Acórdão nº 102/12.0T2AND.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução13 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra CC e mulher, DD, EE e FF e mulher, GG, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade de HH, por sucessão testamentária de II, desde da data do óbito deste, e do direito de propriedade do Autor, por sucessão hereditária de HH, dos bens imóveis que identificam, com o consequente cancelamento dos registos prediais referentes à acção judicial averbada nos referidos prédios, considerando-se definitivos os registos prediais referentes à aquisição testamentária desses prédios a favor de HH e à sua aquisição, por via hereditária, a favor do ora Autor. Pedem ainda que os terceiros Réus sejam condenados a restituir aos Autores os frutos percebidos e as rendas recebidas com a fruição e o arrendamento dos bens supra mencionados, a determinar em execução de sentença.

Alegaram, para o efeito, em síntese, que: em 13/1 0/1967, II outorgou um testamento nos termos do qual deixava à sua mulher, JJ, a quota disponível ou todos os seus bens, consoante o testador tivesse ou não herdeiros legitimários à data da sua morte, instituindo ainda um fideicomisso, nos termos do qual os bens herdados por força do testamento reverteriam para as irmãs dele, testador, à morte de JJ. Caso a sua mulher falecesse prévia ou simultaneamente a ele, a quota disponível da sua herança seria deferida para as suas irmãs; o testador não teve descendentes, faleceu em …/0…/19… e, em …/…/19…, foram habilitadas como herdeiras do falecido a viúva, como herdeira legitimária e como fiduciária da quota disponível, e as três irmãs do falecido, como fideicomissárias da mesma quota disponível; em 12/2/1988, foi celebrada escritura de partilha entre viúva e as três irmãs do testador, em que as partes determinaram os prédios sujeitos ao fideicomisso e que reverteriam, à morte da fiduciária, para as fideicomissárias que ainda fossem vivas, em comum e em partes iguais; as fideicomissárias KK e LL faleceram antes da fiduciária, JJ, apenas lhe sobrevivendo a fideicomissária HH a quem sucedeu o Autor, seu único filho; os terceiros Réus arrogaram-se a qualidade de proprietários dos bens sujeitos ao fideicomisso, tendo, desde 2008, usufruído indevidamente dos mesmos, dos quais recebem rendas, fazendo seus os frutos naturais (eucaliptos).

Mais articularam que era intenção de II que os referidos bens se mantivessem na sua família de origem, pelo menos no âmbito da quota disponível da sua herança, sendo que a fideicomissária sobreviva teve ainda direito a acrescer as quotas ideais das suas irmãs nos ditos bens, após o falecimento destas.

Os Réus FF e mulher, GG, contestaram e deduziram pedidos reconvencionais.

Sustentaram que, por força da escritura de partilhas referida, todos os bens integrantes da herança do falecido II foram então adjudicados à viúva e ali primeira outorgante, JJ, abrangendo os três imóveis sujeitos ao fideicomisso, passando, assim, a fiduciária JJ a exercer, por força daquela escritura, em relação aos três imóveis sujeitos ao fideicomisso, o legítimo direito de titularidade sobre coisa própria, apenas com os ónus definidos no art. 2286º do Código Civil, situação que se manteve até à data da sua morte, ocorrida em 23/01/2008, altura em que, em virtude de terem já falecido, as fideicomissárias LL e KK não puderam aceitar a deixa, ficando sem efeito a respectiva substituição e passando a radicar no acervo da fiduciária, desde a morte do testador, o direito definitivo sobre tais bens (art.º 2293º, n.º 2 do CC). Porque os três bens deveriam ser transmitidos às fideicomissárias em comum e partes iguais, e duas delas não puderam aceitar a deixa, apenas em relação à terça parte respeitante à fideicomissária HH a substituição se operou, não podendo aquela receber mais do que aquilo que lhe foi deixado, ou seja, um terço indiviso de cada um dos três imóveis em causa, tendo-se as restantes duas terças partes daqueles imóveis consolidado definitivamente, desde a morte do referido II, na esfera jurídica de sua esposa (herdeira legitimária e fiduciária) JJ, por força da disposição legal imperativa constante do n.º 2 do art. 2293º do Código Civil, não podendo a fideicomissária sobrevivente invocar qualquer direito de representação (art. 2041º, n.º 2. alínea b), do CC) nem de acrescer ou de não decrescer (arts. 2301º a 2306º), direitos inexistentes no caso em virtude de disposição legal expressa que define a situação jurídica e os seus efeitos (art. 2293º, n.º 2. do CC).

Admitem terem recebido rendas daqueles prédios e procedido ao corte de algumas árvores (eucaliptos) que se encontravam em estado de corte e em risco de perecer por perigo de incêndio, disponibilizando-se para apresentar contas, proporcionalmente ao direito que aos Autores venha a ser atribuído.

