Acórdão nº 686/09.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 02 de Dezembro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e esposa, BB, residentes em ..., instauraram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC e esposa, DD, residentes em ..., pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a ver reconhecido o seu incumprimento contratual definitivo culposo [a], a reconhecer a sua rescisão unilateral do contrato, sem aviso prévio e sem justa causa [b], e, em consequência, a indemnizar os autores por todas as despesas que estes realizaram e deveriam ser suportadas pelo réu, já incluídas no orçamento inicial (água, luz, terra para o jardim), no montante de 669.256$00 [c1], pelos pagamentos que os autores efectuaram, diretamente, às entidades que o réu marido havia contratado para a execução da obra, as quais afirmaram que não efectuavam os serviços, por falta de pagamento, como foi o caso da “Interforma”, da empresa de materiais e acessórios para a casa de banho, junto à cozinha, do tanque lava roupa, dos sete candeeiros do jardim e da rampa fixa, num total de 1.475.548$00 [c2], pelos custos de renovação da licença de construção, que caducou por inércia do réu marido, que deveria ter procedido à realização da obra, em tempo útil [c3], pelas multas aplicadas e a aplicar, pela Câmara Municipal do Porto [c4], pelas despesas de armazenagem dos móveis de cozinha, no montante de 80.000$00 [c5], pelo valor do sinal que pagaram à “EE” e que perderam, em virtude de o alarme não ter sido executado, no prazo de seis meses e até Abril de 1999, já que o réu não procedeu à instalação da parte eléctrica, em tempo, no montante de 142.491$00 [c6], pelo montante de 170.000$00 mensais, correspondente ao valor dos encargos incorporados na prestação mensal de 841.617$79, em relação ao empréstimo de 35.000.000$00, que os autores se viram obrigados a contrair, em Agosto de 2000, e que deveria ser amortizado, através do produto da venda da casa onde habitam, que deixariam livre, de pessoas e bens, aquando da conclusão da moradia, e que, por culpa exclusiva do réu marido não aconteceu ainda, e que à data da instauração da acção somava 1.360.000$00 [c7], pelos montantes que os autores irão suportar para a conclusão da moradia e reparação dos escandalosos defeitos, cujo cálculo só será possível, através da apresentação de orçamentos por técnicos especializados e por vistoria e perícia no local, assim se relegando para execução de sentença a sua determinação quantitativa [c8], pelos demais danos cuja determinação quantitativa ainda não é possível e cujo cálculo se relega para execução de sentença [c9], pelos danos não patrimoniais, calculados em 5.000.000$00 [c10] e pelos juros vincendos, à taxa legal, relativamente aos montantes, já liquidados e a liquidar, desde a citação e até efectivo pagamento [c11].
Para o efeito pretendido, alegam que o réu marido incumpriu o contrato que havia celebrado com o autor e que tinha como escopo a orientação por aquele do processo construtivo de uma casa onde os autores iriam viver, devendo o réu CC entregar-lhes tal imóvel, no sistema “chave na mão”, sendo certo que, ao incumprir tal contrato, nomeadamente, ao abandonar a obra, apresentando esta diversas deficiências, causou-lhes prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, alguns já quantificados, e os outros cujo apuramento relegou para liquidação.
Na contestação, os réus concluem pela total improcedência da acção.
A sentença julgou a acção improcedente.
Interposto recurso pelos autores, por acórdão da Relação do Porto, foi anulada a decisão da matéria de facto e ordenada a sua ampliação, quer quanto aos “factos assentes”, quer quanto à base instrutória, com repetição do julgamento para apreciação dos novos quesitos.
Realizada uma nova audiência de julgamento, foi proferida sentença, posteriormente, reformada, que julgou a acção, parcialmente, procedente, “condenando o réu CC a pagar aos autores os custos com a renovação da licença de construção e com as multas aplicadas (e a aplicar) pela C. M. do Porto, relegando para liquidação o seu apuramento, bem como despesas de armazenagem com os móveis de cozinha onde gastaram €399,04, e a quantia de €710,74, quantias estas às quais acrescem juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento - A); a pagar aos autores o valor necessário para conclusão da moradia e para reparar os defeitos, nos termos elencados nos pontos 2.38 a 2.52 da fundamentação de facto, relegando-se para execução de sentença a liquidação do respectivo montante. - B); absolvendo o 1.º R. dos restantes pedidos formulados pelos AA – C) e a Ré DD do pedido formulado pelos AA.”- D).
Desta sentença, o réu CC interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação “julgado a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida”.
Do acórdão da Relação do Porto, o réu CC interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua procedência, julgando-se a ação, totalmente, improcedente, com a sua absolvição de todos os pedidos contra si formulados, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade: 1ª – Não houve incumprimento defeituoso na prestação efectuada já que resulta do relatório pericial (e apenas desse meio de prova) que a obra em geral está acabada; algumas respostas aos pontos 2.41, 2.42 e 2.46 não resulta do relatório pericial - havendo incorreta interpretação do artigo 799º CC.
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- A moradia foi vendida a um terceiro, logo o risco correrá por conta do adquirente, até porque o próprio proprietário (00.00-23.22) referiu que efectuou a compra sem saber querer saber dos eventuais problemas que a moradia tinha – art. 796º, n.º 1 CC.
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- O responsável pela eliminação (que já não é possível porque o proprietário efectuou diversas obras em mais de 75 mil euros) é o empreiteiro (sociedade construtora) e não o recorrente que tem uma mera obrigação de meios e não de resultados pelo que não deverá ser responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado - havendo incorreta interpretação do artigo 1183º CC.
Os autores não apresentaram contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. (1.1.) Os autores são donos e legítimos possuidores de um terreno com projecto para construção, aprovado pela C. Municipal do Porto, sito na Rua ..., lote 1, à Av. ..., Porto - A).
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(1.2.) Os autores, pela escritura pública de compra e venda, junta a fls. 942 e 946, em 15.10.2002, declararam vender a FF, que declarou comprar, o prédio, indicado em A), pelo preço de €249.398,95, nos termos constantes dessa mesma escritura, que se reproduziu, na integra - B).
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(1.3.) Os réus contraíram casamento, em 07.10.2000 - C).
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(2.1.) Por alturas de 1998, os autores contactaram o réu marido, tal se verificando antes da celebração do contrato-promessa, versando sobre o terreno, referido em A).
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(2.2.) Entregando-lhe cópias da planta topográfica do local, retirada do alvará de saneamento, cópia do projecto aprovado pela C. M. do Porto (alçadas, plantas, cortes).
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(2.3.) Com o fito de saber se o custo global da construção se situava dentro das possibilidades financeiras e se o réu marido estava interessado em, pelo menos, supervisionar e orientar a execução do projecto, por entidades terceiras (vd. empresas de construção civil e similares), igualmente, administrando o mesmo.
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(2.4.) Posto que o Sr. CC aceitou a tarefa, nos termos referidos no anterior quesito, no concernente à execução da moradia, nos termos do projecto aprovado.
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(2.5.) Mais se obrigando a contratar pessoal especializado para as diversas (o que fez) e a tratar de todos os assuntos relacionados com a execução da obra, incluindo a burocracia junto das autoridades competentes.
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(2.6.) E, aquando do contrato desse pessoal especial, o réu marido deveria proceder (como é uso e costume nessas circunstâncias) ao pedido prévio de orçamentos às empresas que poderiam executar a construção da moradia.
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(2.7.) E deveria apresentar aos autores orçamentos das diversas artes da construção.
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(2.8.) O réu marido, por alturas de 1998, apresentou aos autores uma estimativa de custas para a construção de moradia, estimativa esta a rondar os Esc.57.000.000$00.
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(2.9.) E porque o valor apresentado pelo Sr. CC cabia dentro das pretensões dos autores, estes decidiram, então, adquirir o terreno em A).
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(2.10.) Os autores incumbiram o réu marido de dar início à orientação/supervisão da construção, em 08/1998, com a obrigação da casa ser entregue aos autores, no sistema “chave na mão”, i.e., entrega da moradia já pronta a habitar.
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(2.11.) E, para que a obra fosse executada, foram sendo entregues ao réu pelos autores montantes que, até à data, perfazem o total de Esc.63.500.000$00.
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(2.12.) Valor este, pelo menos, em parte, que os autores obtiveram com recurso a crédito bancário.
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(2.13.) Os autores contrataram a empresa “GG” – e, pelo menos – para que esta entidade lhes fizesse um estudo para o aquecimento da moradia, nomeadamente, com caldeiras a gás e colectores solares/ termoacumuladores.
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(2.14.) Projecto esse de aquecimento que foi entregue ao réu para ser executado na obra.
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(2.15.) Por alturas de 1999, o ritmo de construção estava a ser lento.
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(2.16.) Por alturas de 1999 – e, por diversas vezes – os autores questionaram o réu, a propósito dos atrasos no andamento da obra.
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(2.17.) Por essa altura, os autores insistiram na necessidade da casa estar pronta.
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(2.18.) Como a cozinha não...
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