Acórdão nº 95/08.9TBAMM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução11 de Julho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA intentou acção declarativa contra “BB – ..., ...”, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia global de 237.607,00€, correspondendo 135.000,00€ a danos patrimoniais e 102.607,00€ a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese: Era casada com CC, casamento de que nasceram dois filhos, DD e EE, ambos menores; O marido da A. era trabalhador agrícola por conta da Ré e todos viviam na Quinta ..., habitando a “casa do caseiro”; Entre as funções que estavam cometidas ao CC, incluía-se a de vigilante da Quinta e da unidade fabril de transformação de bagaço e produtos de origem vinícola, aí existente; A “casa do caseiro” fica situada junto à unidade fabril, existindo, entre aquela e esta, apenas um caminho lhes dá acesso, não existindo qualquer delimitação física, separação, resguardo ou barreira entre uma e outra; Os menores para entrarem e saírem de casa passavam, necessariamente, junto à unidade fabril e aos silos, para depósito do bagaço, aí existentes, construídos no solo, que têm cerca de 7 metros de profundidade, 6 metros de largura e 10m de comprimento; No dia 17/09/2004, pelas 23,30horas, o menor DD desceu pela rampa formada pelo bagaço depositado num dos silos, para recuperar a bola que aí caíra, tendo, devido à concentração de CO2 no interior do silo, caído inanimado no fundo do mesmo, vindo a falecer; Dois funcionários da Ré, que nesse momento chegavam ao local para iniciarem o seu turno de trabalho, viram o menor cair inanimado no fundo do silo e de imediato tentaram socorrê-lo, para o que desceram ao fundo do silo, onde um deles ficou caído, inanimado, vindo a falecer, tendo o outro perdido os sentidos; O marido da Autora, que se encontrava em casa, acorreu ao local do acidente e desceu ao silo, para tentar salvar o filho, aí caindo também inanimado pela inalação de CO2 e vindo a falecer; À data do acidente as aberturas dos silos não dispunham de barreiras de protecção contra quedas e a R. não tinha alertado os seus trabalhadores, nomeadamente, o marido da A., sobre o perigo para a vida que a descida aos silos poderia constituir e nem no local tinha colocado informação ou sinalização de segurança, nem meios de socorro. Não existia no local qualquer sinal de proibição de descer aos silos, nem sinal de perigo pela existência de CO2 nos silos, nem aparelhos de medição, nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação, nem máscaras de respiração autónoma, nem cintos de segurança, que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse; A A. e os filhos não foram alertados para os perigos existentes nos silos, desconhecendo, por isso, que a fermentação do bagaço que ali era depositado produzia CO2, gás que, em determinadas concentrações, provoca a morte.

A Ré contestou.

Negou que o marido da Autora exercesse funções de vigilância e alegou que, aquando da ocorrência do acidente, se encontrava a dormir e momentos antes de acontecer o acidente, o menor DD encontrava-se a jogar à bola junto dos silos, tendo o mesmo sido advertido, por empregado da Ré, de que era proibido jogar à bola naquele local, mandando-o para casa, o que o mesmo não acatou. Mais alegou que existia no local a ponte rolante (“grapim”) que permitia retirar do fundo do silo qualquer pessoa ou objecto, podendo ser descido a partir da superfície e apanhar o objecto ou permitir a subida de uma pessoa.

A Ré requereu a intervenção da seguradora “FF, S.A.”, que foi admitida.

Citada, a Seguradora apresentou-se a contestar.

Articulou que contrato de seguro garante a responsabilidade civil de exploração até ao limite máximo de 50.000,00€, deduzido de uma franquia por sinistro, para os danos materiais de 10%, com um mínimo de 50,00€ e máximo de 500,00€. Acrescentou que, a ser o marido da autora trabalhador agrícola por conta da Ré “BB”, não pode o mesmo ser considerado terceiro para efeitos da cobertura da responsabilidade civil, pelo que, o peticionado a título de danos deste terá de soçobrar, por força do artigo 11.º, n.º 1, al. a) das Condições Gerais do Seguro, e que o acidente não foi originado pela exploração normal da actividade segura, mas por um menor desacompanhado, que numa brincadeira desceu a um silo, causando a sua morte e de mais duas pessoas que o tentaram ajudar/salvar, existindo uma omissão do dever de vigilância dos pais do menor/vítima.

FF, na qualidade de filho e de irmão das vítimas do acidente deduziu incidente de intervenção principal espontânea. Admitido, formulou pedido contra as Rés, pelos montantes e fundamentos coincidentes com os da Autora na petição inicial.

Após completa tramitação da acção, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés do pedido.

A Autora e o Interveniente EE apelaram, mas a Relação confirmou o sentenciado.

A Autora e o mesmo Interveniente interpuseram recurso de revista excepcional, que lhes foi admitida.

Em impugnação da decisão recorrida, argumentam nas conclusões da sua alegação: 1º - A ré BB, que se dedica à actividade, perigosa, de produção industrial de aguardente vínica a partir do bagaço, não deu cumprimento às normas imperativas que a obrigavam a afixar, nas suas instalações, adequada sinalética de proibição de descer ao fundo dos silos, de perigo de morte, perigo de morte por asfixia por C02, nem tinha no local os meios obrigatórios de salvamento, nomeadamente, máscaras de respiração autónoma para, em caso de emergência, retirar qualquer pessoa do fundo dos silos, normas estas que se destinavam directamente aos seus trabalhadores e indirectamente a todas as pessoas que legitimamente tivessem acesso aos silos.

  1. - A ré BB, que cedeu gratuitamente à autora, seu marido e filhos menores, a habitação num pré-fabricado existente junto dos silos da instalações fabris, onde viveram durante mais de 13 anos, não só não cumpriu aquelas regras como também não informou os seus trabalhadores nem o falecido CC sobre os perigos para a vida que a descida ao fundo dos silos comportava.

  2. - Da matéria de facto provada, resulta que a ré BB não cumpriu as mais elementares regras de informação e de salvamento a que estava obrigada nos termos legais, assim, não tinha alertado os seus trabalhadores, nem CC, sobre os “perigos para a vida" que a descida aos silos poderia constituir (15 da BI), não colocou no local informação ou sinalização de segurança nem meios de socorro (n.º 16 da BI); não existia qualquer sinal de proibição de descer aos silos (n.º 17 da BI); nem existia sinal de perigo pela existência de C02 nos silos nem aparelhos de medição nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação (n.º 18 da BI), nem existiam máscaras de respiração autónoma que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse (n.º 19 da BI) nem existiam cintos de segurança, nem arnês que permitissem socorrer as vítimas no fundo do silo (n.º 20 da BI).

  3. - Ocorrendo as (três) mortes num dos silos devido à inalação do C02 (dióxido de carbono) aí concentrado - silos construídos no solo com 10 metros de comprimento por 6 metros de lado por 7 metros de profundidade, sem qualquer sistema de renovação de ar ou de extracção desse gás - cabia à ré BB alegar e provar, o que não fez, que cumpriu todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, nos termos do disposto no artigo 493º, n.º 2 do Código Civil e 799º nº 1, presumindo-se até que não avisou a autora desses perigos.

  4. - As barreiras de segurança e os demais avisos de informações e sistemas de salvamento contribuiriam, no seu conjunto, para os pais do menor conhecerem os perigos e proibi-lo de descer aos silos e tendo o menor já 13 anos de idade, este já possui maturidade para respeitar às proibições caso elas ali existissem, como depois do acidente foram colocadas.

  5. - A conduta omissiva da ré, ao contrário do decidido, não só não é indiferente para a ocorrência do dano - três mortes - como é agravada pelo facto de, no seu próprio interesse, ter cedido a habitação à autora e sua família, nesta incluindo os dois menores, junto aos silos e nada ter feito para informar e prevenir do perigo de morte que a descida aos silos comportava.

  6. - O Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação aos factos do disposto nos artigos 491º, 486º, 493º, n.º 2, 483º designadamente na parte em que se refere à violação de “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios", e 799º n.º 1 todos do Código Civil.

A Recorrida Massa Insolvente de “BB, ...” respondeu, em defesa do julgado.

2. - No acórdão da Formação que admitiu o recurso a questão a apreciar e decidir ficou enunciada e definida como sendo a de “determinar a existência ou não de um nexo de causalidade adequada entre a inobservância de regras de sinalização, informação e salvamento, conjugadas com a falta de colocação de barreiras de proteção, se quando, estando em causa o exercício de uma atividade perigosa, a inobservância de tais regras pela entidade empregadora a elas sujeita possa eventualmente ter contribuído para um sinistro que vitime pessoa ou pessoas que legitimamente se encontrassem no local, inclusive, no caso concreto, por habitarem a casa do caseiro existente próximo dos silos referidos, e em relação às quais não se possa considerar o mesmo como um acidente laboral”.

  1. - Vem definitivamente fixado o quadro factual que segue.

    1) AA casou catolicamente com CC, em … de Agosto de 19… - al. A) dos factos assentes.

    2) Tal casamento foi dissolvido por óbito de CC em … de Setembro de 20…. - al. B) dos factos assentes.

    3) DD nascido a … de Novembro de 19… e falecido em … de Setembro de 20… era filho de AA e de CC. - al. C) dos factos assentes.

    4) FF nascido a … de Novembro de 19… é filho de AA e de CC. - al. D) dos factos...

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