Acórdão nº 33/15 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 33/2015

Processo 941/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Ministério Público acusou, em processo comum e com intervenção de Tribunal Singular, A., imputando-lhe a prática de factos suscetíveis de configurar, em autoria material, na forma consumada e em concurso real um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal, e um crime de procuradoria ilícita, p. e p. pelo artigo 7.º, n.º1, alínea a) da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.

    Inconformado com despacho de acusação, veio o arguido requerer abertura de instrução, invocando a exceção de caso julgado, pelos mesmos factos pelos quais vem acusado nos presentes autos. No despacho de pronúncia prolatado a 28/03/2014, o Tribunal de Instrução Criminal da Comarca de Faro julgou improcedente a exceção de caso julgado, considerando estar perante «factos ocorridos em circunstâncias de tempo e lugar distintas», pelo que «não se tratam de objetos processuais idênticos». Mais pronunciou o arguido pelo crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal.

  2. Inconformado com o despacho de pronúncia na parte que julgou improcedente a exceção de caso julgado, o arguido veio, «nos termos do artigo 692.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal», interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora, por entender que a decisão instrutória que pronunciou o arguido pelo crime de usurpação de funções ofende o caso julgado e o princípio ne bis in idem. O recurso não foi admitido, nos termos do artigo 310.º e 400.º, n.º1, g) do CPP, por despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal da Comarca de Faro, datado de 05/06/2014.

  3. Inconformado, o arguido reclamou para o Tribunal da Relação de Évora, nos termos do art. 405.º do CPP. Por decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, de 10/07/2014, tal reclamação foi indeferida, com base na irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo na parte em que apreciou nulidades ou outras questões prévias ou incidentais. Mais acrescentou que essa irrecorribilidade não viola as garantias de defesa, «pois a haver violação de caso julgado ela ocorrerá com a sentença condenatória e não com a pronúncia ou o ato de julgamento», pelo que «caso venha a ser condenado em violação de caso julgado, é claro que poderá interpor recurso da sentença com esse fundamento».

  4. O ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desta última decisão, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, em requerimento em que pede a apreciação da constitucionalidade «das normas do n.º1 do art. 310.º e alínea g) do n.º1 do artigo 400.º, ambos do Código de Processo Penal, (…) segundo a qual é irrecorrível o despacho de pronúncia proferido pelo juiz de instrução, que julga improcedente a «exceção de caso julgado» ou o princípio non bis in idem (ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime), por violação do princípio da legalidade em matéria criminal».

  5. Foi então proferida, a 12/11/2014, a decisão sumária n.º 775/2014, que decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, não julgar inconstitucional o n.º1 do art. 310.º e alínea g) do n.º1 do artigo 400.º, ambos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é irrecorrível o despacho de pronúncia proferido pelo juiz de instrução, que julga improcedente a «exceção de caso julgado» ou o princípio ne bis in idem. É do seguinte teor decisão sumária referida:

    (...) Nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, se entender que a questão a decidir é simples, o relator profere decisão sumária. Como se referiu no Acórdão n.º 346/2007, de 06/06, a simplicidade da questão, para os fins consignados no artigo 78.º-A, n.º 1, decorre da existência de jurisprudência sedimentada do Tribunal Constitucional sobre a matéria. É o caso da questão de constitucionalidade objeto do presente recurso, conforme se passa a expor.

    6. A questão de constitucionalidade colocada pelo Recorrente já foi objeto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, quer relativamente a anteriores redações do artigo 310.º, do Código de Processo Penal, quer já sobre a mais recente redação deste preceito, as quais concluíram pela não inconstitucionalidade da solução da irrecorribilidade do despacho de pronúncia. O Tribunal Constitucional já decidiu, em particular, que a norma constante do artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no segmento em que declara irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do MP, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, não fere qualquer parâmetro constitucional. Assim o fizeram os Acórdãos n.º 216/99, 387/99, e já na atual redação do artigo 310.º, do Código de Processo Penal, os Acórdãos n.º 146/12 e 265/12, 690/13 e 708/14 (todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

    6. O facto de neste caso o recurso não admitido ter como fundamento a violação da exceção de caso julgado

    ou do princípio ne bis in idem não altera o juízo efetuado, uma vez que o arguido não deixa de poder reagir contra a decisão final com base nesses fundamentos.

    Neste contexto, decidiu-se no Acórdão n.º 437/2013, que o art. 310.º, n.º 1, do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, «interpretado no sentido de ser irrecorrível o segmento da decisão instrutória que se pronuncie sobre a questão do ne bis in idem, na vertente que proíbe que um arguido possa ser julgado duas vezes pelo mesmo crime (artigo 29.º, n.º 5, da CRP)» não violava a Constituição, já que: «em fase posterior do processo criminal, a do julgamento, poderá sindicar perante uma instância de recurso a decisão proferida pelo juiz de julgamento sobre tal questão prévia, garantindo-se, assim, pela intervenção de duas instâncias jurisdicionais diferentes, a tutela judicial efetiva, em tempo útil, do direito que ora invoca em juízo (tal como sucede com todos os outros direitos que os arguidos invocam, a título de questão prévia, perante o juiz de instrução), sem prejudicar a celeridade do processo criminal em curso e a defesa dos direitos fundamentais que, também com assento constitucional, a reclamam»

    7. Entendendo-se que a fundamentação destes acórdãos é inteiramente transponível para o caso dos autos, deve ser...

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