Acórdão nº 1019/05.0GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

16 I – RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º1019/05.0GCVIS, a correr termos no 2.º Juízo de competência especializada criminal de Viseu, a arguida …, melhor identificada nos autos, foi submetida a julgamento pelos factos constantes da acusação deduzida nestes autos pela imputada violação do «disposto nos arts. 18.º n.º1 e 24.ºn.º1, ambos do C.E., punidos nos termos do n.º3 das citadas disposições, tornando-se autora, em concurso ideal homogéneo, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. no art. 148.º n.º1 do C.P.».

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu condenar a arguida na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 600,00 (seiscentos euros), pela prática, como autora material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal.

  1. Inconformada, a arguida interpôs recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1.Foi a ora recorrente condenada pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência inconsciente, nos termos do artigo 148.º do Código Penal.

  2. A sentença baseou-se nos depoimentos da assistente e do seu marido, a testemunha A…, depoimentos necessariamente parciais e nada isentos (gravados em suporte digital (CD), devidamente identificado.

  3. Em sede de audiência de discussão e julgamento foram lidas as declarações prestadas por J… a fls 50 e 51 dos autos recorridos.

  4. Declarações que sempre e pelo menos deveriam ter instalado a dúvida no pensamento do julgador, porquanto as mesmas invalidam as declarações da assistente e do seu marido.

  5. Na realidade, a assistente e o seu marido disseram, que no momento do embate estavam parados há já algum tempo atrás do veículo da testemunha …, mais disseram que tinham ultrapassado o veículo da recorrente muito antes, onde a via tinha três faixas.

  6. Ora, como poderiam estar parados há minutos, se o veículo que se encontrava à sua frente estava a abrandar. Para além de que a testemunha … disse ainda que sempre teve a percepção de que quem seguia atrás de si era o veiculo da recorrente e que nunca se apercebeu do ligeiro.

  7. Ora, estas duas versões não coincidem. E salvo o devido respeito e elevada consideração pelo digníssimo Tribunal recorrido, tendo que ponderar entre valorar uma versão ou outra, sempre terá de cair o lado da razão para a versão da testemunha …, o qual não tem interesse nenhum nesta causa.

  8. E também o depoimento da testemunha …, soldado da GNR (gravado em suporte digital (CD) devidamente identificado) esclareceu que, ao contrário do que foi dito pela assistente e pelo seu marido, não havia trânsito em sentido inverso, porque a estrada era cortada de modo a permitir a passagem de máquinas de um lado ao outro da estrada.

  9. Ficou ainda patente que a arguida seguia dentro dos limites de velocidade permitidos por lei.

  10. E não pode deixar de se referir nestas conclusões que, tendo em conta a experiência da vida e de acidente a que todos os dias assistimos, que se o embate do veículo da recorrente tivesse ocorrido como relata a acusação, o veiculo ligeiro ter-se-ia enfaixado por debaixo do camião conduzido pela testemunha J… .

  11. Não é tão pouco credível que, num acidente com as características relatadas pela acusação, o veículo rodopie.

  12. Pelo que se impunha a aceitação da verdade, ou seja a aceitação da versão da recorrente, versão aliás sustentadas pelo croqui do acidente elaborado pela GNR, e que foi aceite pela Companhia de Seguros do veículo onde seguia a assistente; Companhia de Seguros que assumiu a culpa total do seu segurado pela ocorrência do acidente.

  13. Nessa conformidade sempre se haveria de dar como não provadas as alíneas H), R), S) e X) dos factos provados e provados os factos 1), 2), 3), 4) e 5) dos factos não provados.

  14. A douta sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 148.º, n.º1 do CP, pelo que deve ser substituída por outra em que se absolva a arguida.

  15. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, sustentando a confirmação da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição parcial): 1 - Por douta sentença de fls. 346 a 352, foi a arguida condenada, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €6, pela prática como autora material de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p.p. pelo art.148° n.º1 do Cód.Penal.

    2 - Nos termos do Art. 127° CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Tal princípio não é, logicamente uma apreciação imotivável e arbitrária da prova que foi produzida nos autos, já que é com a referida prova que se terá de decidir.

    3 - Ora, ouvidas as cassetes e sobretudo lida a fundamentação da sentença quanto à convicção do Tribunal no que reporta à matéria de facto provada e não provada, verificamos, sem sombra para dúvidas, que na audiência de julgamento ficaram à saciedade provados os factos de que a arguida vinha acusada e pelos quais foi condenada, sendo a leitura de tal convicção do Tribunal suficiente para se perceber o raciocínio lógico que permitiu ao Tribunal a quo decidir pela condenação ora posta em crise.

    4 - Deste modo, em nosso entender, nada há a censurar relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada, e bem assim quanto à sua fundamentação, ora Impugnadas e que deverão merecer a total concordância desse Tribunal.

    5 - Da análise do croquis (junto a fls.6) e que foi confirmado pelo seu autor, a testemunha …, mais resulta ainda que o primeiro embate se deu ao centro da parte da frente do veículo conduzido pela arguida e o segundo embate ter-se-á dado entre o lado frontal esquerdo do veículo ligeiro XM-00-00 e o veículo pesado que o precedia.

    6 - As declarações da testemunha …, legalmente lidas em sede de audiência de julgamento com a concordância de todos os intervenientes em nada abalam o teor dos depoimentos das já referidas testemunhas, e bem assim o decidido pela Mmo Juiz já que aquele refere expressamente apenas ter sentido o embate do ligeiro no camião por si conduzido, não sabendo há quanto tempo seria esse ligeiro o carro que o precederia, que, segundo diz, deduz “assim que tivesse ultrapassado o n.º1 (ou seja, a arguida) muito poucos minutos antes do acidente”, ora se o veículo ligeiro ultrapassou a arguida minutos, ainda que poucos, antes do acidente, então não o estava a ultrapassar no momento imediatamente antes em que se deu o embate.

    7 - De facto, e segundo até a tese da arguida, na qual jamais poderemos acreditar., e já veremos porquê, se aquela seguia naquele momento a uma velocidade de 77 ou 78 Km/h. então uns minutos antes (e fazemos a conta pelo mínimo, ou seja 2) sempre teria essa ultrapassagem acontecido cerca de 2,56Km antes, e não imediatamente antes do acidente.

    8 - Pelo contrário, a arguida sim relata toda uma tese incredível e desconforme às normas e às regras gerais do acontecer.

    9 - Da análise do tacógrafo e respectivo relatório pericial resulta que ao chegar ao local do acidente a arguida circulava a 77Km/h havendo um abrandamento brusco para os 50 Km/h velocidade a que seguia quando se dá o embate no ligeiro.

    10 - E a ausência de rastos de travagem também por si reforça a convicção de que a arguida parou quando imobilizou o seu veículo o que, como relatou a assistente, ocorreu quando embateu no veiculo ligeiro em que esta seguia, 11 - O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO é uma imposição dirigida ao Juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões diferentes e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do Julgador, só podendo ser afirmada, quando do texto da decisão recorrida, decorrer, de forma evidente, que o tribunal, na dúvida, decidiu contra o arguido.

    12 - Ora conforme já vimos o Tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas quanto à ocorrência dos factos que considerou provados, posição com a qual, como supra já se expôs, também nós concordamos, e não havendo dúvidas, antes certezas resultantes de se terem provado todos os factos de que o arguido se encontrava acusado, nada justificava a aplicação do dito princípio, pelo que Também neste ponto deve igualmente improceder o recurso.

    (…) 4.

    A assistente … também respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência (fls. 425 e seguintes).

  16. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que deverá improceder.

  17. Respondeu a recorrente, mantendo a posição assumida no recurso.

  18. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.99, CJ/STJ, Ano VI, Tomo II, p. 196).

    Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões que a recorrente pretende sejam apreciadas: a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos H), R), S) e X) dos factos provados (e que a recorrente pretende sejam considerados não provados), bem como aos pontos 1), 2), 3), 4) e 5) dos factos não provados (que a recorrente entende terem sido provados).

  19. A sentença recorrida 2.1.

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