Acórdão nº 01361/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…….., S.A., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo TAF do Porto que julgou procedente a excepção da impugnabilidade dos actos que constituem o objecto da providência cautelar que intentou com vista à suspensão de eficácia do Despacho nº DI 201300003, de 4/01/2013, do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto – que determinou e credenciou, com vista a dar cumprimento a um pedido de troca de informações fiscais formulado pelas autoridades fiscais espanholas, a realização de acção inspectiva a esta sociedade para recolha de elementos aos períodos de tributação de 2006 e 2007 –, bem como a suspensão de eficácia da Decisão da Direcção de Finanças do Porto, de 6/03/2013, de resposta desfavorável à oposição que esta sociedade deduziu à realização daquela inspecção, actos cuja anulação disse pretender pedir em acção administrativa especial a instaurar para o efeito.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso deve, desde logo, proceder porque os actos impugnados não poderão ser apreciados como interlocutórios do procedimento constante no artigo 6º do Decreto-Lei nº 127/90, 17 de Abril.

  1. De facto, não se poderá olvidar que o procedimento de inspecção externo encetado à Recorrente foi desencadeado pela Administração Tributária portuguesa para dar cumprimento a um pedido de informações fiscais apresentado pela Autoridade Tributária espanhola.

  2. Esta modalidade de troca de informação a “pedido” coloca, deste modo, a cargo da administração tributária requerida a tarefa de obter/recolher a informação solicitada pela administração fiscal do Estado-Requerente, que deverá proceder como se actuasse por sua conta (“principio de actuação por conta própria”/“princípio da autonomia procedimental nacional”).

  3. Ora, o artigo 11º do RCPIT, aprovado pelo DL 413/98, de 31 de Dezembro, prevê expressamente que «o procedimento de inspecção tributária tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária sem prejuízo do direito de impugnação das medidas cautelares adoptadas ou de quaisquer outros actos, nos termos da lei» (sublinhado nosso).

  4. Deste modo, e tendo presente os contornos particulares do caso sub judice, não se poderá deixar de concluir que o acto final do procedimento encetado à Recorrente de “consulta, recolha ou cruzamento de documentos” apenas afectará, a final, a esfera jurídica da sucursal espanhola da Recorrente, pelo que, só esta terá legitimidade para, posteriormente, o poder impugnar.

  5. Assim, e sob pena da Recorrente ver precludido o seu direito processual de discutir a legalidade do acto em apreço, o mesmo deverá ser susceptível de impugnação imediata e autónoma por parte da Recorrente.

  6. Mal se compreende, aliás, como é que os actos impugnados podem ser considerados interlocutórios do procedimento previsto no artigo 6º do DL nº 129/09, de 17 de Abril, e a notificação prevista no nº 1 do aludido artigo como acto final susceptível de impugnação, quando essa mesma notificação apenas e tão só visa comunicar à pessoa relativamente à qual são prestadas as informações, quais as que vão ser transmitidas, a indicação da autoridade competente a que vai ser fornecida a informação e a natureza desta, além de que a mesma deveria ser “prévia” a qualquer tarefa de obtenção ou de recolha das informações solicitadas pela administração fiscal do Estado-Membro requerente.

  7. Ora, a aqui Recorrente não foi notificada, nem ouvida previamente, nos termos do aludido artigo 6º, nº 1 e nº 3 do DL nº 127/90, de 17 de Abril, não lhe tendo sido, assim, permitido pronunciar-se e até submeter à Autoridade Tributária portuguesa as razões por que entende que as informações solicitadas não devem ser transmitidas, direitos esses fundamentais de garantia e da sua efectiva protecção.

  8. Assim, e contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo,uma vez que não houve qualquer notificação prévia do pedido solicitado antes de ser encetado pela Autoridade Tributária o acto de inspecção em apreço, o mesmo apresenta-se como imediatamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, porquanto os elementos que a Autoridade Tributária portuguesa consultou, recolheu e pretende cruzar por meio do presente acto inspectivo estão irremediavelmente abrangidos pelo segredo comercial.

  9. O que desde logo, nos termos do artigo 54º do CPPT, afasta o cumprimento do aludido princípio da impugnação unitária, possibilidade essa justificada por imposição constitucional, em consonância com o princípio constitucional da tutela judicial efectiva (artigos 20º nº 1 e 268º nº 4 da CRP).

  10. Assim, e tendo por seguro que a inultrapassável existência de uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva exige que seja reconhecida a possibilidade de impugnação de actos, ainda que procedimentais, sempre que estes se mostrem imediatamente lesivos, os actos suspendendos em apreço deverão ser considerados impugnáveis, devendo-lhes ser aplicada a mesma disciplina aplicável aos acto destacáveis, sob pena de a Recorrente, se assim não se entender, nunca ter forma de obter uma verdadeira tutela jurisdicional efectiva.

    Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequências, revogada a douta sentença recorrida nos moldes acima referidos, sendo apreciados os fundamentos da providência cautelar intentada, julgando-se a mesma, a final, procedente por provada. Assim se fazendo JUSTIÇA! 1.2.

    A Entidade Recorrida (Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira) apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, que rematou com as seguintes conclusões: I. De acordo com o artigo 143º nº 2 do CPTA, é regra geral que os recursos da não adopção de providências cautelares em matéria tributária têm efeito meramente devolutivo e não suspensivo; II . Todavia ainda que tenha sido concedido efeito suspensivo no despacho de admissibilidade proferido pelo Tribunal “a quo”, sendo o acto inimpugnável e inexistindo objecto, salvo melhor opinião, não se verifica qualquer acto ou efeito a suspender, pelo que é inexequível o efeito pretendido; III. Quanto à vexata quaestio, no contencioso tributário o critério subjacente de impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade objectiva, imediata, actual e não meramente potencial.

    IV. Os actos interlocutórios do procedimento não são imediatamente lesivos, razão pela qual a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo; V. Tendo o pedido de troca de informações sido efectuado ao abrigo da Directiva nº 1977/799/CEE do Conselho, transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei nº 127/90 de 17 de Abril, este determina um procedimento próprio de troca informações, impondo o artigo 6º nº 1 a notificação prévia ao contribuinte do conteúdo da informação que será expedida ao Estado Membro requerente; VI. Deste modo, não tendo ainda ocorrido a notificação, não se poderão projectar os efeitos externos que permitam a impugnabilidade do acto.

    VII. Assim, o procedimento inspectivo que deu lugar à recolha dos elementos requeridos pelo Estado Membro ao abrigo da Directiva nº 1977/799/CEE do Conselho, está na categoria dos actos inimpugnáveis, ou melhor, naquela categoria de actos cuja impugnação terá que ser deduzida a final, que no caso sub judice ocorre com a notificação.

    1.3.

    O Ministério Público apôs o seu visto nos autos.

    1.4.

    Na pendência deste recurso, a Recorrente suscitou, ao abrigo do disposto no art. 128º, nº 4 do CPTA, incidente de declaração de ineficácia de acto de execução indevida dos despachos cuja suspensão se pretende obter com a presente providência cautelar, invocando, em suma, que apesar da dedução da providência cautelar e do efeito suspensivo atribuído ao recurso da decisão de indeferimento da providência, a Recorrida praticou, entretanto, actos de execução daqueles despachos, pois a Direcção de Serviços de Relações Internacionais notificou-a em 9/09/2013 do seguinte: «Assunto: Notificação Ao abrigo do nº 1 do Artigo 6º do Decreto-Lei nº 127/90, de 17 de Abril, e de acordo com o solicitado por V. Exªs, informamos que foi recepcionada nesta Direcção de Serviços um pedido de informações apresentado pelas Autoridades Fiscais Espanholas, tendo sido solicitado informações fiscais de carácter geral sobre a vossa empresa, bem como informações e documentos referentes às transacções comerciais estabelecidas durante os anos de 2006 e 2007 entre a vossa empresa e a empresa espanhola A………, S.A., sucursal em Espanha, que foram recolhidos nos vossos registos contabilísticos pelos nossos Serviços Regionais de Inspecção.

    Sem mais, apresentamos os nossos melhores cumprimentos».

    1.5.

    Notificada a Recorrida para responder, nos termos previstos no art. 128º do CPTA, veio fazê-lo, reiterando o que já invocara em sede de contestação à providência cautelar e em sede de contra-alegações no recurso, defendendo, ainda, a inaplicabilidade do art. 128º do CPTA ao caso sub judice, por estar em causa uma medida cautelar prevista no art. 97º nº 1 al. i) do CPPT, com os efeitos previstos no art. 147º nº 6 do CPPT, o que tornaria inaplicáveis as normas contidas no CPTA e tornaria desnecessária a resolução fundamentada prevista no art. 112º do CPTA para obter a suspensão de eficácia dos actos controvertidos.

    1.6.

    Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir em conferência.

  11. Na decisão recorrida foi julgada como provada a seguinte factualidade: 1. As autoridades fiscais espanholas, através da Direcção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), solicitaram a colaboração da DF do Porto no sentido de fornecer informações e documentos relativos à actividade da Autora nos anos de 2006 e 2007 (fls. 24); 2. A DF...

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