Acórdão nº 2154/08.9TBMGR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução12 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.2154/08.9TBMGR.C1.S1.

R-426[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 8.12.2008, pelo Tribunal Judicial da Comarca da ... – 1º Juízo – acção declarativa de condenação com processo comum e forma ordinária, contra: - BB - CC Pedindo para: 1) Ser reconhecida à Autora a sua qualidade de herdeira; 2) Serem as fracções autónomas identificadas nos artigos 5. ° e 17. ° da petição inicial restituídas à herança aberta por óbito de DD; 3) Ser a escritura pública de compra e venda celebrada em 04 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial a cargo do Notário EE, cujo objecto foram as referidas fracções autónomas, declarada nula e de nenhum efeito, por simulação, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 240.° do Código Civil; 4) Ser ordenado o cancelamento dos registos efectuados junto da Conservatória do Registo Predial da ... e do averbamento efectuado na Repartição de Finanças da ..., com base nos actos cuja declaração de nulidade se pede.

Subsidiariamente, formulou a Autora pedido no sentido de: 5) Ser declarada a ineficácia da escritura pública de compra e venda celebrada em 04 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial a cargo do Notário EE, cujo objecto foram as mencionadas fracções autónomas, por abuso de representação, nos termos do disposto no artigo 269.° do Código Civil; 6) Ser ordenado o cancelamento dos registos efectuados junto da Conservatória do Registo Predial da ... e do averbamento efectuado na Repartição de Finanças da ..., com base nos actos cuja declaração de ineficácia se pede.

Alegou para o efeito, em síntese: - que a Autora e o seu falecido marido, DD, são os pais da 1ª Ré; - o referido DD, falecido em ……..20…, exerceu, em nome individual, a actividade profissional de construção civil, tendo edificado vários prédios; - como a 1ª Ré colaborava com o pai no exercício daquela actividade, com vista a facilitar tal colaboração, foi-lhe passada pela Autora e pelo marido, em 15.09.1987, procuração, conferindo-lhe variados poderes e, entre eles, o de vender, a quem, pelo preço e sob as cláusulas, condições e obrigações que tivesse por convenientes, quaisquer fracções autónomas integradas em prédios sob o regime de propriedade horizontal, sitas na freguesia de V...; - em 1989, a Autora e o seu marido emprestaram à 1ª Ré, para habitação, a fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao rés do chão esquerdo, do prédio sito na Rua …, Lote .., …, S..., freguesia de V... ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., na ficha … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... da freguesia de V... ...; - desde a mesma data, a 1ª Ré ocupa, também, por mero favor dos pais, a fracção autónoma designada pela letra “…”, para comércio e arrumos, correspondente ao rés do chão direito do prédio sito na Rua ..., Lote …, 23, S..., freguesia de V... ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... na ficha .. e inscrita na matriz sob o artigo ... da freguesia de V... ...; em Junho de 2005, tendo a situação económica do casal sofrido progressiva degradação, o falecido marido da Autora informou a 1ª Ré de que necessitava de vender a loja correspondente à aludida fracção “A”; - a 1ª Ré, porém, em 04.08.2005, usando a procuração notarial que a Autora e o marido haviam outorgado a seu favor, celebrou, no Cartório Notarial de EE, em ..., uma escritura pública de compra e venda, através da qual declarou vender à 2ª Ré, que declarou comprar, pelo preço global de € 50.000,00, as duas fracções autónomas atrás referidas; - contudo, nem a vendedora quis vender, nem a compradora quis comprar, já que ambas, de comum acordo, apenas visaram, com aquele negócio, prejudicar a Autora e o seu falecido marido, impedindo-os de vender aquelas suas fracções a terceiros; - a aludida compra e venda é, pois, nula, por simulada; - mas, ainda que, porventura, o não fosse, o negócio sempre seria ineficaz em relação à Autora e seu marido, por a 1ª Ré, enquanto representante daqueles, ter abusado dos poderes que lhe haviam sido conferidos.

As Rés contestaram, pugnando pela improcedência da acção e pela consequente absolvição do pedido.

Argumentaram, nesse sentido, em resumo, que as fracções autónomas a que a Autora alude foram oferecidas pela Autora e pelo seu falecido marido à 1ª Ré; que, pouco tempo antes da celebração da escritura de compra e venda cuja validade a Autora agora questiona, o falecido DD manifestou vontade de que a 1ª Ré providenciasse pela inscrição das ditas fracções em seu nome; e que, nessas circunstâncias, usando a procuração de que dispunha, celebrou com a 2ª Ré a mencionada escritura de compra e venda, que é válida.

A Autora replicou, contrariando a matéria da contestação e pedindo a condenação das Rés como litigantes de má fé.

As Rés opuseram-se, sustentando inexistir fundamento para tal condenação.

Saneada, condensada e instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 280 a 285 respondendo aos quesitos da base instrutória e desse modo decidindo a matéria de facto controvertida.

*** Foi proferida a sentença de fls. 287 a 303, cujo segmento decisório se transcreve: “Em face de todo o exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência: 1. Declara-se que a Autora é herdeira de DD; 2. Absolvem-se as Rés do que, no mais, contra si foi peticionado nestes autos.

  1. Condena-se a Autora nas custas processuais (arts. 449º e 446º, nºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil)”.

    *** Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por Acórdão de 12.3.2013 – fls. 460 a 482 verso –, sentenciou: “a) Julgar procedente a apelação; b) Revogar, na parte impugnada, a sentença recorrida; c) Julgar procedente a acção e, por via disso, mantendo a sentença recorrida na parte não impugnada, em que declarou que a Autora é herdeira de DD: 1) Declarar nula, por simulação, a compra e venda das fracções autónomas identificadas nas alíneas E) e F) dos factos assentes (nºs 5 e 6 do elenco constante do item 2.1.2., supra), formalizada pela escritura pública celebrada em 04 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial de ..., a cargo do Notário EE, em que foram intervenientes BB, na qualidade de procuradora de DD e de AA, como vendedora, e CC, como compradora; 2) Ordenar o cancelamento dos registos efectuados junto da Conservatória do Registo Predial da ... e do averbamento efectuado na Repartição de Finanças da ..., com base na compra e venda referida.

    3) Ordenar a restituição à herança das fracções autónomas mencionadas; d) Não conhecer dos pedidos formulados a título subsidiário.

    […]” *** Inconformadas, as Rés recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1. Reportam-se as presentes alegações a recurso de revista interposto perante esse douto Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pela Relação de Coimbra que decidiu pela alteração da matéria de facto considerada provada e não provada em 1ª instância, e consequentemente julgou procedente o pedido efectuado pela Recorrida, na parte que respeita à existência de negócio simulado.

  2. O Acórdão viola de forma manifesta as normas processuais e de direito substantivo aplicáveis in casu, o que implicará a sua revogação.

  3. No âmbito das alegações apresentadas pela Recorrida para o Tribunal da Relação de Coimbra, peticionou aquela que fossem apreciados os factos vertidos nos quesitos 1° a 5°, 11° a 14°, 16° a 18°, 25°a 27°, 36°, 37°a 39°, 46°e 47° da Base Instrutória (cfr. conclusão n°3 das doutas Alegações), tendo aquele se pronunciado e alterado a resposta ao quesito 40° e 48° a Base Instrutória, que não foram impugnados.

  4. Da conjugação das disposições dos arts. 676°-1, 684°-3 e 4 e 690°-1 e 712° do CPC, resulta que o Tribunal recorrido apenas se poderá pronunciar sobre os concretos pontos que o recorrente considerou incorrectamente julgados.

  5. O Tribunal da Relação pronunciou-se sobre questões não suscitadas pelas partes, procedendo à alteração à resposta dada em sede de primeira instância aos quesitos 40° e 48° da Base Instrutória, pelo que incorreu em excesso de pronúncia (art. 660°, n°2, do Código de Processo Civil), o que determina a nulidade do acórdão, nos termos conjugados dos arts. 716° e 668° do Código de Processo Civil.

  6. A modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal de 2ª Instância merece acolhimento no art. 712° do Código de Processo Civil, que estabelece os casos em que se impõe a reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, com base nas alegações apresentadas, “sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento da decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”. - cfr. art. 712° n°2 do Código de Processo Civil.

  7. A apreciação feita pelo Tribunal de 2ª instância da prova produzida é, à semelhança do acontece em sede de decisão de primeira instância, efectuada com base no princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos no art. 655°, n°1, do Código de Processo Civil.

  8. A convicção do tribunal é formada dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

  9. Quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se ficar demonstrado que tal opção é inadmissível...

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