Acórdão nº 1735/06.0TBFLG-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, executado, deduziu oposição à execução contra ele (e contra BB, avalista) movida por CC – Instituição Financeira de Crédito, SA, exequente e mutuante, com base numa livrança que subscreveu no âmbito de um contrato de mútuo, celebrado com a finalidade exclusiva de aquisição de um automóvel ao Stand DD, Comércio e Reparação de Automóveis, Unipessoal, Lda., nas instalações do vendedor, que actuou como “intermediário de crédito”, por força “de um acordo de cooperação entre o Stand e a exequente”.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter-lhe sido entregue pelo vendedor um automóvel de 1989, ano constante da matrícula “no momento da entrega”, apesar de ter celebrado “o contrato de compra e venda convencido de que o veículo era do ano de 1996”, ano que figurava na matrícula “aquando da negociação”; que, consequentemente, houve cumprimento defeituoso da compra e venda, por “desconformidade do bem com o contrato”, razão pela qual o resolveu, por declaração enviada ao Stand, e resolveu também o mútuo, por declaração dirigida ao exequente; que o nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, lhe confere tal direito, por se verificarem os respectivos pressupostos.
Diz ainda, por entre o mais, que a carta de resolução foi enviada “dentro do período de reflexão que lhe assiste e garante o artº 8º, nº 1, daquele mesmo diploma”; que, quando a enviou, ainda não lhe tinha sido entregue cópia do contrato, “onde constavam as condições para fazê-lo cessar”; que a exequente respondeu ser alheia à compra e venda e que ele, comprador, tinha renunciado ao direito de revogação e, portanto, ao período de reflexão; que só assinou “papéis em branco sem que nada lhe fosse lido ou explicado”; que requereu a consignação em depósito do automóvel “ a favor do exequente ou do stand vendedor”, por não o conseguir entregar; que a exequente não aceitou a resolução, apesar de ter operado automaticamente; que a exequente litiga de má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização.
O exequente contestou, reconhecendo que “à livrança dada à execução está subjacente o contrato de mútuo nº 156371”, “que se destinou a permitir a aquisição (…) da viatura Nissan Patrol com a matrícula ...-PS”, impugnando diversos factos e sustentando a improcedência da oposição. Em resumo, alegou ter contactado o vendedor para obter informações sobre os factos da oposição; sustentou que a pretensão do oponente não tinha apoio legal; alegou que o automóvel foi entregue ao oponente, que dele tomou posse, assinando uma declaração que o confirma e assim renunciando “ao direito de revogação da proposta de crédito”; que o mesmo oponente declarou “que o fornecedor lhe explicou na íntegra o teor do contrato” e que actua, agora, contra o “princípio geral da boa fé contratual”.
O oponente respondeu.
Pela sentença de fls. 369 foi julgada procedente a oposição e extinta a execução, sendo determinada “a devolução das quantias depositadas nos autos à ordem do solicitador de execução”.
Em resumo, o tribunal entendeu que os factos demonstravam a existência de erro essencial sobre o objecto do negócio; consequentemente, que devia “decretar-se a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre o Executado e o vendedor do veículo automóvel em causa”; que entre a compra e venda e o mútuo existia uma interdependência que os colocava sob a alçada do Decreto-Lei nº 359/91; e que, “Muito embora o nº 1 do art. 12.º se refira apenas à validade/eficácia do contrato de compra e venda face ao contrato de crédito, a realidade é que a inversa é também verdadeira, estando a validade/eficácia do contrato de crédito dependente da validade/eficácia do contrato de compra e venda. Tal decorre, aliás, das normas gerais que regulam os efeitos da anulação dos negócios, previstas nos arts. 287º e 289º do Código Civil (as quais não fazem depender a anulação de qualquer requisito, como vem referido no art.12.º, nº 1 do diploma citado), das quais decorre que, declarada a anulabilidade de um negócio, essa declaração opera retroactivamente (…). Face ao exposto, declarada a anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Executado e o vendedor do veículo automóvel, cessam também os efeitos do contrato de crédito ao consumo em apreciação, devendo ser restituído tudo o que foi prestado por conta deste, o que, no caso dos autos, significa a restituição do veículo automóvel (em relação ao qual houve já sentença a determinar a sua entrega ao vendedor) e a restituição dos montantes pagos no âmbito da acção executiva.” Relativamente à executada BB, a sentença considerou que “assumiu uma obrigação acessória do crédito principal, pelo que a sua obrigação deverá declarar-se de igual forma extinta”.
