Acórdão nº 1452/12.1T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução16 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

ICE A...

LTD, interpôs recurso de revisão de sentença condenatória e já transitada em julgado contra si instaurada por I (….), LDA.

Alegou: - em 2007, foi instaurada acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário pela empresa I (…)r; - em 24.04.2007, a petição inicial, que foi enviada via correio registado com aviso de recepção, foi recebida na sede da Recorrente, desconhecendo-se, no entanto, quem possa ter recebido a citação da petição inicial, sendo imperceptível a rubrica aposta no AR; - em 17.12.2007, foi aberta conclusão ao Mmo. Juiz para proferir sentença; - em 20.12.2007, a sentença foi enviada à Recorrente, via correio registado, mas não a recebeu; - em 07.05.2012, a Recorrente foi notificada do processo de execução da sentença; - a notificação foi feita através do tribunal islandês competente, no âmbito do processo de declaração executória de sentença, tendo sido acompanhada de certidão da sentença e da respectiva tradução, feita em 2011; - a Recorrente é uma sociedade islandesa, com sede na Islândia; - a petição inicial foi redigida em português, tendo sido citada à Recorrente em português sem tradução para islandês ou sequer inglês; - a Recorrente, perante um documento redigido em português, sem qualquer tradução, enviado directamente de Portugal, não teve percepção de que o mesmo se revestia de carácter oficial e de que era relativo a uma acção que tinha sido instaurada contra ela e que a empresa “ B (...)” estava a pedir a já condenação no pagamento de determinada quantia; - nessa medida, nada disse ou fez, não constituiu advogado, não apresentou contestação nem qualquer outro requerimento no processo; - somente em 7 de Maio de 2012, a Recorrente se apercebeu do que tinha ocorrido em 2007, pois, desta vez, a empresa “I...”, interessada na obtenção do pagamento da quantia, teve a “gentileza” de traduzir os documentos para inglês, não para que a Recorrente tivesse conhecimento dos mesmos, somente porque assim lhe foi exigido pelas autoridades islandesas; - só quando recebeu a documentação traduzida, a Recorrente se apercebeu de que o seu direito de defesa na acção declarativa não havia sido exercido por ignorância da língua, opondo-se à executoriedade da sentença nas instâncias islandesas.

- o Mmo. Juiz antes de permitir o andamento do processo declarativo e de ter proferido a sentença condenatória deveria ter pugnado pela verificação da situação de ausência completa de intervenção da recorrente do processo e, se fosse caso, deveria ter ordenado a regularização da situação, permitindo à recorrente o acesso aos elementos constantes do processo, ordenando a sua tradução, pelo menos para inglês, a língua universal, ao invés de decidir que a Recorrente havia sido regularmente citada e que nada disse ou fez, considerando confessados os factos da petição inicial, quando os mesmos não podiam ser confessados ou admitidos por quem não os conhecia; - também grave é o facto da Recorrente não ter tido conhecimento da sentença condenatória e, também por isso, não lhe ter sido dada a possibilidade de recorrer ordinariamente da mesma; - a condenação da Recorrente sem que esta tenha tido a possibilidade ou sequer a capacidade de se defender é totalmente inaceitável num Estado de Direito.

- deve, por isso, a sentença ser revista e revogada e, para que se faça plena Justiça, deve ordenar-se a repetição de todo o processado desde a apresentação da petição inicial de forma a permitir que a Recorrente apresente a sua versão dos factos e se possa defender.

Pediu: A Anulação dos termos do processo subsequentes à citação nula e ordenando-se a sua citação para a causa com envio de documentos devidamente traduzidos.

  1. Foi proferido despacho que não admitiu o recurso.

  2. Inconformada recorreu a impetrante.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. O problema principal, e do qual resultam as conclusões aqui explanadas infra, reside na irregularidade da citação por via postal registada de pessoa colectiva estrangeira, residente no estrangeiro, em país cuja cultura, língua, sistema judicial é manifestamente distinto do país de onde emana o acto oficial de citação.

    1. Era imperioso, sob pena de não cumprimento do objectivo pretendido com o acto de citação, que a Recorrente tomasse conhecimento, em língua para ela acessível e inteligível, de que havia sido citada para contestar uma acção contra ele intentada e de que poderia recusar-se a receber a citação por falta de tradução.

    2. Era igualmente impositiva uma postura mais diligente da parte do Tribunal que, após verificar que não houve qualquer intervenção da parte da Recorrente, designadamente a solicitar a tradução dos documentos, apurasse se a citação havia sido regularmente efectuada e se esta havia tido a total percepção do acto para o qual havia sido citada.

    3. “Se ao estrangeiro, no acto da citação, residente no estrangeiro, não for informado da possibilidade da recusa do acto, por não ir acompanhado da tradução, a citação é nula, por indiscutivelmente estarmos, face à lei portuguesa, diante de uma formalidade essencial (art.º 198º, n.º 1 do CPC).” (Ac. TRL de 17.11.2009, proc. n.º 3003/08.3TVLSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt).

    4. Será inaceitável, inadmissível até, num Estado de Direito que se aceite que o sistema jurídicoprocessual se baste com a verificação formal do acto processual sem cuidar de apurar se substancialmente a parte envolvida está ciente de que contra si corre uma acção e de que lhe assiste o direito de defesa, através do exercício do contraditório e do acesso ao direito.

    5. É latente a injustiça ínsita numa interpretação formal das normas processuais, da forma como o Tribunal fez, bastando-se somente com a verificação do cumprimento do normativo processual nacional. Tornava-se imperiosa a tradução da citação, da petição inicial e documentos que a acompanhavam de forma a permitir o pleno exercício do direito de defesa, através do contraditório, pela Recorrente.

    6. Indubitavelmente que a violação do princípio do contraditório decorre da irregularidade da citação – nulidade não sanada com nova citação (cf. artigos 195º al. e) e 196º do CPC) – e culminou na prolação de uma decisão nula por violação do disposto no artigo 668º, n.º 1 al. d) e artigo 3º, ambos do CPC.

    7. Na definição do Prof. Dr. Manuel de Andrade, “nulidades processuais são quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.” (in Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 175).

    8. Um dos desvios de carácter formal tendo em atenção o artigo 193º do CPC, e de acordo com o Prof. Dr. Antunes Varela (no seu “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 387) será a realização de um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido.

    9. O acto de citação, apesar de cumpridor das normas internas e internacionais quanto à forma de execução, materialmente violou a lei ao não permitir a plena compreensão do acto citado, em clara, violação do n.º 3, in fine do artigo 228º do CPC.

    10. À Recorrente não foi reconhecido o mesmo estatuto processual que ao Autor da acção, porquanto não pode usar das mesmas “armas” que aquele, mormente, a apresentação da sua versão dos factos e a prova dos...

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