Acórdão nº 08S1905 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.
AA intentou, no tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "BB - Comunicação e Publicidade, S.A.", na qual invoca a nulidade, por vícios procedimentais, e a caducidade parcial do processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré, bem como a ilicitude do despedimento de que, na sua sequência, acabou por ser alvo, pedindo que a demandada, por virtude disso, seja condenada a reintegrá-lo nos quadros da empresa e a pagar-lhe as prestações remuneratórias, moratórias e indemnizatórias discriminadas na P.I., a par de uma sanção pecuniária compulsória.
A Ré contraria todos os fundamentos, formais e substanciais, coligidos pelo Autor, concluindo pela necessária improcedência da acção.
1.2.
Instruída e discutida a causa, a 1ª instância proferiu sentença, onde condensou o seguinte segmento decisório: "Por todo o exposto, vistos os factos provados à luz das disposições invocadas, decide este tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: 1- Declarar ilícito o despedimento do A. pela R.; 2- Condenar a R. a: a) Reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade (reportada a 07/01/2004), e da sua categoria de Director de Serviço a Clientes; B) Pagar ao A.: I) As retribuições referentes ao período decorrido desde o despedimento (ocorrido em 16/11/2004) até à data do trânsito em julgado da presente sentença, ou de eventual acórdão que confirme a ilicitude do seu despedimento; II) Uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 3.000; III) juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, até integral pagamento, sendo os incidentes sobre as retribuições referidas em I) desde as datas em que deveriam ter sido pagas e os que recaem sobre a quantia referida em II) desde 04/02/2005; 3- Estabelecer uma sanção pecuniária compulsória a pagar pela R., no valor de € 250 por cada dia que decorrer desde o trânsito em julgado da presente sentença, ou do acórdão que confirmar a reintegração do A., até à efectivação da mesma, revertendo o montante de tal indemnização, em partes iguais, para o A. e para o Estado; 4- Absolver a R. do demais peticionado.
(...).
Irresignada com tal decisão, dela apelou a Ré, a quem o Tribunal da Relação de Lisboa veio a conferir integral ganho de causa, pois que revogou "in totum" a sentença da 1ª instância.
1.3.
Desta feita, o inconformismo provém do Autor, que pede a presente revista, onde colige o seguinte quadro conclusivo: 1- o recurso interposto pela ora recorrida não versou sobre matéria de direito mas, tão-só, sobre matéria de facto, sendo que nas suas longas conclusões, a ora Recorrido pugnou unicamente pela alteração da matéria de facto, pelo que não podia o Acórdão em crise ter apreciado a regularidade do procedimento disciplinar ou a eventual existência de justa causa; 2- a Relação delimitou três questões, sendo que a Recorrida, nas suas conclusões, suscitou uma única questão, relativa à matéria de facto vinda da Primeira Instância; 3- a Relação não podia ter apreciado e conhecido as questões da irregularidade do procedimento disciplinar ou a alegada justa causa de despedimento; 4- pelo que o Acórdão padece de nulidade, nos termos do art. 668º n.º 1 al. D), aplicável ex vi arts. 716º n.º 1 e 721º n.º 2 do CPC; 5- o procedimento disciplinar, objecto da presente impugnação judicial, não constitui mais do que um subterfúgio da Recorrida para fazer cessar o contrato de trabalho do Recorrente; 6- em 1ª instância, todas as acusações imputadas ao Recorrente foram consideradas improcedentes e, em consequência, foi o despedimento declarado ilícito; 7- a respectiva sentença, em nossa opinião, aplicou correctamente o direito aos factos de forma fundamentada, pelo que devia ter sido integralmente mantida; 8- em 2ª instância, a quase totalidade dos factos imputados ao Recorrente foram, igualmente, considerados como não provados, ou como não susceptíveis de fundamentar a existência de justa causa; 9- salvo no que diz respeito à elaboração de uma proposta para um concurso público, que veio a ser rejeitada em virtude do júri do mesmo ter considerado que não continha um cronograma dos trabalhos a realizar; 10- o Acórdão recorrido acabou por alterar o procedimento disciplinar objecto da presente lide, na medida em que destes documentos não consta qualquer decisão definitiva do júri do concurso, que o tribunal "a quo" entende ter-se verificado; 11- a Recorrida podia ter fundamentado a decisão final do despedimento do Recorrente com base na decisão da entidade adjudicante, na medida em que recebeu esse documento 6 dias antes de proferir a decisão final de procedimento disciplinar, mas não o fez; 12- o Acórdão recorrido entendeu que da comunicação da entidade adjudicante, de 7/10/2004, se pode intuir que a proposta da Recorrida iria ser recusada, sendo que não retirou igual ilação da comunicação