Acórdão nº 2449/08.1TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução16 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I - AA - ..., Lda., instaurou contra BB e mulher, CC, e DD e mulher, EE, acção declarativa, sob a forma do processo ordinário, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 194 921,99 (cento e noventa e quatro mil novecentos e vinte e um euros e noventa e nove cêntimos), a título de indemnização por danos sofridos, acrescida de juros à taxa comercial desde a data do pagamento realizado pela Autora até efectivo cumprimento pelos Réus, importando os já vencidos em € 19 800 (dezanove mil e oitocentos euros), e a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença referente aos factos alegados nos artigos 44.° a 52.° da petição inicial.

Invocou, para tanto e em síntese, que os Réus, por contrato outorgado em 25-07-2000, transmitiram a FF, GG, HH e II, a totalidade das quotas da Autora, tendo ficado acordada a venda da sociedade livre de qualquer passivo, nomeadamente do valor de esc. 28 457 768$00 a débito que constava do respectivo balanço, procedente de prestações vencidas e não pagas do contrato de subconcessão celebrado em 28-04-1994, entre a AA, Lda., e a “Companhia JJ”, que seria integralmente suportado pelos transmitentes.

Todavia, no princípio do mês de Outubro de 2000, a Autora foi citada, como Ré, numa acção declarativa de condenação com processo ordinário, em que figurou como Autor KK, na qualidade de liquidatário judicial da Companhia de JJ, S.A., na qual veio a ser proferida decisão, transitada em julgado, que condenou a aqui Autora a pagar à “Massa falida da Companhia de JJ” a quantia de € 132 777,95, acrescida de juros de mora às taxas supletivas para os juros comerciais, contados sobre o valor de € 62 349,74 euros desde a data da citação, e sobre o montante de € 49 879,79 desde 24-10-2002 até integral e efectivo pagamento, que a Autora já pagou, num total de € 180 000, referente a capital e juros. Para além desta quantia, a agora Autora suportou também custos com taxas de justiça e juros do empréstimo que teve de contrair para pagar o referido montante (cf. fls. 4 a 10).

Na sua contestação, os Réus invocaram a excepção contida nas cláusulas 7.ª e 9.ª do contrato promessa de cessão de quotas, no sentido de que tais cláusulas só diziam respeito às dívidas da Autora desconhecidas dos promitentes adquirentes na ocasião da celebração do contrato, por não contabilizadas ou documentadas, quando é certo que a dívida da AA à “Companhia de JJ” era do conhecimento dos promitentes adquirentes. E impugnaram os demais fundamentos da acção (cf. fls. 152 a 155).

Proferido despacho saneador, e seleccionada a matéria de facto assente e integrante da base instrutória (cf. fls. 163 a 165 verso), realizou-se a audiência de discussão e julgamento, proferindo-se, a final, decisão sobre a matéria de facto.

Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 62 349,74 (sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa comercial, vencidos e vincendos, contabilizados sobre tal montante desde 01-01-1998, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se os Réus da parte restante do pedido.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreram a Autora e os Réus, sem êxito, uma vez que a Relação negou provimento aos recursos e confirmou, por unanimidade, a sentença recorrida.

Persistindo inconformados, voltam a recorrer os Réus, através de revista excepcional, ao abrigo do disposto nos arts. 721.º, n.ºs 1 e 3, e 721.º-A, n.ºs 1, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil (CPC), recurso admitido pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do art. 721.º–A, do CPC (cf. fls. 603 a 613).

A finalizar a sua alegação de recurso, os Réus alinharam as seguintes conclusões: “1. Admitindo a lei o recurso ordinário do Acórdão recorrido cabe nesta sede arguir a sua nulidade – por violação do normativo previsto no n.° 1 do art. 668.° e al. c), do n.° 1 do art. 722.° do Código de Processo Civil.

  1. O Acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação e ainda por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, violando o disposto nas als. b) e d) do n.° 1 do art. 668.°, quer no plano da fundamentação fáctica, quer do direito, porquanto: - não concretizou nem fez a devida correspondência entre factos ou argumentos que justifiquem a sua decisão; - remeteu apenas para os fundamentos da sentença e limitou-se a aduzir meras repetições genéricas da sentença recorrida; - limitou-se ainda a acrescentar singelamente um argumento de “esvaziamento de conteúdo” do teor das cláusulas em discussão sem qualquer apoio em factos provados (aliás nenhuma justificação é fornecida para tal "acrescento"; - não integrou quaisquer factos, nem adiantou suficientemente quaisquer razões de direito, para sustentar a sua decisão; - fica por se perceber porque é que considera o contrato promessa um contrato misto, porque é que existe uma assunção de cumprimento de dívidas e porque é que o contrato prometido não extingue as obrigações do contrato prometido; 3.ª - O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da licitude /ilicitude da pretensa assunção de cumprimento de dívidas levantada nas conclusões 37 a 41 da apelação interposta.

