Acórdão nº 10800/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | RUI MOURA |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO H e outros, intentaram em 17 de Novembro de 2006, acção executiva para prestação de facto (artigo 933º do C.P.C.) demandando: J e outros, todos com os sinais no requerimento executivo que faz fls. 2 a 8, invocando que : Por douto acórdão datado de 04/03/2004 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foram os ora executados condenados a cessar de imediato o uso ilícito que vêm dando à fracção autónoma, da Rua São Gonçalo, em Torres Vedras, abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de a cederem para o mesmo fim.
Os executados foram, ainda, condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia em que deixarem de cumprir a condenação (a liquidar, nos termos do disposto no n.o 3 do art. 805° CPC).
Após vários recursos apresentados pelos ora executados, veio a decisão judicial a transitar em julgado em 02/03/2006, na sequência do douto acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 15/02/2006.
Até à presente data, os executados não cumpriram a decisão judicial mantendo o restaurante em laboração.
Como se comprova de fls. 22 e ss ( conforme o texto do aludido douto acórdão) os ora Exequentes e Outros intentaram providência cautelar não especificada contra os ora Executados, pedindo a condenação dos Requeridos (portanto: destes últimos) a cessar de imediato o uso ilícito que vêm dando à fracção, da Rua São Gonçalo de Lagos, abstendo-se de exercer, neste local a actividade de restauração ou de o cederem, por qualquer título, para o mesmo fim.
Nesse processo, foi proferida em 1ª instância decisão que não decretou a providência, mas, interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa a que coube o nº 10334-03, foi prolatado acórdão de 4 de Março de 2004, que transitou em julgado, e onde, com evidente interesse para o presente recurso-, foi dado como assente o seguinte complexo fáctico: " a) Os requerentes são donos respectivamente das fracções autónomas, designadas pelas letras: «E», «F», «G», «H», «I», «J» e «K», do prédio urbano descrito na CRP de Torres Vedras, (...) Rua São Gonçalo de Lagos, de Torres Vedras.
b) O referido prédio tem constituído o regime de propriedade horizontal.
c) Nos termos da mesma, as fracções pertença dos requerentes, destinam-se a habitação.
d) Os 1°, 2°, 3° requeridos são comproprietários da fracção autónoma designada pela letra «B».
e) Os 1 º, 2°, 3° requeridos são sócios da 4a requerida, sociedade comercial que se dedica à actividade da restauração.
f) Na fracção autónoma, designada pela letra «B», encontra-se instalado um restaurante denominado «A».
g)Segundo o título de constituição da propriedade horizontal, a fracção autónoma designada pela letra «B», destina-se a «comércio».
... " No mesmo douto acórdão, mais à frente, em sede de apreciação de direito e decisão, escreveu-se o seguinte: "... Vem sendo entendimento mais ou menos pacífico da jurisprudência que «a actividade comercial pode ser entendida num duplo sentido: jurídico ou económico. No primeiro, conceito meramente normativo, englobar-se-ão todos os actos ou actividades objectivamente comerciais, ou seja, considerados como tal, pela lei comercial, art. 230º C. Com. (intermediação nas trocas, revendas, prestação de serviços, actividades industrial-transformadoras, operações de banco, seguros etc.). Semelhante actividade não se ajusta evidentemente à noção económica e vulgar de comércio, baseada na permuta, embora indirecta, e restrita à aquisição de mercadorias e à sua revenda com intuito especulativo, ou seja em última análise, à função de intermediário entre a produção e o consumo ... nem à de indústria, que é a actividade criadora de produção de riqueza» (extracto citado do Ac. STJ de 09.12.99, CJ 3, 136).
No mesmo acórdão refere-se que «não é possível extrair qualquer argumento da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, constante do DL 182/93 de 14 de Maio, que não se adequa ao conceito tradicional de actividade comercial no tocante aos arrendamentos e à utilização dos prédios e sua fracções para fins de comércio e indústria, destinando-se apenas a ser utilizados para a classificação de empresas e estabelecimentos, para o estabelecimento das estatísticas por actividade económica, para a elaboração de estudos, para a publicação de textos oficiais e para outros fins, envolvendo principalmente a administração».
No mesmo sentido, veja-se entre outros: Ac. STJ de 22.11.95 CJ 95, 3, 123 em que se refere que «a expressão comércio, constante da cláusula do título constitutivo da propriedade, só pode ter o sentido vulgar e corrente, de mediação nas trocas, coincidente com o seu sentido económico, aquele que um declaratário normal deduz». Mais se refere que «a noção vulgar e corrente de comércio não abarca a actividade de produção e transformação de mercadorias, o que é uma indústria no seu sentido vulgar e corrente, destino este que não encontra no texto da cláusula um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso»; Ac STJ 27.01.93, CJ 93, 1,91). No mesmo sentido podem consultar-se na internet, Ac STJ de 28.11.96, proc. N° 96B167, relatado por Pereira da Graça; Ac STJ de 26.09.96, processo n° 96B094, relatado por Sampaio Nóvoa e Ac TRL de 23.10.2003, relatado por Urbano Dias. Neste último refere-se nomeadamente que «as referências a «comércio» e «estabelecimento comercial» devem ser entendidas como não abrangendo espaços destinados a restauração».
Do que fica referido resulta pois que constando do título constitutivo da propriedade horizontal que a fracção «B» se destina a «comércio», nele não cabe o exercício de actividade da «restauração», que não se adequa com o sentido económico da «actividade comercial».
Temos pois que a referida fracção está a ser utilizada para fim diverso do constante do título de constituição da propriedade horizontal, o que por si só constitui fundamento para a procedência da providência cautelar, independentemente da verificação dos ruídos, fumos e cheiros alegados.
No que respeita à violação do disposto no art. 1422 nº 2 c) CC, a violação apenas cessa quando se verifica a conformidade do uso com o fim, não sendo pois suficiente, qualquer outra conduta, como seja a de cessar a emissão de fumos e ruídos.
Atento o fim da fracção em causa, - «comércio» - a utilização para fim diverso...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO