Acórdão nº 1798/06.8TAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. – Relatório.

    No processo supra epigrafado foi decidido: “condenar o arguido C...

    , como autor material, na forma consumada de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205º, nº 4, alínea a), por referência ao artigo 202º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).” Em dissensão com a medida da pena de multa e do quantitativo diário que o tribunal encontrou para sancionamento da conduta recorre o Ministério Público que na motivação com que cevou o recurso remata com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita.

    “I – Ponderando os diferentes critérios de determinação da medida concreta da pena maxime uma medida de culpa elevada e exigências inderrogáveis de tutela do Ordenamento Jurídico e dos bens jurídicos violados, ligados à segurança e defesa do património, conjugado com a necessária defesa do ordenamento jurídico, não julgamos adequada, suficiente e necessária a pena aplicada ao arguido, quer no que diz respeito aos dias de multa, quer à taxa diária por que optou a Mma Juiz a quo.

    II – O quantum de dias de multa imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, deve, neste caso, situar-se num patamar relativamente elevado, atenta a natureza do bem jurídico tutelado – a propriedade alheia.

    IIII – A circunstâncias do facto, a natureza do crime e o bem jurídico violados demandam uma medida mínima de defesa do Ordenamento Jurídico não compatível com a pena aplicada.

    IV – Assim, a pena aplicada ao arguido que cometeu um crime de abuso de confiança (agravado), peca por defeito, afigurando-se-nos antes uma pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 10,00 Euros, a adequada e suficiente às exigências preventivas e sancionatórias que o caso requer.” Nesta instância o distinto Procurador-geral Adjunto é de parecer que: “[…] Tendo em consideração as circunstâncias relevantes a considerar na determinação da medida da sanção, concordamos inteiramente com a argumentação desenvolvida na cuidada fundamentação da motivação em ordem a demonstrar, face às exigências preventivas e sancionatórias requeridas pelo caso em análise, a insuficiência quer da pena de multa quer da sua medida diária.

    Nesta conformidade, nada se nos oferecendo acrescentar com utilidade ao que se mostra expresso na aludida motivação, somos de parecer que deverá ser concedido provimento ao recurso.” Estando sedimentada a jurisprudência de que o tema decidendum do recurso deve ser delimitado pelas conclusões do recurso[i] teremos como questões a apreciar a medida concreta da pena de multa e o quantitativo diário correspondente a cada dia de multa.

  2. – Fundamentos.

    II.A. – De facto.

    1. Entre 4 de Setembro de 2003 e 26 de Fevereiro de 2004, o arguido C..., enquanto legal representante da empresa "G...”, exerceu a administração do condomínio do prédio denominado "Jardins de Aveiro".

      2. O mesmo, entre Janeiro de 2004 e Junho de 2004, apropriou-se da quantia de € 12.099,09, correspondentes a quotas que as 56 fracções do prédio deviam, fazendo sua, aquela quantia.

      3. Depois de prestados os serviços e de ter procedido à respectiva cobrança, o arguido entregou os recibos das respectivas quotas pagas, não tendo, contudo depositado as quantias pagas na respectiva conta do condomínio como lhe era exigido e bem sabia, antes as fazendo suas e as gastando em proveito próprio.

      4. O arguido, até ao momento, ainda não devolveu as quantias em causa.

      5. Carlos Marques, enquanto administrador do condomínio do prédio "Jardins de Aveiro", sabia perfeitamente que as quantias acima referidas e a si entregues não lhe pertenciam e, mesmo assim, não se coibiu de as fazer suas e as gastar em benefício próprio, agindo contra a vontade e sem autorização dos condóminos da prédio supra referido.

      6. Agiu sempre o arguido de forma livre, voluntária e consciente, tendo conhecimento que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

    2. O arguido respondeu e foi condenado em 16-11-2007 pela prática, em 30-09-2003, de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, no âmbito do Processo Comum Singular nº 79/03.3TAMIR que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Mira, tendo-lhe sido aplicada pena de multa por decisão transitada em julgado em 06-12-2007.

    3. O arguido exerce as actividades de mediador de seguros e de sócio gerente da sociedade “G...” sendo o seu rendimento líquido médio mensal de, pelo menos, € 1.000,00. A esposa é vendedora de livros do “Circulo de Leitores” e aufere mensalmente a esse título, cerca de € 750,00. O casal tem a cargo um filho menor de idade e outro que frequenta o ensino superior.

