Acórdão nº 0166/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução17 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A……, Lda., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2008, no TAF de Sintra, que decidiu julgar procedente a impugnação, anulando-se a liquidação.

  1. Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: “I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……., Lda, contribuinte nº ……, considerando que o nº 1 do artº 5º da Lei n.º 64/2008 de 5 de Dezembro que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no artº 1-A da mesma Lei, o qual alterou o artº 81º (actual artº 88º) do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos Com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, está ferido de Inconstitucionalidade Material, por violação do Principio da Não Retroactividade da Lei Fiscal previsto no nº 3 do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa.

    1. Não existe razão de princípio para afastar a retroactividade das normas favoráveis aos contribuintes. Analisando toda a nova redacção do artº 81º (actual artº 88º) do CIRC deve entender-se que a alteração ao regime da tributação autónoma apesar de ter sido gravosa para alguns contribuintes, foi muito favorável para outros, uma vez que criou uma exclusão de tributação e criou uma discriminação positiva para os veículos menos poluentes, sendo por isso este regime mais favorável aos contribuintes, III. Caso, se entenda que a nova redacção do preceito, em crise, é menos favorável aos contribuintes, importa, relembrar que o conceito de Retroactividade tem vindo a ser analisado e trabalhado pela Doutrina e pela Jurisprudência, chegando-se ao entendimento dominante que aquela apresenta 3 (três) graus diferentes de intensidade: a retroactividade de 1º grau, autêntica ou forte abrange seria os casos em que se aplique uma nova lei fiscal a factos que se verificaram por inteiro, no domínio da lei antiga. Na retroactividade de 2º grau ou intermédia, os factos ocorreram no domínio da lei antiga mas ainda não foram totalmente produzidos os seus efeitos, que se vêm a verificar já com a lei nova em vigor. Na retroactividade de 3º grau ou mínima, os próprios factos não se verificaram por inteiro no domínio da lei antiga, prolongando-se a sua produção já com a lei nova em vigor.

    2. Estabelece o n.º 9 do art.º 8º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro, que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”. Pelo que na linha do Parecer n.º 83 de 19 de Junho de 2012, emitido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público (neste processo) sustenta-se que “o dia 31 de Dezembro de cada ano é o momento gerador de IRC, O facto da Lei n.º 64/2008, de 5-12, ter entrada em vigor no dia seguinte, o facto gerador do imposto ocorreu no dia 31 de Dezembro desse ano, momento em que se considera encerrado o ano económico, devendo ser aplicada a nova taxa a todo o período gerador do resultado do exercício.

    3. Assim, a Retroactividade existente, na norma em crise, é mínima (3º grau), e como tal não abrangida pelo princípio contido no n.º 3 do artº 103.º da CRP.

    4. Como é bem afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, apesar da retroactividacle mínima, “nada obsta que a questão seja ainda analisada à luz do princípio da protecção da confiança”.

    5. A tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação visa evitar que através de despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros pelos sócios ou accionistas, que assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, e ficariam longe da tributação em sede de IRS, bem como da segurança social, quer ao nível da TSU, quer ao nível das contribuições obrigatórias, pelo que não se pode esperar que o legislador pretenda conferir o mesmo nível de tutela constitucional que confere a outras situações.

    6. Seguindo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 18/2011 de 12 de Janeiro, concluímos que se essas despesas eram efectivamente necessárias “ao desenvolvimento da actividade da empresa e à obtenção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas mesmo que fosse já conhecida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável; além de que o regime legal, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n. 64/2008, tinha já em vista estabelecer limitações para os encargos de exploração que pudessem figurar como custos ou perdas de exercício.” IX. Quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios em que a AT foi condenada, diga-se quê no presente caso estamos perante uma autoliquidação. Nestes casos “tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os actos que determinam a quantia a pagar” (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6ª Edição, 2011, Pág. 536).

    7. “No Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional (...) a menos que o TC tivesse já emitido declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” (Acórdão STA de 12 de Outubro de 2011, Proc.: 0860/10).

    Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.

    PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

  2. Não houve contra-alegações.

  3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.

  4. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II-FUNDAMENTOS 1. DE FACTO A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade: “A) A Impugnante é uma sociedade anónima e possui a classificação de actividade económica n.º 46.460 — comercio por grosso de produtos farmacêuticos, sendo que em termos...

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