Acórdão nº 06309/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução21 de Maio de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃOX RELATÓRIO X“A...- A..., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.108 a 136 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial, pelo recorrente intentada, visando obter a anulação do despacho de indeferimento do pedido de demonstração do preço efectivo da venda de imóvel, formulado ao abrigo dos artºs.58-A e 129, do C.I.R.C.

XO recorrente termina as alegações (cfr.fls.147 a 195 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões: 1-O sigilo bancário recai no âmbito de protecção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada previsto no artº.26, da C.R.P.; 2-Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público; 3-Terão de ser consagrados mecanismos que acautelem os interesses pela tutela constitucional da privacidade; 4-O nº.6, do artº.139, do C.I.R.C., pressupõe a perda da reserva da privacidade do banco, dos seus administradores e, por consequência, dos seus milhares de clientes, como condição “sine qua non” para o exercício procedimental e processual do direito à prova do seu rendimento real; 5-Tal pressuposto atenta contra o direito à tutela jurisdicional efectiva, bem como, contra o direito à tributação pelo rendimento real - ambos direitos constitucionalmente protegidos; 6-Para além de que tal exigência é desadequada e desproporcionada em relação ao desiderato que visa alcançar; 7-Existem outros meios de prova, menos lesivos para os direitos fundamentais do contribuinte, adequados à demonstração do preço efectivo de venda dos imóveis; 8-Em suma, a derrogação do sigilo bancário nos moldes previstos no nº.6, do artº.139, ao constituir uma condição prejudicial do acesso ao direito de produção de prova nele previsto e da impugnação da respectiva liquidação, constitui uma restrição ao exercício efectivo do direito de acesso à justiça desajustada e desproporcionada, na medida em que é extremamente abrangente e ampla; 9-Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida, e, em consequência: A-Determinar-se a anulação do despacho de indeferimento preliminar do pedido de demonstração do preço efectivo da venda da fracção autónoma melhor identificada nos factos provados da decisão recorrida, por se considerar a exigência, como condição prévia, da apresentação de autorização de acesso à informação bancária da recorrente dos seus administradores, conforme disposto no nº.6, do artº.139, do C.I.R.C., manifestamente desproporcionada e violadora dos direitos fundamentais consagrados nos artºs.2, 18, 20, nºs.1 e 4, 26, 52, 266 e 268, nº.4, todos da C.R.P.; B-Determinar-se à Administração Fiscal que proceda à apreciação do pedido em crise de comprovação do preço efectivamente praticado na transacção do imóvel identificado nos autos.