Reconvencionalmente, pediram que fosse reconhecido que, por caducidade das substituições fideicomissárias instituídas a favor de LL e KK no testamento outorgado por II em 13.10.1967 e na escritura de partilhas celebrada em 12.02.1998, as duas terças partes dos imóveis aí definidos como objecto do fideicomisso passaram a integrar definitivamente a esfera jurídica da fiduciária JJ, desde a data da morte daquele II ocorrida em 31.10.1985; que os Réus reconvintes são legítimos donos e proprietários de duas terças partes indivisas de cada um dos imóveis por eles identificados e questionados na presente acção, por os terem adquirido por sucessão testamentária de JJ e que os AA. sejam condenados a absterem-se de praticar qualquer acto ou facto que impeça o livre exercício por parte dos Réus do seu direito assim definido; e, ainda, que seja determinado o cancelamento de todos os registos efectuados na Conservatória do Registo Predial competente que contrariem a situação ora peticionada e, consequentemente, reduzir os registos existentes à exacta dimensão do direito dos AA., isto é, a uma terça parte dos imóveis referenciados.

Após audiência de discussão e julgamento, a acção foi julgada totalmente procedente.

Os Réus contestantes interpuseram este recurso de revista “per saltum” visando a revogação da sentença e, com ela, a sua absolvição dos pedidos e a procedência da reconvenção.

Para tanto, argumentam nas conclusões da respectiva alegação: “1.ª Aceita-se, como correcta e legal, a decisão da douta sentença recorrida segundo a qual não se verifica, in casu, o instituto jurídico do direito de acrescer ou sequer de não decrescer previsto no art. 2031, n.º 1, do Código Civil; 2.ª Não havendo lugar à aplicação normativa daqueles institutos, não pode nunca verificar-se a transferência, da esfera jurídica da fiduciária para a esfera jurídica da fideicomissária sobreviva, das partes que deveriam caber às fideicomissárias pré-falecidas; 3.ª Isto porque, para a hipótese sub-judice, rege o disposto no art. 2293, n.º 2, do Código Civil, que impõe que, no caso de as fideicomissárias não poderem aceitar a herança, esta não chega a sair da esfera jurídica da fiduciária, por esta se considerando definitivamente adquirida; 4.ª Tal regime é imposto por lei, não podendo ser derrogado por vontade ou desejo das partes, embora possa ceder perante declaração em contrário produzida pelo testador (PIRES DE LIMA e ANTUNES V ARELA, Cód. Civil Anotado, vol. VI, pág. 462/463); 5.ª Tal declaração tem que ser expressa, contrariando inequivocamente a solução decorrente daquele preceito legal (art. 2292, n.º 3, do CC) e indicando concretamente os beneficiários da substituição directa; 6.ª Tais exigências decorrem apodicticamente do facto de aqui não vigorarem as regras do instituto da representação (art. 2041, n.º 2, alínea b), do CC) nem do instituto do direito de acrescer (art. 2301, n.º 1, do CC), conforme a própria sentença reconhece; 7.ª As regras de interpretação dos testamentos constantes do art. 2187, n.º 1, do Código Civil, a que deve deitar-se mão em caso de dúvidas sobre a vontade do testador, não podem ser chamadas para se concluir pela inaplicabilidade do regime legal consignado no art. 2293, n.º 2, do CC, sobretudo quando não existe qualquer declaração do testador que contrarie a adequação da aplicação ao caso daquele regime legal; 8.ª Caso em que deve aplicar-se o regime daquele preceito legal (art. 2293, n.º 2, do CC); 9.ª A tal não obsta, como é óbvio, a matéria de facto dada como provada sobre a intenção do testador, pois que precisamente esta surtiu efeito em relação a uma das fideicomissárias e, em relação às outras, é por efeito legal impeditivo decorrente do disposto no art. 2293, n.º 2, do CC (morte das fideicomissárias) que a aceitação se não pôde dar; 10.ª Não é mais legal nem menos legal qualquer das situações previstas no n.º 1 ou no n.º 2 daquele preceito legal (art. 2293 do CC), pois cada uma delas pressupõe a verificação dos requisitos que fazem desencadear o respectivo (diverso) tratamento legal; 11.ª A intenção assinalada ao testador, mau grado definida nos termos assinalados, nunca poderia ter o condão de surtir efeito de transferência dos bens para qualquer das fideicomissárias, desde que não se tivesse verificado a condição de que se fizera depender tal acto, isto é, desde que estas não tivessem sobrevivido à fiduciária (art. 2293, n.º 2, do CC); 12.º Tudo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT