Acórdão nº 1157/10.8TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução18 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

C… propôs, no 1º Juízo Cível de Coimbra, no dia 4 de Abril de 2010, contra F… e cônjuge, E…, acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação dos últimos a pagar-lhe a quantia de € 13.650,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até pagamento.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter comprado ao réu, em Julho de 2001, por € 63.000,00, o prédio, destinado a habitação, sito na R. …, construído pelos réus; de, a partir do momento em que começou a habitar a casa, antes da celebração do contrato definitivo de compra e venda, ter notado que o imóvel padecia de defeitos; que os réus, em 11 de Julho de 2001, se vincularam a reparar – suprimento das manchas no alçado principal, acabamentos em redor da chaminé, reparação dos gradeamentos, substituição do soalho do 1º andar, colocação da tampa na caixa da instalação eléctrica, reparação das portas dos roupeiros, suprimento das infiltrações no 1º andar e na garagem reparação e substituição do mosaico do rés-do-chão – mas que não repararam, tendo, entretanto, surgido fendas, fissuras e descolamentos, nas partes interior e exterior do prédio, tendo a vistoria, feita pelos serviços municipais de Coimbra, detectado assentamento do patamar junto à entrada, originado fenda no revestimento e descolamento das colunas ornamentais, denunciando deficiente compactação do solo, muros de suporte laterais e escada de acesso ao logradouro com fendas acentuadas, fissura horizontal entre o topo da laje e que constitui a parede divisória entre a caixa e as escadas e o 1º andar, manifestações de humidade na base da parede divisória entre o hall e a instalação sanitária; de o réu ter assumido e reconhecido tais defeitos, tendo sido acordado que seria um terceiro construtor a repará-los, pelo que confiando que o réu iria custear as obras, contratou um empreiteiro e suportou ele próprio o valor de € 13.650,00, que, porém, o réu se recusou a pagar por ser um valor exagerado.

Os réus defenderam-se alegando que nos trabalhos de construção de uma piscina e de uns anexos, que o autor decidiu fazer após ter adquirido o prédio, foram utilizadas máquinas pesadas que danificaram a calçada e provocaram, com a trepidação, avaria e estragos a que são alheios, nomeadamente infiltrações e rachadelas em muros e paredes; que repararam todos os defeitos da obra que lhe foram denunciados; que nunca lhes foi apresentado qualquer orçamento elaborado por terceiros nem foi acordado que um terceiro construtor fizesse qualquer obra por sua conta.

Oferecida a resposta e seleccionada a matéria de facto, e realizada uma perícia colegial ao prédio procedeu-se, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente, à audiência de discussão e julgamento.

A sentença final da causa – depois de ponderar que entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de compra e venda e que entendia que o imóvel vendido não tinha as qualidades necessárias para a realização do fim a que era destinado – a habitação – julgou a acção procedente.

E esta sentença que os réus impugnam no recurso ordinário de apelação – no qual pedem a sua revogação e substituição por outra que os absolva do pedido – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: ...

Na resposta, o autor – depois de observar que o recurso padece de um erro de qualificação do contrato celebrado entre as partes, dado que o recorrente baseia as conclusões partindo do pressuposto que o contrato é de empreitada – concluiu, naturalmente, pela sua improcedência.

  1. Factos provados.

    ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Na petição inicial o autor, depois de assentar que entre ele e os réus foi celebrado um contrato de compra e venda, sublinhou, porém, que por os réus terem sido simultaneamente empreiteiros, aos defeitos do prédio alienado é aplicável o regime do artº 1225 e não o do artº 916 do Código Civil. A sentença impugnada, porém, depois de qualificar o contrato como compra e venda, escolheu, para enquadrar juridicamente os defeitos alegados como causa petendi pelo autor, as normas dispostas a esse propósito dispostas na lei para aquele contrato de troca.

    No corpo da alegação do recurso, os réus sustentam que ao caso são aplicáveis as disposições do contrato de empreitada, qualificação que, na resposta, o autor acha que padece de erro.

    Para além desta divergência quanto à qualificação, i.e., quanto à escolha das normas adequadas para enquadrar o caso concreto, os recorrentes mostram-se também hostis no tocante à decisão de alguns factos controvertidos, que, no seu ver, foram erroneamente julgados.

    E nalguns casos esse erro de julgamento é patente.

    Assim, na alínea B) da sentença impugnada declara-se que o contrato de compra e venda foi celebrado em Julho de 2001. Vê-se, porém, do documento particular autenticado incluso a fls. 76 a 81, que a compra e venda foi concluída no dia 14 de Setembro de 2001.

    Escreveu-se, na mesma sentença, na alínea G): Assim, em 17/11/2001, os réus vincularam-se contratualmente a reparar os defeitos prontamente denunciados. Esta declaração, no tocante à data, é também errónea – embora um tal erro não se deva a equívoco de julgamento, mas mais a lapso ostensivo de escrita, dado que aquele facto resultou da resposta ao quesito 3º no qual se perguntava se aquela vinculação ocorreu em 11/07/2001, e que foi julgado provado sem qualquer restrição.

    Mais complexa é questão do error in iudicando, por erro na valoração das provas, que os recorrentes assacam às respostas que para os pontos de facto insertos na base instrutória sob os nºs 5, 8 e 17 foram encontradas pelo decisor de facto da 1ª instância.

    Todavia, a verdade é que, apesar da impugnação dos recorrentes, não há proceder à reponderação desse julgamento. Fundamento: o princípio da utilidade dos actos processuais.

    De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)[1].

    Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

    Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.

    Na espécie sujeita, a solução ou o enquadramento jurídico do caso é inteiramente insensível ao erro de julgamento da questão de facto alegado pelos recorrentes, dado que, mesmo admitindo a exactidão desse mesmo julgamento, tanto a excepção peremptória da caducidade invocada pelos recorrentes como a acção nunca procederiam.

    3.2.

    Natureza jurídica do acordo de vontades invocado pelo autor como causa petendi e sobre as consequências jurídicas que se associam ao mau ou inexacto cumprimento que, por força desse acordo, os recorrentes se encontram adstritos e modo de extinção das pretensões assentes nesse cumprimento defeituoso.

    Tem-se por axiomático que entre o autor, por um lado, e o recorrente, por outro, foi celebrado um típico contratos de compra e venda (artºs 874 e 875 do Código Civil).

    Do contrato de compra e venda emergem, no direito português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.

    A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

    As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios[1]. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

    O vendedor, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código...

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