Acórdão nº 1117/10.9TVLSB.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
COLIN MARTIN TAYLOR e PAMELA MARGARET TAYLOR, residentes em Leegerdale Steadine North by Dunceht, Aberdeenshire, AB23 7EB, Escócia, Reino Unido, intentaram acção declarativa, constitutiva e de condenação, sob a forma ordinária, contra CONSTRUÇÕES LAGARÇA, S.A., com sede na Rua António Enes, n.º 19, 2º Direito, em Lisboa, pedindo a declaração de nulidade, (por desequilíbrio atentatório da boa-fé) e subsidiariamente a resolução, (por alteração anormal das circunstâncias), dos dois contratos promessa de compra e venda de fracções imobiliárias que celebraram com a ré, com a consequente condenação desta a restituir-lhes as quantias já pagas, e juros.
Para o efeito e em síntese, alegaram terem ambos celebrado os mencionados contratos-promessa de compra e venda, contratos que tinham por objecto duas fracções autónomas, sitas em Prainha, Olhão, e melhor identificadas nos artigos 3.º e 4.º da petição inicial, sendo que tais contratos, elaborados pela ré, continham obrigações e tratamento desigual para cada uma das partes, designadamente quanto à mora (com prazo de 60 dias, eventualmente acrescido de 30, para os autores, e de 180 dias para a ré); quanto ao prazo de incumprimento (30 dias sobre a mora para os autores e 180 para a ré, acrescida de nova interpelação e prazo razoável para a ré); quantos aos fundamentos de incumprimento (qualquer motivo para os autores e causa susceptível de lhes ser imputada, em exclusivo, para a ré).
Como a ré não explicitou tal desproporção, apenas se tendo os autores feito acompanhar de advogado depois do contrato redigido pela ré, o mesmo é nulo por ma-fé negocial, devendo ter-se por não escritas as cláusulas 5ª, 6ª e 7ª, relativas a prazos.
Por alteração das circunstâncias, pessoais e da economia, os autores têm direito à resolução do contrato.
A Ré, citada para os termos da acção, contestou, defendendo-se por impugnação.
Alegou inexistir fundamento para ser decretada a resolução do mencionado contrato, quando é certo que os autores se fizeram acompanhar por advogado na negociação e celebração do contrato e que as circunstâncias económicas e de vida, por si invocadas, são insusceptíveis de conduzir à pretendida resolução dos contratos.
Os autores replicaram, concluindo nos precisos termos do inicialmente peticionado.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador-sentença, julgando-se a acção improcedente, absolvendo-se, consequentemente, a ré do pedido contra si formulado.
Inconformados com o decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 19 de Fevereiro de 2013, julgado improcedente a apelação e, nessa medida, confirmado a decisão recorrida.
Do acórdão que assim decidiu interpuseram os autores recurso de revista excepcional, invocando como pressuposto de admissibilidade o previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil e finalizaram com as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso tem como fundamento o facto de se tratar de uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito [(alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do C.P.C.)], o facto de estarem em causa interesses de particular relevância social [(alínea b) do n.º 1 do artigo 721º-A do C.P.C.)], bem como a violação da lei substantiva (n.º 2 do artigo 721º do C.P.C.).
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- Quer a nulidade contratual por desequilíbrio atentatório da boa-fé, quer a resolução por alteração das circunstâncias são questões com grande relevância jurídica, cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça é necessária para uma melhor aplicação do direito, em virtude se de tratarem de questões de elevada complexidade interpretativa.
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- A crise económica e o desemprego são factores de generalizado interesse social, assumindo extrema relevância, no contexto financeiro actual, determinar se a insuficiência económica e o desemprego supervenientes poderão constituir motivos fundamentadores da resolução contratual por alteração das circunstâncias.
4º - Para que esteja verificado o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil é necessário que a "vexata quaestio" jurídica seja controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito.
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- Isto assim é quando, como no caso concreto, a questão implica operações de exegese destinadas a esclarecerem o alcance de determinado preceito legal, que não apenas, consequências meramente adjectivas de determinada acção no âmbito do direito substantivo.
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- Considerando o actual contexto social e económico, a resolução contratual decorrente de insuficiência e desemprego será uma questão que surgirá com frequência, podendo ser objecto de decisões opostas, de difícil solução, debatida e controversa na doutrina ou na jurisprudência ou cuja solução, suscitando dúvidas, seja susceptível de afectar relevantes interesses gerais de uma comunidade.