    1. - O disposto no art. 668.° do Código de Processo Civil (requisitos da sentença e causas de nulidade) aplica-se aos acórdãos dos tribunais superiores, por força do disposto nos arts. 713.° n.° 2, 716.° n.° 1, 721.°, 731.° e 732.°, todos do Código de Processo Civil.

    2. - A Recorrida, AA - Gestão de Recursos … Lda., instaurou contra os aqui Recorrentes, acção para pagamento da quantia de € 194 921,99 e juros à taxa comercial, com fundamento em contrato promessa celebrado de cessão de quotas.

    3. - No seu entender, por força das cláusulas 7.ª e 8.ª daquele contrato promessa, todas as dívidas e encargos, bem como os créditos da referida AA, existentes até 31/05/2000 seriam suportados e recebidos exclusivamente pelos aqui RR, sendo ainda que a escritura pública de cessão de quotas foi celebrada em 25/07/2000.

    4. - Alegaram ainda que por força de acção interposta pelo liquidatário judicial da falida Companhia de JJ, SA, veio a Autora AA, a ser condenada a pagar a quantia constante dos autos.

    5. – Os aqui Recorrentes contestaram, pugnando entre outros argumentos que tais cláusulas não tinham qualquer validade ou eficácia por não constarem do contrato definitivo (a escritura de cessão de quotas).

    6. – A sentença da Primeira Instância, julgou a acção parcialmente procedente e condenou os aqui RR no pagamento à Autora da quantia constante nos autos.

    7. – Ali se entendeu que: a) Resultaria claro, das cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª do contrato promessa celebrado, que os RR assumiram em exclusivo a responsabilidade por todas as dívidas da sociedade AA existentes até ao dia 31-05-2000.

      1. A exoneração, pelos Réu, do pagamento de tais dívidas pela primitiva obrigada, constitui uma assunção de cumprimento de dívida, pela qual os RR se obrigaram a cumprir perante os credores da sociedade Autora, em vez desta.

      2. Em face do teor das cláusulas do contrato, poder-se-ia concluir que as partes celebraram um contrato misto de promessa de cessão de quotas e de assunção de cumprimento de dívidas da sociedade.

      3. Em cumprimento da promessa de cessão de quotas, foi celebrada em 25-07-2000, escritura pública de cessão integral das quotas dos aqui RR, passando a ser únicos sócios FF, GG, HH e II.

      4. Este acto jurídico concluiu com sucesso a obrigação de promessa de cessão de quotas celebrado entre as partes, bem como o pagamento do respectivo preço.

      5. Mas subsistiu a obrigação de cumprimento das dívidas da sociedade, à qual se aplicariam as regras atinentes a este tipo contratual.

      6. A sentença concluiu que a celebração do contrato de cessão de quotas não revogou, nem extinguiu, pelo cumprimento, a obrigação assumida pelos RR do pagamento da dívida da AA à Companhia JJ, pelo que assistiria à Autora direito a exigir dos RR o seu cumprimento.

    8. - A questão basilar nestes autos é saber se a celebração do contrato prometido extinguiu ou não as cláusulas e obrigações constantes do contrato promessa.

    9. - O contrato promessa é a convenção pela qual as partes se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.

    10. - Pelo contrato promessa as partes criam uma obrigação de contratar ou de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato promessa (cfr. Antunes Varela - Das Obrigações em Geral Vol I).

    11. - O contrato prometido será celebrado sempre em momento posterior ao contrato promessa, podendo as partes aí livremente modificá-lo ou extingui-lo parcialmente, se essa for a sua vontade.

    12. - No caso sub judice as partes obrigaram-se a celebrar um contrato promessa cujo contrato prometido só poderia ser celebrado por escritura pública.

    13. - Ou seja, as partes compareceriam obrigatoriamente perante um notário(a) e aí tratariam de cumprir o contrato promessa, ali apondo ou não as cláusulas que haviam acordado, ali modificando ou não as cláusulas que haviam acordado, ali extinguindo ou não as cláusulas que haviam acordado.

    14. - Chama-se aqui à colação o afirmado pelo mesmo Ilustre Antunes Varela naquela obra: “a principal razão justificativa da exigência legal de escritura pública para celebração de determinados negócios está na relativa garantia, dada pela intervenção de um perito especialmente qualificado, como é o funcionário documentador, de que as partes foram devidamente esclarecidas sobre o acto realizado, de que elas agiram livremente e de que o acto será redigido em termos não só de respeitar o princípio da fidelidade às declarações emitidas, mas salvaguardar também os interesses de terceiros e do próprio Estado eventualmente ligados à realização do negócio.” 25.ª - Se a vontade das partes que as cláusulas 7.º, 8.ª e 9.ª do contrato promessa em análise continuassem a vigorar...

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