Acórdão nº 719/07.5TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução10 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e marido, BB, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio, identificado no artigo 1º da petição inicial [1], a reconhecer o direito de passagem, a favor desse prédio, pelo caminho, nos termos descritos nos artigos 13º a 35º da petição inicial [2] e a abster-se de perturbar o exercício da posse correspondente aos referidos direitos de propriedade e passagem [3].

Subsidiariamente, para a hipótese de improcedência dos pedidos, referidos em [1], [2] e [3], pedem a condenação da ré a reconhecer que sobre o seu prédio se encontra constituída, a favor do prédio dos autores, uma servidão de passagem, pelo modo, condições e formas, aludidas nos artigos 61º a 91º da petição inicial [4].

Ainda, subsidiariamente, para a hipótese de improcedência do pedido anterior, pedem a condenação da ré a reconhecer a constituição de uma servidão de passagem no seu prédio, pelo modo, condições e formas, aludidos nos artigos 92º a 107 da petição inicial [5].

Finalmente, pedem, para qualquer uma das hipóteses enunciadas, a condenação da ré a restituir-lhes, definitivamente, a posse do caminho [6], a pagar-lhes uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que venha a ser proferida [7] e a abster-se de perturbar a utilização da passagem ou servidão em causa [8].

Alegam, para o efeito e, em resumo, que são donos e legítimos proprietários do prédio rústico, sito no lugar de ..., …., Barcelos, por o terem adquirido, em 6 de Fevereiro de 1995, por escritura pública de doação, sendo certo que, por si e antepossuidores, desde há mais de 20 anos, vêm cultivando o referido prédio, cortando mato e pinheiros, de forma pública, pacífica e de boa fé.

O acesso a pé, de carro, de trator, de carro de animais ou de qualquer outro tipo, desde o caminho que liga a EN 103 à Igreja de … e até ao referido prédio sempre se fez, desde tempos imemoriais, através de um caminho, cujo leito ignoram a quem pertence, com cerca de 5 metros de largura que, no sentido sudeste/noroeste, inicia o seu trilho, no referido caminho que liga a EN 103 à Igreja … e que, em determinado troço do seu percurso, entra no prédio da ré, certo que, por si e antepossuidores, vêm, desde há mais de 40 anos, utilizando e usufruindo de tal caminho, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, sucedendo, porém, que a ré ou alguém a seu mando colocou, no mês de Março de 2006, uma cancela fechada a cadeado, junto à embocadura do referido caminho, impedindo-os, com isso, de acederem ao seu prédio.

Para a hipótese de ficar demonstrado que o leito do caminho faz parte do prédio da ré, o certo é que adquiriram, por usucapião, o direito de servidão de passagem sobre esse prédio, a favor do prédio deles, sendo que, não ficando tal aquisição demonstrada, a servidão mostra-se constituída, por destinação de pai de família, pois que a área de terreno que engloba o prédio dos autores, da ré e de outros prédios contíguos para nascente pertenceu, em tempos, ao mesmo dono.

Para a hipótese de não ficar demonstrada a aquisição originária do direito de servidão de passagem, uma vez que o seu prédio é encravado, podem exigir a criação de uma servidão de passagem sobre os terrenos vizinhos, certo que o prédio da ré é o que menos prejuízo sofre com essa constituição.

Na contestação, a ré, que pediu a condenação dos autores como litigantes de má fé, em multa e indemnização de €1000,00, argui a excepção peremptória decorrente do facto de o acesso ao prédios dos autores sempre se ter realizado, directamente, para o caminho público que liga o lugar da Igreja à EN 103, caminho esse que se situa, na estrema sul do prédio daqueles, sucedendo que os autores e o proprietário do prédio, sito a poente, procederam, sem qualquer autorização ou licenciamento municipal, ao fraccionamento dos respectivos prédios, já que aquele proprietário do prédio confinante, a poente, cedeu aos autores a metade norte do seu prédio e estes cederam-lhe a metade sul do respectivo prédio, que confrontava com o caminho público, resultando dessa operação que o prédio dos autores ficaria encravado e sem acesso para o caminho público e, por impugnação, nega, parcialmente, os factos alegados na petição inicial.

Na réplica, os autores concluem como na petição inicial, pedindo a condenação da ré como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Na tréplica, a ré, conclui, igualmente, como na contestação.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por procedência do pedido subsidiário e, em consequência, declarou que os autores são proprietários do prédio rústico, sito no lugar de ..., freguesia …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho, sob o número ..., e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo …, a confrontar, a nascente, com o prédio rústico da ré, sito no lugar de …, freguesia ..., concelho de Barcelos, e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo 38, condenando a ré a reconhecer esse direito de propriedade dos autores [A] e declarou a constituição de uma servidão legal de passagem sobre o prédio rústico da ré, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Barcelos, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo 38, a favor do prédio rústico dos autores, anteriormente, referido, passagem essa, a pé, de tractor, de carro de animais ou de qualquer outro tipo, a exercitar pela faixa de terreno descrita nas alíneas j) a n) dos factos provados [B], absolvendo a ré do demais peticionado pelos autores [C].

Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação negado provimento ao recurso dos autores e concedido provimento ao recurso da ré, que absolveu dos pedidos.

Do acórdão da Relação de Guimarães, apenas os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade, na parte ainda útil: 1ª – O acórdão recorrido não se pronuncia sobre os pontos de facto impugnados pelos Recorrentes, contrariamente ao que sucede com a matéria impugnada pelos RR.

2ª - Nos termos do artigo 660°, n.° 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 713°, n.° 2 do mesmo diploma, o Tribunal a quo deveria resolver todas as questões que os Recorrentes tivessem submetido à sua apreciação.

3ª - O douto acórdão do Tribunal a quo é nulo, nos termos do artigo 668°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 716°. n.° 1 do mesmo diploma.

4ª - A eventual existência de outro prédio por onde a comunicação com a via pública gere menos prejuízos constitui um facto impeditivo do direito alegado pelos AA., pelo que o ónus de alegação e prova compete à parte contra quem a invocação é feita, ou seja, à R., nos termos do artigo 342°, n.° 2 do Código Civil.

5ª - Aliás, caso assim não se entendesse, a prova afigurar-se-ia excessivamente onerosa para os AA.

6ª - O conceito de menor prejuízo na constituição de uma servidão de passagem é composto por vários elementos dos quais resulte que o prédio onerado sofre menos diferença em relação ao estado em que estaria se não fosse constituída a servidão e ao mais próximo do natural.

7ª - No que respeita ao outro prédio onde poderia ser constituída uma servidão de passagem, situado a Sul, está assente que foi aí edificada uma habitação.

8ª - É indubitável que uma servidão constituída num prédio onde existe uma habitação é mais onerosa para o prévio serviente do que uma servidão constituída num prédio rústico de natureza exclusivamente agrícola ou florestal.

9ª - Atentas as características e a configuração da faixa de terreno em causa, incluída no prédio da R., verifica-se que este mesmo prédio não sofre diferença significativa em relação ao estado em que estaria se não fosse constituída a servidão.

10ª - Tal faixa de terreno, para além de atravessar um prédio de natureza rústica, situa-se numa extremidade desse mesmo prédio, o que reforça o diminuto prejuízo que a mesma pode representar.

11ª - Como está provado, o trilho para o exercício da servidão através do prédio da R. já existe, contrariamente ao que sucede nos demais prédios.

12ª - O percurso mais curto significa para o prédio da R., em comparação com os demais prédios confinantes, uma menor área de terreno atingida pela servidão e, por via disso, necessariamente, um menor prejuízo.

13ª - A menor área de terreno atingida pela passagem, as características e configuração da passagem e a inexistência de habitação no prédio serviente permitem concluir que a servidão legal a constituir no prédio da R. é a menos onerosa.

14ª - O prédio da R. mantém intacta a sua natureza e as suas características e não vê afectadas as suas potencialidades com a constituição da servidão.

15ª - A decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342° e 1553° do Código Civil.

16ª - Caso o Tribunal a quo considerasse, de facto, não ter sido produzida prova suficiente, deveria o mesmo usar dos poderes conferidos pelo artigo 712°, n.° 4 do Código de Processo Civil, ordenando a repetição do julgamento de modo a se apurar qual o prédio que sofre menos prejuízo com a constituição da servidão.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que não merecem qualquer provimento as conclusões do recurso, que deverão ser julgadas improcedentes, mantendo-se, consequentemente, a douta decisão recorrida.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. A aquisição, por partilha da herança, do direito de propriedade sobre o...

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