Acórdão nº 0827049 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelM. PINTO DOS SANTOS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 7049/08 - 2ª Secção (apelação) __________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Dr. Cândido Lemos Dr. Marques de Castilho * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: B.......... instaurou o presente procedimento cautelar ec.........., SA", ambas devidamente identificadas no requerimento inicial, pedindo que seja ordenada a restituição provisória da posse, a seu favor, da fracção autónoma correspondente a uma habitação tipo T-5 duplex, melhor caracterizada naquele requerimento, "assim como a sua manutenção na mesma, com a consequente intimação da requerida" para se abster de, por qualquer forma ou meio privar a requerente do acesso à mesma, "assim como de livremente circular nas zonas comuns" do edifício onde está integrada.

Para tal, alegou, no essencial, que: • por contrato-promessa de compra e venda celebrado, por escrito, a 26/03/2006, a requerida prometeu vender-lhe, pelo preço de € 1.200.000,00, a dita fracção autónoma; • em várias «tranches» e a título de sinal, a requerente pagou já à requerida a quantia global de € 850.000,00; • naquele contrato estipularam que a escritura pública do contrato definitivo seria celebrada até ao dia 30/09/2007; • em finais de Março de 2008, estando o edifício ainda por concluir, mas reunindo já condições mínimas de habitabilidade, ambas as partes (requerente e requerida) acordaram, com vista a minorar os danos que a requerente vinha sofrendo com o atraso na venda, que esta poderia instalar-se e passar a residir na prometida fracção autónoma; • em 16/04/2008, a requerida entregou-lhe as chaves da habitação em questão e das diversas portas e portões de acesso à mesma e de circulação no interior do edifício, assim como os comandos de accionamento electrónico dos sistemas de fecho e abertura da garagem; • a partir de 09/05/2008, a requerente passou a residir na fracção autónoma, juntamente com as suas filhas, tendo-se a requerida obrigado a fornecer-lhe a energia eléctrica e a água de que aquela necessitasse, mediante a condição de pagar os respectivos consumos; • no dia 03/06/2008, a requerida exigiu à requerente o pagamento, a mais, da quantia de € 259.951,00, o que esta última rejeitou, atinente, segundo ela, a «trabalhos a mais», a «encargos financeiros suplementares» e a «legalização das alterações de projecto»; • depois de vária correspondência trocada entre ambas a propósito da exigência acabada de referir, a requerida começou a exigir à requerente que seria melhor desfazer-se o negócio, chegando a propor-lhe a devolução das quantias recebidas a título de sinal, acrescidas de € 250.000,00, o que não foi aceite pela requerente; • no princípio de Agosto de 2008, a requerida cortou o fornecimento de água e luz à habitação e no dia 01/10/2008 mudou os canhões das fechaduras das portas e dos portões de acesso a tal habitação, tendo mudado, também, os códigos dos comandos de accionamento dos portões da garagem; • devido a este comportamento da requerida, a requerente e as suas filhas tiveram que abandonar a referida fracção autónoma e que ir viver para outro local, apesar de terem ali deixado os objectos e artigos que nela instalaram/colocaram quando a foram habitar.

* *Concluídos os autos para prolação do primeiro despacho, o Mmo. Juiz «a quo» indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, por considerar que não se verifica "um dos requisitos - a posse - exigidos pelo art. 393º do C.P.C., de que dependeria o decretamento da providência solicitada".

* *Inconformada com o assim decidido, interpôs a requerente o presente recurso de apelação cuja motivação concluiu do seguinte modo: "1 - A posição jurídica do promitente-comprador a favor de quem tenha sido efectuada traditio goza da tutela possessória contra os actos de esbulho violento de que seja vítima ainda que praticados pelo promitente vendedor.

2 - E goza-os indiscutivelmente enquanto o contrato não for validamente resolvido, quer se entenda que o direito de gozo decorre da traditio quer de um ajuste ou acordo atípico, complementar ou acessório do contrato promessa.

3 - As conclusões que antecedem decorrem, senão directamente como adiante se dirá, da aplicação do art. 1037° do CC, por interpretação extensiva ou analogia legis, imposta pelo art. 11° do CC.

4 - Em face do exposto, improcede totalmente o argumento contido na douta decisão recorrida quando nela se afirma que o promitente comprador, mesmo que titular de um direito pessoal de gozo decorrente de traditio, não pode aceder à tutela possessória, a não ser que tenha pago a totalidade do preço e, como tal, tenha verdadeira posse.

5 - E só por aqui demonstrada fica a falta de fundamento legal para o indeferimento liminar da requerida providência. Mas há mais.

6 - O direito de retenção, como direito real de garantia, que a lei confere ao promitente comprador beneficiário de traditio para garantia do seu direito de indemnização em caso de incumprimento, constitui-se no momento da consumação da traditio e não no momento em que eventualmente surja o crédito indemnizatório decorrente do incumprimento da promessa.

7 - Entender o contrário é confundir o direito de garantia com o direito de crédito.

8 - Se ao direito de retenção, mesmo sobre coisa imóvel, se aplicam as regras do penhor - art. 759° do CC - e se ao beneficiário de um penhor, constituído ainda que para garantia de obrigações futuras ou condicionais, é deferida tutela possessória - arts. 666° n° 3 e 670° do CC - é inequívoco que a douta decisão recorrida, quando afirma o contrário, viola as normas legais acima citadas.

9 - De acrescentar é ainda que havendo posições doutrinais e jurisprudenciais divergentes dentro das quais se afirma a existência de verdadeira posse meramente pela verificação da traditio, integrada num contrato tendente à aquisição do domínio, vedada estava ao Tribunal de 1ª instância, sem mais e liminarmente, indeferir a providência e impedir que um tribunal superior possa apreciar a matéria de facto já apurada e aplicar de novo ou sancionar a aplicação do direito que haja sido efectuada.

10 - Assim, tendo a recorrente requerido que fosse restituída à posse de fracção autónoma que lhe foi prometida vender por documento particular, tendo pago parte substancial do preço, tendo vindo a beneficiar da traditio na sequência de um ajuste efectuado com o promitente vendedor na vigência do contrato-promessa, tendo nela instalado a sua residência e do seu agregado familiar, beneficiando de água e energia eléctrica fornecidas pelo próprio promitente vendedor, tem direito, em qualquer das três soluções plausíveis de direito acima referidas, a recorrer a tutela jurisdicional provisória, que a reponha na situação legitima, porque decorrente de contrato licito, em que se encontrava e que dessa forma reaja a uma acção directa, tão ilegal quanto violenta, como foi a do invocado esbulho.

11 - Os Tribunais, como únicos órgãos competentes para aplicar justiça em nome do Povo têm o dever de reagir contra e de não validar actos de violência sobre as coisas ou sobre as pessoas que põem em causa a paz social e, no limite, o Estado de Direito.

12 - Por fim, e sem conceder, ainda que se entendesse, ou se venha a entender, que o direito ameaçado e lesado seja tão só um direito pessoal de gozo, e que não merece de tutela possessória, ainda assim impunha-se, como se impõe, o decretamento da providência necessária e bastante para acautelar o direito da recorrente e não, como se fez na decisão recorrida, que se rejeitasse liminarmente essa sua pretensão.

13 - Violou, assim, a decisão recorrida, o disposto nos arts. 10°, 405°, 406º, 410°, 442°, 755° alínea f), 759° n° 3, 666° n° 3, 670° alínea a), 1251°, 1263° alínea b), 1279°, 1037° n° 2 e 1133° do CC e 393°, 395°, 392° n° 3 e 234°-A do CPC.

Termos em que, pela procedência das colusões que antecedem, deverá ser integralmente revogada a decisão recorrida, ordenando-se a produção de prova oferecida e o mais que legalmente for devido, como acto de urgente e merecida aplicação do Direito, assim se fazendo JUSTIÇA".

Porque o recurso foi interposto e motivado tempestivamente (a recorrente pagou a multa legal por o mesmo ter dado entrada em Tribunal no 2º dia posterior ao termo do prazo), nada obsta ao seu conhecimento.

Foram colhidos os vistos legais.

* * * 2. Questões a decidir: Como facilmente se afere das conclusões da apelação que se deixaram enunciadas, as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber: 1ª. Se o promitente-comprador (no caso, a requerente), quando obteve a...

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