Acórdão nº 1473/10.9TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | MARIA DOMINGAS SIM |
Data da Resolução | 27 de Maio de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório No Tribunal Judicial de Viseu, Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Av.ª da República, n.º 76, Lisboa, Porto, instaurou acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, contra: Companhia de Seguros A..., com sede na (...), Lisboa, e, subsidiariamente, contra B... residente na Rua (...), Viseu, e G... Lda., com sede na mesma morada, pedindo a condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe a quantia de €11 440,70, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento da quantia que se apurar a título de despesas de cobrança, a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença; no caso da 1.ª Ré não vir a ser considerada responsável, pediu a condenação dos demais Réus no pagamento da referida quantia de €11 440,70, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a que deverão acrescer os juros já vencidos e devidos pelo Réu B..., no montante de €656,89, e ainda no pagamento da quantia que se apurar a título de despesas de cobrança, a liquidar em sede de ampliação do pedido ou execução de sentença.
Alegou, para tanto, e em síntese, ter ocorrido um acidente de viação no dia de 19 de Junho de 2007, no qual foram intervenientes o veículo de matrícula (...)RV, propriedade de C... e então conduzido pelo Réu B..., e o veículo de matrícula XD(...), propriedade de D... mas na ocasião conduzido por E.... . O acidente em causa ficou a dever-se em exclusivo à conduta culposa do condutor do RV, sobre o qual recaía o dever de ceder a passagem ao veículo XD, por força da existência, na via de onde provinha, do sinal vertical B-1, regra estradal que inobservou, infracção que foi causal do embate.
Mais alegou que a responsabilidade civil decorrente dos acidentes de viação em que interviesse o veículo RV encontrava-se transferida para a demandada seguradora, mediante contrato de seguro em vigor à data do acidente, celebrado pelo proprietário do veículo. No entanto, esta Ré veio a declinar qualquer responsabilidade, face à consideração de que a viatura RV se encontrava a ser conduzida pelo Réu B... na qualidade de mecânico da oficina de automóveis explorada pela Ré “G..., Lda.”, a quem o veículo “RV” tinha sido confiado pelo proprietário para ser reparado, sendo que o primeiro não era titular do denominado “seguro de carta” e a Ré “ G..., L.da” não tinha contratado o seguro obrigatório de garagista. Face à posição assumida pela seguradora, desconhecendo o autor em que qualidade o Réu B... se encontrava a conduzir o RV, predispôs-se a indemnizar a condutora do XD que, em consequência do acidente, sofreu ferimentos e careceu de assistência hospitalar.
Invocou ainda ter o acidente em causa sido simultaneamente caracterizado como de viação e de trabalho, tendo sido nesta sede demandada a “Companhia de Seguros M..., S.A.”, a qual, no âmbito do processo n.º 22/08.3TTVIS, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Viseu, pagou à lesada uma indemnização no valor de € 11 153,70. O autor procedeu ao reembolso desta quantia, tal como liquidou ao Hospital de São Teotónio, em Viseu, a quantia de €287,00, custo da assistência prestada à sinistrada.
Encontrando-se agora sub-rogado nos direitos da lesada, atento o disposto no art.º 592.º, n.º 1 do CC e 25.º do DL 522/85, de 31/12, e sendo seu entendimento, face ao que dispõe o art.º 15.º deste último diploma, que a responsável é a primeira ré, contra esta deduz a sua pretensão; prevenindo todavia que outro venha a ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal, serão então responsáveis o 1.º réu, na sua qualidade de condutor e responsável civil, justificando a demanda da 2.ª ré o facto de não ter celebrado contrato de seguro obrigatório de garagista.
* Citados os RR, contestou a ré Companhia de Seguros A..., S.A. e, defendendo-se por excepção, invocou a excepção dilatória da sua ilegitimidade para a causa, por na ocasião do acidente a responsabilidade emergente da circulação do RV não se encontrar abrangida pelo contrato de seguro celebrado entre a contestante e o respectivo proprietário, uma vez que era conduzido pelo 2.º réu na qualidade de mecânico da 3.ª ré, que é sujeito da obrigação de segurar, nos termos do n.º 3 do art.º 2.º do DL 522/85, de 31/12, aplicável ao caso. Por assim ser, e não tendo interesse em contradizer, concluiu pela sua absolvição da instância.
Cautelarmente, alegou que das averiguações efectuadas chegou à conclusão que também a condutora do XD contribuiu para o acidente dos autos, por circular com velocidade superior à permitida no local, que era de 50 km/h, concorrência de culpas que terá de se reflectir na indemnização que for devida.
