Acórdão nº 08A3714 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A "caixa geral de depósitos, sa" propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra AA e BB, casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Quinta da Azenha, Vila Franca de Xira, "CC - Promoção Imobiliária Unipessoal, Lda.", com sede na Quinta ..., Vila Franca de Xira, e DD, alegadamente, residente na Avª. ..., nº 100, 4º, Dtº, em Lisboa, pedindo que, na sua procedência: a) seja decretada a inexistência ou a nulidade dos contratos de adesão ao serviço "Caixa Directa", por falta de legitimidade substantiva dos aderentes a tal serviço, devendo os réus ser, solidariamente, condenados a repor no património da autora a quantia de 548.678,00€, acrescida de juros de mora, desde 26 de Março de 2003 até ao efectivo ressarcimento da mesma; b) seja decretada a nulidade do contrato-promessa de compra e venda do prédio identificado, em virtude de ter sido celebrado com simulação, em fraude à lei, ou com fundamento em inexistência de causa negocial, ou ainda com violação dos requisitos formais previstos no artigo 410º, nº 3, do Código Civil, devendo os réus ser, solidariamente, condenados a repor a quantia de 548.678,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 26 de Março de 2003 até integral pagamento; c) subsidiariamente, deverão os contratos de adesão ao serviço "Caixa Directa" ser anulados, com fundamento em erro sobre a pessoa, ou em dolo, com todas as consequências legais, nomeadamente, a restituição à autora da quantia de 548,678,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 26 de Março de 2003 até ao integral ressarcimento da mesma; d) subsidiariamente, para o caso de os anteriores pedidos não serem considerados procedentes, deverão os réus ser condenados a repor na esfera patrimonial da autora, a título de responsabilidade civil extracontratual, a quantia de 548.678,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 26 de Março de 2003 até ao integral ressarcimento da mesma; e) - subsidiariamente, para o caso de assim não ser entendido, deverão os réus ser, solidariamente, condenados a, na medida do seu enriquecimento, repor na esfera patrimonial da autora a quantia de 548.678,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 26 de Março de 2003 até ao integral ressarcimento da mesma.

Alega, para o efeito, e, em síntese, que, entre os dias 8 e 9 de Fevereiro de 2003, foram efectuadas transferências bancárias, no montante de 548.678,00€, para uma conta bancária do réu AA, que proveio, directamente, das contas bancárias de três clientes da autora, que desconheciam os réus e bem assim como o negócio entre eles, alegadamente, celebrado.

Os réus, directamente ou por interpostas pessoas, agindo como se dos referidos clientes da autora se tratasse, celebraram com esta contratos de "Caixa Directa", os quais permitem aos respectivos aderentes, entre outras vantagens, a possibilidade de movimentarem a respectiva conta ou contas, através do telefone ou da internet, funcionando on-line.

Porém, quem assinou as propostas de adesão ao serviço "Caixa Directa", conhecendo os elementos de identificação dos verdadeiros titulares, como, por exemplo, o respectivo número de cliente, e tendo exibido bilhetes de identidade com os dados de individualização coincidentes com os constantes dos registos informáticos da autora, mas com a fotografia do apresentante, que foram mencionados e exibidos na hora da formalização da proposta do contrato, não efectuou assinatura semelhante à das respectivas fichas de assinatura existentes nos balcões onde as respectivas contas se encontravam sediadas.

Por força desta actuação, os réus conseguiram criar na autora a convicção de que, ao outorgar os contratos "Caixa Directa", estava a celebrá-los com os verdadeiros e legítimos titulares das contas, o que determinou que a autora permitisse, através da subscrição de tais contratos, o acesso e a movimentação das referidas contas bancárias, convencida que estava de que quem procedia às aludidas transferências bancárias eram os próprios titulares das mesmas.

Tais quantias foram transferidas, sem passar pela titularidade de qualquer outra pessoa, das contas dos seus três clientes, já aludidos, para uma conta do réu AA.

Em 26 de Março de 2003, a autora repôs todas as quantias transferidas nas contas bancárias desses seus clientes lesados, em virtude de o réu AA se ter recusado a fazê-lo.

Contudo, o quantitativo de €548.678,00 foi, posteriormente, e, em parte, transferido pelo réu AA para a conta bancária da ré "CC, Ldª".

Em 10 e 20 de Fevereiro de 2003, o réu AA procedeu à transferência bancária das quantia de €100.000,00 e de €20.000,00, respectivamente, da sua referida conta para a conta bancária da ré "CC, Ldª", tendo a restante quantia necessária para perfazer o total de € 548.678,00 sido já levantada da conta bancária daquele réu.

Contactado pela autora, o réu AA justificou a transferência com o valor de um sinal fundado num contrato-promessa que celebrou com o réu DD, que é um operário assalariado, que não dispõe dos meios económicos, necessários e adequados, para a aquisição do imóvel descrito.