XContra-alegou a Fazenda Pública, a qual pugna pela confirmação do julgado e termina concluindo (cfr.fls.212 a 229 dos autos): 1-O objeto do presente recurso passa por analisar e decidir a constitucionalidade do artº.139, nº.6, do C.I.R.C.; 2-A delimitação do âmbito do direito à intimidade da vida privada é uma questão bastante controversa, quer no plano jurisprudencial, quer no plano doutrinal; 3-De qualquer modo, a conclusão que se impõe face à doutrina e jurisprudência predominantes é a de que o sigilo bancário não recai no âmbito de proteção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, previsto no artº.26, da C.R.P., na medida em que não atinge o âmago, a essência, da reserva da intimidade da vida privada, podendo apenas pôr eventualmente em causa a privacidade dos contribuintes, não a sua intimidade; 4-Ora, não constituindo o segredo bancário um valor absoluto, nem sequer estando diretamente englobado no que é nuclear à reserva da intimidade da vida privada e familiar, o mesmo terá de ceder, sempre que isso seja necessário para acautelar outros valores de hierarquia mais elevada, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante; 5-E como refere o ora recorrente nas suas conclusões do recurso “Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público”; 6-Aliás, o próprio Acórdão referido pelo recorrente na sua petição de recurso (a saber, o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº.442/2007, de 14/08/2007, refere que (vide ponto 16.3 do acórdão) “... o segredo bancário localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes". "Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido”; 7-Assim, o nº.6, do artº.139, do C.I.R.C., poderá eventualmente pôr em causa a privacidade do banco e dos seus administradores, mas, contrariamente ao invocado pelo ora recorrente, jamais a dos seus clientes; 8-Na verdade, as contas dos clientes da sociedade aqui recorrente, não estão de modo algum aqui em causa, pois a atividade que o recorrente exerce é completamente irrelevante para estes efeitos, na medida em que, tal como qualquer outra sociedade, com um qualquer ramo de actividade, que compre ou aliene um imóvel, o recorrente com certeza tem contabilidade e tem contas bancárias de onde sai o dinheiro para as suas compras e entra o dinheiro das suas vendas; 9-Para que não restem dúvidas, é a essas contas (da instituição de crédito, não dos seus clientes) que o artº.139, do C.I.R.C., se refere; 10-Devendo, portanto, ignorar-se as inúmeras referências feitas pelo recorrente na sua petição de recurso às “...informações bancárias...” dos seus “...milhares de clientes...”; 11-Pois, naturalmente, o acesso à informação bancária dos clientes do recorrente em nada contribuiria para se chegar a uma conclusão quanto ao preço porque o recorrente efectivamente alienou um imóvel (quanto muito interessariam as contas dos adquirentes desses imóveis); 12-Relativamente à pretensa violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, diremos apenas que o contribuinte conhece as regras do mecanismo do artº.139, do C.I.R.C., pelo que, ao accioná-lo tem que cumprir com as mesmas, tal como a administração tributária; 13-Inconstitucional seria, isso sim, não existir o mecanismo do artº.139, do C.I.R.C.! 14-O legislador, no artº.139, do C.I.R.C., não coarctou a possibilidade de impugnação judicial, antes se limitou a fazê-la depender do prévio esgotamento dos meios tutelares graciosos antes de recorrer aos tribunais, especialmente porque estamos perante uma matéria cuja natureza permite uma eficaz resolução administrativa, à semelhança do que fez, por exemplo, nos artºs.131, nº.1, 132, nº.3, e 133, nº.2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.), a propósito das impugnações em caso de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, que dependem de reclamação prévia; 15-Como se escreveu no Acórdão nº.3872/10, de 21/09/2010, do Tribunal Central Administrativo “IX)- Em direito tributário, existem várias situações de pré-contencioso, de que são exemplos os actuais artºs.86, nº.5, e 97, da L.G.T., e os artºs.117, nº.1, 131, nº.1, 133, nº.2, e 134, nº.7, do C.P.P.T., e a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam tais normas (já existentes no anterior C.P.T.) como opções legislativas fiscais sem inconstitucionalidade associada, permitindo o debate de determinadas matérias no seio de órgãos colegiais que, pela sua composição, representatividade e tecnicidade, melhor estarão habilitados a discuti-las, ainda em sede graciosa.”; 16-No artº.139, nº.6, do C.I.R.C., o legislador entendeu que as escrituras públicas não constituem prova suficiente do preço efetivamente praticado no negócio, para efeitos de afastamento da norma anti abuso do artº.64, do C.I.R.C., o que veio reflectir alguma jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº. 3101/01, de 29/04/2003 (anterior portanto aos artºs.64 e 139, do C.I.R.C.), a propósito de correções de valores suportados em escrituras públicas; 17-Face aos valores em presença, considerou-se pois neste Acórdão que a possibilidade de acesso às contas bancárias seria o meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e afastamento de uma norma anti abuso), não tendo assim considerado o disposto no 139, nº.6, do C.I.R.C., como uma medida excessiva relativamente ao fim a obter, o que significa que o princípio da proporcionalidade foi respeitado; 18-O dever fundamental de pagar impostos, estabelecido no artº.103, nºs.1 e 2, da C.R.P., já não se esgota no tradicional cumprimento de obrigações pecuniárias; 19-Efectivamente, face à deslocação sistemática de fases do procedimento de determinação, liquidação e cumprimento das obrigações fiscais para os particulares, assiste-se actualmente a uma transformação funcional da administração tributária, relegada fundamentalmente para funções de controlo e fiscalização dos impostos, tornando-se inevitável que o Estado reforce os poderes de inspecção da administração tributária; 20-Ora, “… esse reforço não deverá deixar de compreender o acesso da administração tributária a informações protegidas pelo segredo bancário...”; 21-Outro...

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