da entidade adjudicante de 20/4/2004; 13- em ambas as comunicações foi dado conhecimento à recorrida de que não foi junto um cronograma de execução dos trabalhos à proposta apresentada, bem como é conferida a possibilidade de se pronunciar quanto a esse facto, exercendo o seu direito ao contraditório; 14- essas comunicações eram provisórias e instrumentais no respectivo procedimento concursal, sendo que a decisão final chegou ao conhecimento da Recorrida em 10/11/2004, ou seja, 6 dias antes de ser proferida a decisão final do procedimento disciplinar; 15- assim, o prazo de caducidade para iniciar um procedimento disciplinar começou a correr em 20/4/2004, pelo que, tendo o procedimento disciplinar sido iniciado em 7/10/2004, encontrava-se caducado o poder disciplinar da Recorrida; 16- aliás, como bem considerou a 1ª instância, não resulta qualquer diferença de fundo entre estas duas comunicações; 17- os comportamentos da recorrida devem, também, ser ponderados no presente processo; 18- a recorrida recebeu a 1ª comunicação da entidade adjudicante em 20/4/2004 e, em 26/4/2004, enviou uma comunicação à mesma, na qual sustentou que a proposta apresentada cumpre todos os requisitos e pressupostos do caderno de encargos; 19- com este comportamento, a Recorrida ratificou o alegado comportamento do Recorrente, assumindo a responsabilidade pela respectiva proposta e pela condução do processo concursal; 20- o facto que consubstanciou o despedimento com justa causa reduz-se a uma mera possibilidade de não admissão de uma proposta negocial da Recorrida a concurso; 21- sendo que esta não alegou, nem provou, ter qualquer expectativa legitimamente fundada em ganhar o referido concurso e, muito menos, em receber o preço dos respectivos serviços; 22- a decisão final do procedimento disciplinar que se funde neste facto estaria inquinada por abuso de direito, nos termos do art. 334º do C.C.; 23- não se mostram preenchidos os requisitos da justa causa, previstos no art. 396º n.ºs 1 e 2 do C.T.; 24- o juízo de culpa a realizar sobre o comportamento do Recorrente devia ter-se por diminuído, na medida em que a Recorrida ratificou a apresentação da proposta ao concurso aos precisos termos em que foi preparada pelo Recorrente; 25- as normas respeitantes ao contrato de trabalho não podem ser enquadradas automaticamente nos cânones do Direito das Obrigações, nomeadamente no art. 799º n.º 1 do C.C.; 26- o despedimento é , acima de tudo, a última das sanções disciplinares; só assim se compreende que o legislador constitucional tenha assegurado o direito de audiência e de defesa (art. 32º n.º 10 da CRP) e que a nota de culpa seja equiparada à acusação em Direito Penal; 27- as sanções devem ser proporcionais à gravidade da infracção e à culpabilidade do trabalhador - art. 367º do C.T. - logo, o despedimento deverá ter na sua base um comportamento doloso e não meramente negligente; 28- o Recorrente, durante a execução do contrato de trabalho, cumpriu sempre os seus deveres laborais e desempenhava de forma empenhada e determinada as suas funções; 29- a comunicação da entidade adjudicante, de 21/10/2004, estava ainda sujeita a contraditório ou audiência prévia da Recorrida, pelo que, com estes factos, não era possível avaliar se o despedimento seria, ou não, a sanção disciplinar adequada ao caso; 30- em nosso entender, é manifestamente insuficiente para justificar a impossibilidade de manutenção da relação laboral a mera possibilidade de execução de um concurso, ainda sujeito a audiência prévia e a impugnação judicial, até porque esta é uma situação bastante comum e quotidiana; 31- a Recorrida nem sequer ponderou, como lhe competia, se as outras sanções eram aplicáveis ao caso; 32- não ficou demonstrada a existência de um nexo de causalidade concreto entre o comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, não tendo sido alegado nem provado que uma mera possibilidade de exclusão de um concurso seria um comportamento abstracto susceptível de fundamentar a justa causa; 33- a Recorrida não alegou nem provou que, se não fosse o comportamento da Recorrente, teria ganho o concurso; 34- sendo que a matéria de facto, imputada ao arguido na nota de culpa e no aditamento, que delimita todos os comportamentos que lhe são assacados, não é suficiente para consubstanciar o conceito de justa causa disciplinar para despedimento; 35- o Acórdão Recorrido violou os arts. 120º al. D), 367º, 371º n.º 1, 372º n.º 1, 374º n.ºs 1 al. B) e 2, 375º n.º 2, 396º, 429º al. C), 430º n.ºs 1 e 2 al. B), 436º, 437º e 439º do C.T.; 36- devendo ser confirmada a sentença da 1ª instância, que decidiu bem.
1.4.
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
1.5.
No mesmo sentido - com reacções discordante do Autor e concordante da Ré - se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS Sem embargo de virem...
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