* Também os demais RR contestaram a acção tendo, em articulado aperfeiçoado, dado do acidente uma versão que permite imputar a culpa pela sua ocorrência à condutora do outro veículo interveniente, por circular com velocidade excessiva, e tanto assim que, ao dar conta da presença do RV, cuja dianteira assomava no entroncamento -o que não podia deixar de ocorrer, atendendo a que se tratava de local de muito reduzida visibilidade, agravada pela circunstância de a margem direita da estrada, considerando o sentido de marcha do XD, se encontrar coberta de matos, ervas e arbustos altos- aplicou travões a fundo, perdendo de imediato o controle da viatura, despistando-se, indo embater com a parte lateral direita na frente esquerda do RV. A violência do embate, patenteada pelos estragos provocado no XD -rebentamento do pneu dianteiro e destruição da parte lateral direita- permite concluir que o veículo seguia animado de velocidade superior a 90 Km/hora, manifestamente excessiva, atentas as características do local.
Mais alegou o réu B... que não é mecânico, conduzindo na ocasião a viatura RV a título meramente particular e correspondendo a uma solicitação do respectivo proprietário, estando o acidente coberto pelo contrato de seguro celebrado com a demandada seguradora.
Com os aludidos fundamentos, concluem pela sua absolvição do pedido.
* Teve lugar audiência preliminar, nela tendo sido requerida a suspensão da instância (cf. acta de fls. 167/168).
O FGA veio ainda apresentar articulado superveniente, aqui tendo alegado ter pago à lesada a quantia de € 806,92 correspondente a 30% da remuneração, facto superveniente no qual assentou ampliação do pedido inicialmente formulado, peticionando a condenação dos RR no pagamento de também este montante, acrescido de juros.
Por extemporâneo, o articulado em causa não foi admitido por despacho transitado (cf. fls. 191/192).
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade invocada pela demandada seguradora, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual o Tribunal se deslocou ao local do acidente, vindo a final a decidir a matéria de facto controvertida nos termos da decisão de fls. 262 a 269, decisão não reclamada.
Foi depois, e na devida oportunidade, proferida sentença, que decretou a absolvição da demandada seguradora, tendo condenado os demais RR solidariamente no pagamento ao autor da quantia de €10 750,71, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento, bem assim, das despesas com a instrução e regularização do sinistro, a apurar em incidente de liquidação.
* Inconformados, apelaram os RR condenados e, tendo apresentado as suas alegações, sintetizaram-nas nas seguintes necessárias conclusões: “I- Analisando o depoimento da testemunha E..., condutora do veículo interveniente no acidente com a matrícula XD(...), é evidente que as respostas aos artºs. 8º, 11º, 19º, 20º, 23º, 24º, 26º e 27º da Base Instrutória teriam de ter uma resposta diferente.
II- Declarou aquela testemunha E... em audiência de julgamento que antes de entrar no entroncamento avistou o veículo conduzido pelo Réu B...parado, e que esta, apesar de ter tempo e espaço para parar o seu veículo antes do entroncamento, não o fez e continuou a sua marcha.
Disse ainda que ela tinha boa visibilidade e viu o Réu B... parado antes do entroncamento, e que este não tinha boa visibilidade. Confessa que travou a 22 metros –– do local do embate – como refere o croquis do auto de ocorrência da GNR –, e que o carro dela entrou em derrapagem, no entanto, nada fez para o controlar, porque pôs as mãos na cara e fechou os olhos (cfr. depoimento gravado aos minutos 07:00, 07:13, 07:50, 08:55, 09:12, 09:22, 09:43, 10:27, 11:57, 12:08 e 12:16).
III- Para além da testemunha E..., condutora do veículo “XD”, nenhuma outra testemunha viu o acidente, apesar que a testemunha F... refere ter visto o veículo por ela conduzido a aproximar-se, ouviu a travagem e só viu o aparato dos veículos após o embate.
Daí que o depoimento daquela condutora é determinante para percebermos a dinâmica e as circunstâncias objectivas em que o acidente se deu.
IV- Não obstante o veículo RV, conduzido pelo Réu B...ter entrado no entroncamento que se apresentava com o sinal de trânsito de cedência de prioridade ao trânsito que se fazia na Estrada do Aeródromo/Viseu, a verdade é que o mesmo parou antes de entrar no entroncamento, respeitando assim, as precauções e cuidados que aquele sinal de trânsito lhe impõe.
V- Tal como está provado nos autos -resposta ao artº. 18º da Base Instrutória- no dito entroncamento o condutor do “RV” só conseguia aperceber-se do trânsito que circulava na estrada com prioridade (Estrada do Aeródromo) no sentido Aeródromo – Viseu, quando o veículo por si conduzido já se encontrasse com a frente dentro da hemi-faixa de rodagem da estrada com trânsito prioritário.
VI- O Réu não podia – nem devia – permanecer indefinidamente com a frente do veículo que conduzia invadindo a hemi-faixa de rodagem por onde circulava “XD”, pelo que reiniciou a sua marcha, tendo...
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