A exequente recorreu; todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 438 confirmou a sentença, mas por aplicação do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91, interpretado no sentido de que, ainda que “não se verifique a exclusividade que se exige na al. a) respectiva, o consumidor pode demandar o mutuante em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do vendedor, “sempre que, no caso concreto, procedam as mesmas razões e interesses que estão na origem do consagrado na letra da lei”.
Ora, entendeu ainda a Relação, “Nos casos como os dos autos deve bastar-se prova de factualidade de onde possa concluir-se que na prática, e do ponto de vista do consumidor, funcionou em moldes semelhantes aos da exclusividade. O fornecedor disponibiliza o contrato de mútuo, o consumidor não tem qualquer contacto com a mutuária, o dinheiro é entregue directamente ao vendedor e o crédito destinou-se “exclusivamente” à aquisição de determinado ou determinados bens – o(s) do contrato. No presente caso a materialidade provada aponta neste sentido. Consequentemente é de manter a decisão.” 2. A exequente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Dezembro de 2004 (www.dgsi.pt, proc. nº JTRP00037510) e com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos processos 3798/08 e 07A685, e os termos do disposto no nº 4 do artigo 678º e nos artigos 680º, 685º, 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que resultou do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
O recurso foi admitido como revista, pelo despacho de fls. 454.
No requerimento de fls. 458, o recorrido suscita a questão da inadmissibilidade do recurso, pelas seguintes razões: – “em primeiro lugar”, porque “não lhe assiste razão”, e “deve ser racionalizado o acesso ao STJ"; – “Em segundo lugar, verifica-se a chamada «dupla conforme» (…)”; – “Acresce ainda os valores da Alçada que impedem o recurso”.
Nas alegações a recorrente invoca a al. c) do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, na redacção decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007 (revista excepcional).
3. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «
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Vem ainda o presente recurso interposto com fundamento no disposto no artigo 721-A nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
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O acórdão proferido, aqui em crise, não só viola objectivamente o disposto no artigo 12º do Decreto-Lei nº 359/91 de 21 de Setembro, como está em contradição com diversos outros, nomeadamente o proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 20 de Dezembro de 2004, publicado em www.dgsi.pt, com o nº convencional JTRP00037510 e com os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 3798/08-7 e no processo com o nº convencional 07A685, podendo também este último ser consultado em www.dgsi.pt. (…) G) O acórdão recorrido consagrou entendimento diferente. Entendimento que modestamente se entende violar de forma objectiva o artigo 12º, nº1e nº2, do DL nº 359/91 de 21 de Setembro, conferindo-lhe uma interpretação que, em muito, ultrapassa a vontade do legislador.
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Vejamos, na sentença aqui recorrida é defendido que está “(…) a validade/eficácia do contrato de crédito dependente da validade/eficácia do contrato de venda” e que “declarada a anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Executado e o vendedor do veículo automóvel, cessam também os efeitos do contrato de crédito ao consumo”.
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O tribunal a quo chegou a esta conclusão ao efectuar uma interpretação a contrario do estipulado no nº 1 do artigo 12º do D.L. 359/91 de 21/09 em que é referido que a validade/eficácia do contrato de compra e venda é afectada pela validade/eficácia do contrato de consumo ao crédito.
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Ou seja, foi feita uma inversão do texto da lei à revelia da vontade do legislador.
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Pois este intencionalmente apenas codificou a hipótese inversa pelo que não pretendeu configurar no texto da lei a possibilidade de se estender os vícios do contrato de compra e venda ao contrato de crédito pois estes são autónomos e juridicamente independentes.
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Neste sentido ver acórdão de 20/12/2004, pelo Tribunal da Relação do Porto, publicado em www.dgsi.pt, com o nº convencional JTRP00037510: (…) M) Até porque tal norma provém da transposição para a ordem interna de direitos comunitários, que o legislador certamente não desconhecia, e que estipulavam que “os Estados-membros assegurarão que a existência de um contrato de crédito não influenciará de maneira alguma os direitos do consumidor contra o fornecedor dos bens ou serviços adquiridos ao abrigo desse contrato, nos casos em que os bens ou serviços não sejam fornecidos ou de qualquer modo não estejam em conformidade com o contrato relativo ao seu fornecimento” (artigo 11º nº 1 da Directiva 87/102/CEE do Conselho de 22 de Dezembro de 1986) N) Isto posto, não se pode deixar de considerar que o tribunal a quo fez uma interpretação que não só é demasiado extensiva na sua possível aplicação prática, como vai ao arrepio não só da letra da lei que é expressa na sua vontade, mas também da mens legislatoris.
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Mesmo que fosse seguida a posição...
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