-se sobre todas as questões colocadas pelos recorrentes. Não o fez na concordância dos respetivos entendimentos é certo, mas tal não é fundamento para a sua impugnação. Com efeito, a omissão de pronúncia consiste, essencialmente, na ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição, e (…) que tais diligências se possam reputar de essenciais para a descoberta da verdade”, (cfr. artº 120º nº 2 al. d) in fine do C.P.P.); devendo ainda salientar-se que as questões que o juiz deve apreciar, são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação. No caso concreto, não se verificou essa omissão, e o indeferimento das pretensões dos recorrentes, por não se reputar como essencial para a descoberta da verdade material, não integra, naturalmente aquele conceito.

      (cfr. pp. 928-929).

      Como acima referimos, este Tribunal apenas pode conhecer da constitucionalidade de interpretações normativas que tenham sido efetivamente aplicadas pela decisão alvo de recurso. Assim, também nesta parte não poderá ser conhecido o recurso.

      Quanto às questões de constitucionalidade enunciadas sob a epígrafe «Conclusão quadragésima segunda - alínea b)» e «Conclusão septuagésima», a formulação utilizada evidencia que aquilo que o recorrente verdadeiramente pretende é a apreciação da decisão recorrida e não de uma norma que tenha sido aplicada pelo tribunal recorrido como razão de decidir. É por isso que os enunciados apresentados se reportam, claramente, às especificidades do caso.

      Sucede que, no âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas, como se sabe, o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional. Como se referiu no acórdão n.º 183/2008 (disponível no sitio do Tribunal) «(…) não vigora entre nós um sistema de recurso de amparo ou de queixa constitucional, existindo, sim, um sistema de fiscalização normativa da constitucionalidade que não permite que o Tribunal conheça do mérito constitucional do ato casuístico de subsunção de um pormenorizado conjunto de factos concretos na previsão abstrata de uma certa norma legal.»

      Nestes termos, uma vez que estas questões também não podem ser conhecidas, resta concluir pelo não conhecimento do objeto do recurso interposto por A..

      10.2 Recurso interposto por B. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de março de 2014 (fls. 40827-40830) – ponto 6.2 supra

      São as seguintes as questões invocadas no requerimento de interposição de recurso:

      «1º Vem o presente recurso da aplicação de normas, ou melhor, da interpretação de normas cuja inconstitucionalidade oportunamente invocou, tanto na motivação como nas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação da Lisboa da sentença proferida em 18 de janeiro de 2013 no Proc. nº 1923/10.4TFLSB, da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

      1. Na conclusão 2ª do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido ora recorrente, invocou a violação do art. 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, por entender ter-lhe sido negado o contraditório sobre a prova.

      Com efeito, alegou na referida conclusão 2ª:

      Já no decurso das alegações foram juntos ao processo traduções de documentos em língua inglesa constantes dos autos, tendo o arguido ora recorrente arguido a invalidade dos atos praticados antes da junção desses documentos e requerido a concessão de prazo para a realização do contraditório sobre os novos documentos (traduções), invalidade que foi indeferida por despacho de fls 34964 com o fundamento de que «nas alegações o arguido tem a possibilidade de se pronunciar sobre a tradução e exercer o seu direito de defesa sem que exista qualquer nulidade», mas ao decidir nos termos expostos, o Tribunal violou a garantia constitucional do contraditório sobre a prova, concretamente os arts. 327º e 360º, nº 1, do CPP por remissão do art. 41º, nº 1, do RGCO, bem como o art. 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.»

      As alegações, finda a produção de prova, destinam-se a expor as conclusões, de facto e de direito, que o alegante extraia da prova produzida e não a exercer o contraditório sobre a prova que há de ocorrer necessariamente na fase da produção da prova.

      Interposto recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, também...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT