Acórdão nº 4965/03.2TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | ALBERTO MIRA. |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
18 Proc. n.º 4965/03.2TBAVR.C1 1.
No Círculo Judicial de Aveiro, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido: - …, industrial, casado, nascido a 23 de Agosto de 1965, em …, Alfândega da Fé, filho de … e de …, residente em …, n.º 11, Bugarin, Ponteareas (Pontevedra) e com domicílio profissional em Melon Mar, Só A., Rua ….Vigo; sob imputação, na pronúncia de fls. 1415/1423, da prática, em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217.° e 218.°, n.° 2, al. a), ambos do Código Penal.
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Os demais arguidos pronunciados, …, …, …, … e …, foram julgados, no âmbito do processo n.º 1628/95.4JAAVR do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Aveiro, tendo sido ordenada a separação de processos relativamente ao arguido ….
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Por acórdão de 18 de Janeiro de 2008, o tribunal julgou a pronúncia procedente e, em consequência, condenou o arguido …, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período de 3 anos e 6 meses.
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Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido …, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Tendo sido determinada a separação de processos, é aplicável ao arguido já julgado no processo inicial o disposto no citado art. 345.º, n.º 4 do CPP, donde decorre a sua inidoneidade para prestar depoimento como testemunha de acusação no julgamento posterior de outro arguido, quando este se recusar a responder às perguntas formuladas ou se remeter ao silêncio ou consentir que o julgamento decorra na sua ausência.
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– Ao admitir o depoimento, em sede de audiência de julgamento, de testemunhas que anteriormente ocuparam a posição de co-arguidos, fazendo assentar a sua convicção nas declarações por elas prestadas, o tribunal a quo serviu-se de meio proibido de prova, conducente à invalidade do julgamento, nos termos do artigo 123.º do CPP.
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– A norma constante do art. 133.º, n.º 2, do CPP, aplicada pelo douto Acórdão proferido em primeira instância, ao admitir e considerar válido o depoimento prestado, em processo separado, por co-arguido de um mesmo crime ou de crime conexo cujo processo já terminou, ainda que com o seu consentimento expresso, em caso de o arguido que se encontra a ser julgado exercer o direito ao silêncio ou consentir que o julgamento decorra na sua ausência, é materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa em processo criminal, consagradas no art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
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– Nessa conformidade, deve declarar-se inválido o julgamento efectuado e todos os actos subsequentes, com as legais consequências.
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– Os pontos 3 e 4 da matéria de facto provada – assentes na premissa de que, durante o ano de 1995, o arguido, enquanto responsável por duas sociedades comerciais, devia à “…” cerca de dezoito milhões de escudos, facto que o terá levado a propor ao representante desta sociedade que, em vez de lhe pagar a dívida, simulassem o furto de mercadoria a adquirir pela “…”, recebendo esta o valor do seguro e vendendo ambos a mercadoria – foram incorrectamente julgados.
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– Da conjugação crítica das provas documental e testemunhal produzidas nos autos não resultou demonstrada, com um mínimo de consistência, sequer a existência de qualquer dívida das empresas representadas pelo arguido perante a empresa “…”, que pudesse justificar o recurso ao artifício fraudulento.
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– Pelo contrário, o exame pericial contabilístico de fls. 955 a 1037, elaborado pela Polícia Judiciária, extrai-se que na data que o tribunal recorrido deu como provado que o arguido propôs ao sócio gerente da “…” o alegado plano fraudulento com a finalidade de liquidar dívidas das suas empresas – data próxima de Setembro de 1995 – nenhuma das duas empresas representadas pelo arguido era devedora àquela sociedade.
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– Não se provando a existência de quaisquer dívidas das empresas representadas pelo arguido na data em que o crime foi planeado, falece a tese da diminuição do passivo daquelas como móbil da burla, e cai por base o requisito da intenção de obtenção de um enriquecimento ilegítimo por parte do arguido, basilar do tipo de crime de burla imputado ao arguido.
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– O facto constante do ponto 5 da matéria de facto provada, consubstanciado em que o representante legal da firma “…” aderiu ao plano de simulação do sinistro pormenorizadamente delineado pelo arguido, destinado a induzir em erro a seguradora com vista à obtenção de uma vantagem patrimonial, foi também incorrectamente julgado, devendo merecer resposta de não provado, por manifesta insuficiência e pouca credibilidade do suporte probatório que lhe serviu de fundamento.
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– Finalmente, a análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento impõe a alteração das respostas aos factos 6, 7, 21, 23, 24, 25, 28, 29, 30, 39 e 40, de provados para não provados.
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– O Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova, ao ter condenado o arguido com base nos depoimentos duvidosos e contraditórios e ao não ter valorado outras provas susceptíveis de conduzir a uma absolvição em obediência ao princípio do in dubio pro reo.
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– A prova produzida e examinada em audiência de julgamento é manifestamente insuficiente para sustentar a condenação do arguido para além da dúvida razoável, pelo que também por esta via se impunha uma deliberação de absolvição do arguido, ao abrigo do referido princípio.
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– Ao assim não ter decidido, condenado o arguido Alípio como co-autor do crime de que vinha acusado, o tribunal a quo apreciou incorrectamente os factos e desconsiderou as regras da experiência comum e da lógica.
Em conformidade com as conclusões expostas (…), deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência: - considerar-se a desconformidade com a Constituição da norma do art. 133.º, n.º 2 do CPP, aplicada pelo douto Acórdão proferido em primeira instância em termos de ser válido o depoimento prestado, em processo separado, por co-arguido de um mesmo crime ou de crime conexo cujo processo já terminou ainda que com o seu consentimento expresso, em caso de o arguido que se encontra a ser julgado exercer o direito ao silêncio ou consentir que o julgamento decorra na sua ausência, declarando-se inválido o julgamento efectuado e todos os actos subsequentes, com as legais consequências; - para o caso de assim se não entender, deve em todo o caso revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o arguido.
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O Magistrado do Ministério junto da 1.ª instância concluiu a sua resposta ao recurso nestes termos: 1. As testemunhas … e … não assumem a posição de co-arguidos nos presentes autos.
O arguido … não se recusou, em audiência de julgamento, a prestar declarações.
Assim, não é invocável nem aplicável o disposto no art. 345.º do CPP.
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Tendo havido separação de processos, sendo que no original, já julgado, eram todos co-arguidos, impunha-se nestes autos dar cumprimento ao disposto no art. 133.º do CPP, o que se fez.
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Foi legítima, pois, a audição em julgamento das referidas testemunhas, nada resultando da Lei que impeça tal audição, assim como a devida valoração dos seus testemunhos.
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Quanto a tal, foram aplicadas as normas legais ajustadas ao caso, nenhuma delas enfermando de qualquer tipo de inconstitucionalidade, inexistindo qualquer vício processualmente relevante, nomeadamente que implique a invalidade do julgamento efectuado.
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O Acórdão em causa não enferma de qualquer vício integrável na previsão do art. 410.º, n.º 2, do CPP, designadamente nas suas alíneas a) e c).
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Ao formar a sua convicção e posteriormente decidir, o Tribunal não se deparou com qualquer dúvida insanável que o levasse a favorecer o arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Tal princípio não tem, pois, aplicação in casu.
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A matéria de facto dada – bem – como assente, integra efectivamente a prática, pelo arguido, do crime de burla qualificada pelo qual foi condenado em pena de prisão, cuja execução foi suspensa.
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O Acórdão em recurso mostra-se regularmente fundamentado, dele se extraindo com clareza e concretização dos elementos de facto que convenceram o Tribunal, a sua valoração, bem como o processo racional que levou à decisão tomada.
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Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as referidas pelo recorrente.
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O Acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.
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Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.
Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido … exerceu o seu direito de resposta, nos termos que constam de fls. 2375 e 2376.
Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação: 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso sub judice, tendo em conta conclusões da motivação do recurso, o recorrente submete à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
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Produção e valoração de meio proibido de prova; B) Da inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 133.º, n.º 2 do Código de Processo Penal; B) Dos invocados erros de julgamento em matéria de facto; B) Do vício de erro notório na apreciação da prova...
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