    4. O arguido tem como habilitações literárias o 12º Ano de escolaridade e um curso de contabilidade.

      Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.

      O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados com base nos seguintes elementos de prova.

      Relativamente à factualidade descrita em 1. a 6., o Tribunal teve em conta as declarações prestadas em audiência pelo arguido, o qual admitiu a prática dos factos, incluindo a consciência de que se apropriava de quantia que não lhe pertencia e que, até hoje, não devolveu. Para além disso, o Tribunal teve em consideração a certidão de fls. 9 a 34 e os depoimentos das testemunhas J... (sócio gerente da sociedade que, depois da sociedade “G…”, assumiu a administração do condomínio em causa), O... (condómino que, inicialmente, contactou o arguido para assumir a administração do condomínio), A... (condómino que, actualmente representa o bloco 16 do mesmo condomínio), S... (condómino que, actualmente e, à época, representa o bloco 28 do mesmo condomínio) e M... (condómino que, actualmente e, à época, representa o bloco 22 do mesmo condomínio). Todas estas testemunhas depuseram de forma a merecer o convencimento do Tribunal.

      É bem certo que o arguido sustentou em audiência de julgamento uma versão dos factos (versão que pretendeu provar com a junção dos documentos de fls. 96 a 113), que é diferente da que se considerou provada, no aspecto seguinte. Afirma o arguido que a sociedade de que é representante legal era administradora de 4 condomínios, correspondentes aos 4 blocos do prédio denominado "Jardins de Aveiro", mais as garagens e não de um único condomínio e que, as quantias de que se apropriou eram relativas a cada uma dessas realidades e nos montantes discriminados no documento de fls. 12.

      Ora, apesar de os documentos juntos pelo arguido poderem, em certos aspectos (os realçados pelo arguido no seu requerimento de fls. 92 a 95) suportar esta versão dos factos, a verdade é que o conjunto da prova produzido em audiência, incluindo as declarações do próprio arguido, levaram o Tribunal a considerar que o arguido (através da sociedade de que é representante legal) era administrador do condomínio como realidade única e que o mesmo se apropriou, na totalidade, da quantia de € 12.099,09.

      Com efeito, o próprio arguido admitiu que, existindo embora, contas bancárias separadas para cada um dos 4 blocos e garagem (realidade que encontrou quando a “G…” foi contratada), nunca as utilizou, gerindo as quantias que eram entregues pelos condóminos em conjunto, utilizando para tal, um única conta de que era titular a “G…”. Na verdade, a separação da contabilidade de cada um dos 4 blocos e garagens só existia para efeitos de apresentação das respectivas contas aos condóminos.

      Os depoimentos testemunhais são, por seu turno, todos no sentido da versão dos factos que foi considerada provada.

      A testemunha J... disse que se trata de um único condomínio, com um único número fiscal. Existiam contas bancárias separadas apenas por facilidade de gestão e para garantir maior justiça na administração dos dinheiros pagos. Concretamente, tratava-se de garantir ao máximo que as despesas de cada bloco eram pagas com as receitas obtidas dos condóminos desse bloco e que todos contribuíam para as despesas das partes comuns. Por isso, o dinheiro pago por cada bloco era depositado na conta respectiva e desse dinheiro era retirada uma percentagem que era depositada na conta das garagens e que se destinava a pagar as despesas com as partes comuns.

      A testemunha O... confirmou esta realidade e disse que o arguido nunca chegou a usar essas contas, conforme vinha sendo feito até aí, gerindo os dinheiros, sem distinção, através de uma única conta bancária de “G…”.

      Também as testemunhas A..., S... e M... confirmaram esta realidade.

      O Tribunal considerou, também, o teor do CRC de fls. 133/134, no que respeita aos antecedentes criminais do arguido.

      Finalmente, os factos descritos em 8. e 9. resultaram provados com base nas declarações que o arguido prestou em audiência sobre as suas condições de vida.” II.B. – De Direito.

      II.B.1. – Determinação da pena de multa e correspondente quantitativo diário. Temos vindo a justificar os fins e a função social das penas com o argumentário que a seguir se deixa transcrito. A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica, enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que à custa uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico possibilitando que a sociedade, através...

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