O aludido contrato-promessa serviu, apenas, e, exclusivamente, para a finalidade de criar a convicção de que entre a ré "CC, Ldª" e o réu DD se realizara um negócio, perfeitamente, legal e que o dinheiro proveniente das contas bancárias dos clientes da autora tinha uma causa legitima.

E que a quantia de €548.678,00 integrou o património comum do casal formado pelos réus AA e esposa.

Na contestação, que apenas os réus AA, BB e "CC-Promoção Imobiliária Unipessoal, Lda." apresentaram, estes alegam que não existe qualquer relação directa entre a autora e os réus, susceptível de fundamentar as pretensões daquela, e que a celebração de um contrato-promessa de compra e venda entre a sociedade ré e um promitente comprador, no âmbito do qual a sociedade auferiu quantias, a título de sinal, não implica que o sócio desta tenha integrado tais valores no seu património e, muito menos, que os mesmos tenham revertido para o património comum do casal.

Alegam, também, que a cláusula do contrato-promessa, segundo a qual a quantia destinada a sinal e a reforço de sinal, devia ser paga, à sociedade ré ou ao réu AA, deveu-se ao facto de o réu DD ter referido que era sua intenção pagar essa quantia, a título de sinal e de reforço de sinal, por transferência bancária, por se tratar de uma operação mais, rapidamente, efectuada se a ré vendedora fosse titular de conta, na "Caixa Geral de Depósitos", uma vez que este era o banco, através do qual aquele DD iria efectuar as transferências.

Porquanto o réu AA era titular de conta, nessa instituição bancária, convencionou-se que essas quantias poderiam ser pagas ao representante da vendedora, o aludido réu, como forma de tornar mais expedito o seu recebimento.

E, por uma questão de simplificação e de transparência contabilística do pagamento do reforço de sinal, a ré sociedade, após receber o montante, a título de sinal, contratou com autora a abertura de uma conta bancária, em seu nome, com o objectivo de receber, directamente, na sua conta, a quantia que se destinava a titular o aludido reforço de sinal.

O réu AA não estranhou a circunstância de só conhecer o réu DD, no dia da celebração do contrato-promessa, por ser prática usual, no ramo imobiliário, o intermediário só dar a conhecer o seu cliente ao promitente vendedor, no dia da celebração do contrato.

Foi avançado pelo promitente comprador que, em princípio, iria ser solicitado à ré sociedade que marcasse a escritura pública de compra e venda para uma data muito anterior ao termo do prazo limite constante no contrato promessa, porquanto quem iria adquirir a propriedade não seria o réu DD, mas uma empresa.

Ultrapassada a data limite para o pagamento do reforço de sinal, não tendo possibilidade de contactar, verbalmente, o promitente comprador, a ré sociedade remeteu-lhe uma carta a resolver o contrato, mas que foi devolvida.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência: a) declarou a inexistência jurídica dos contratos de "Caixa Directa", celebrados em nome de AM, JP e JJ; b) condenou os réus AA e BB a pagarem à autora "Caixa Geral de Depósitos, SA", solidariamente, a quantia de €428.678 (quatrocentos e vinte e oito mil, seiscentos e setenta e oito euros), acrescida dos juros de mora vencidos, desde 26 de Março de 2003, às taxas sucessivas de 7% e de 4%, e dos juros vincendos, até integral pagamento, à taxa legal em vigor; c) condenou a ré "CC - Promoção Imobiliária Unipessoal, Lda." a pagar à autora "Caixa Geral de Depósitos, SA" a quantia de €120.000 (cento e vinte mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos, desde 26 de Março de 2003, às taxas sucessivas de 7% e de 4%, e dos juros vincendos, até integral pagamento, à taxa legal em vigor; d) absolveu o réu DD de todos os pedidos contra si formulados; e e) absolveu os réus do pedido de decretação da nulidade ou inexistência jurídica do contrato que consta da alínea C) dos Factos Provados.

Desta sentença, os réus AA e mulher e "CC, Lda." interpuseram recurso, tendo a apelação sido julgada improcedente, pelo Tribunal da Relação, que confirmou, inteiramente, a decisão.

Do acórdão da Relação, os mesmos réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões que, textualmente, se transcrevem: 1ª - Com todo o respeito os factos considerados assentes e confirmados pelo Tribunal de 1a Instância e pelo Tribunal da Relação, não são susceptíveis de fundamentar a decisão de direito proferida.

  1. - A decisão recorrida não deu razão aos recorrentes, entendendo que os pressupostos do enriquecimento sem causa se encontravam verificados.

  2. - Salvo o devido respeito, defendemos que o Douto Tribunal da Relação não fez a correcta interpretação dos pressupostos que a lei faz depender a...

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