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- A fundamentação da resolução contratual por alteração das circunstâncias decorrente de situações de insuficiência económica e/ou desemprego supervenientes constitui uma questão de direito e, além disso, reveste carácter paradigmático ou exemplar, estando em causa interesses de particular relevância social.
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- Os Autores, ora Recorrentes, instauraram acção declarativa com processo ordinário contra «CONSTRUÇÕES LAGARÇA, S.A.», Ré e ora Recorrida, pedindo: a) - A nulidade dos dois contratos de promessa de compra e venda celebrados com a Ré e a condenação desta a restituir aos Autores a quantia de € 92.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 5 de Maio de 2008 até integral restituição, por desequilíbrio atentatório da boa - fé; b) - Subsidiariamente, a declaração de resolução dos contratos e a condenação da Ré a restituir aos Autores a mencionada quantia de € 92.000,00, acrescida de juros desde a data da citação, por alteração anormal das circunstâncias, 9ª - Para tanto, alegam, em síntese: Os contratos-promessa celebrados são nulos, por, considerando o seu teor, existir inequívoca desproporção e desigualdade das partes no que respeita a aspectos essenciais, como são os da mora e do incumprimento, que são imputáveis à Ré, na qualidade de credora e promotora do contrato, integrando o conceito de má-fé negocial.
Quando, assim não se entenda, por forma a repor a igualdade das partes, devem ser consideradas não escritas as cláusulas 5ª, 6ª e 7ª relativamente a prazos, mora e incumprimento dos Autores e aplicar-se aos Autores o regime consignado nos contratos quanto à Ré, designadamente no que respeita à mora e ao incumprimento.
Nesta hipótese, não resultando a impossibilidade dos Autores cumprirem os contratos de facto que lhes seja directa e exclusivamente imputável, deve declarar-se a resolução dos contratos.
Para celebrarem a escritura e pagarem a parte restante do preço, os Autores teriam de pedir novo financiamento correspondente à parte do preço que ainda falta liquidar; contudo, a ocorrência da crise económico-financeira global, com a consequente alteração substancial das condições da concessão dos financiamentos para aquisição de casa, e a alteração na vida dos Autores, resultante dessa mesma crise, impossibilita-os de obter, subjectiva e objectivamente, tal financiamento, pelo que deve declarar-se a resolução dos contratos com base na alteração das circunstâncias.
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- Em 24 de Janeiro de 2012, o Tribunal notificou os mandatários do despacho saneador-sentença, nos termos do qual o Meritíssimo Juiz a quo julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
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- Os fundamentos do saneador-sentença foram os seguintes: As partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual fixaram, por acordo, o conteúdo dos contratos-promessa de compra e venda, excluindo-se a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais; Não existe causa que gere a nulidade dos contratos, nem os mesmos violam o princípio da boa-fé; As cláusulas respeitam os princípios da boa-fé contratual e da justiça comutativa ou da equivalência objectiva; Não existe desproporção e desigualdade das partes que seja necessário repor nem foram alegados quaisquer factos donde resulte legitimado o pedido dos Autores à resolução dos contratos-promessa em causa; 12ª - Em 20 de Fevereiro de 2013, foi notificado o Acórdão recorrido que julgou improcedente a apelação confirmando a decisão recorrida.
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- Com o presente recurso, pede a ora Recorrente a revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a apelação confirmando a decisão recorrida.
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- Existe um tratamento totalmente diferente, desigual, injustificado e injustificável dos contratantes, designadamente quanto à constituição em mora e incumprimento.
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- No que respeita à mora, para que ela se verifique em relação aos Autores, basta que decorra um prazo de 60 dias, eventualmente acrescido de mais 30 dias.
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- No entanto, relativamente à Ré, para que a mora ocorra, são necessários 180 dias, ou seja, o dobro.
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– O mesmo acontece em relação ao incumprimento definitivo: Relativamente a prazos, para que o incumprimento dos Autores se verifique é apenas necessário que ao momento da constituição em mora acresçam 30 dias.
No entanto, para a Ré, para além dos 180 dias, parece que será necessária uma nova interpelação, e um novo prazo razoável, para que ocorra.
Mas também, em relação aos motivos do incumprimento, as desigualdades são inadmissíveis: enquanto, relativamente aos Autores, o incumprimento definitivo pode ter lugar por qualquer motivo; no caso da Ré, ficou especificamente ressalvado que só poderia ocorrer por causa directa e susceptível de lhe ser imputada em exclusivo.
Acresce que, enquanto em relação às obrigações dos Autores, os contratos não suscitam grandes dúvidas de interpretação, já o mesmo não se pode dizer dos deveres da Ré.
Quanto a esta...
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