Decisões Sumárias nº 306/08 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução30 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 306/2008

Processo n.º 328/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das seguintes normas: a) artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, quando interpretado no sentido de “que nenhuma obrigação recai sobre a autoridade administrativa de ... nomear defensor” a menos que se trate dos “casos em que o arguido esteja diminuído nos seus poderes de defesa, como sejam os que se encontram contidos na al. c) do nº 1 do art. 64º do Código de Processo Penal”; b) artigo 143.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, “quando interpretado no sentido da sua aplicação retroactiva a arguidos que, antes da entrada em vigor daquele citado diploma, já não eram reincidentes à luz do diploma vigente à data da prática do facto contra-ordenacional anteriormente praticado (D.L. n 265-A/2001, de 28.09, que prescrevia, no seu art. 144° nº 1, um período de reincidência de 3 anos)”; e, c) artigo 175.°, n.º 4 também do Decreto-Lei n.º 44/2005, “quando interpretado no sentido de que o arguido que paga voluntariamente a coima, não pode colocar, depois em causa a prática dos factos, negando-os, mas, tão só, se pode defender, no tocante à gravidade da infracção e a sanção acessória”.

2 – Com interesse para a decisão, relata-se o seguinte:

2.1 – O recorrente fora condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 81.º, n.ºs 1 e 5.º, alínea b), 138.º e 146.º, alínea j), todos do Código da Estrada, na sanção de inibição de condução por 180 dias.

Inconformado, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial de tal condenação, o qual foi julgado improcedente por sentença proferida no 4.º Juízo Criminal de Cascais.

Discordando do decidido, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, perante o qual, em síntese, argumentou:

“1 - O recorrente mantém que não pode ser sancionado como reincidente, sob pena de um TOTAL ABSURDO da ordem jurídica, como se apura do confronto entre o caso do recorrente e o supra citado caso de B..

2 - Efectivamente, o recorrente praticou uma contra-ordenação grave em Agosto de 2001 e o dito B. uma contra-ordenação grave em Outubro de 2001, vindo o recorrente a praticar nova contra-ordenação, agora muito grave (a dos autos), Novembro de 2004 e o dito B. a praticar nova contra-ordenação, agora muito grave, em Novembro de 2004.

3 - Ora, como o B. praticou aqueloutra contra-ordenação grave em Outubro de 2001, isto é, para além dos 3 anos previstos naquele citado art. 144º, não foi, nem podia ser, considerado reincidente, nos termos daquele art. 144º do Código da Estrada então vigente, pelo que é sancionado apenas pela contra-ordenação praticada em Novembro de 2004; mas o recorrente, apanhado nas malhas do novo Código da Estrada é agora considerado reincidente!!!. Ele, que praticou a anterior contra-ordenação ainda antes da primeira contra-ordenação do B.!!! E a última contra-ordenação ainda depois da última contra-ordenação do B.!!!

4 - O prazo ou período ínsito no art. 143° nº 1 do actual Código da Estrada não poderá ser interpretado no sentido de abranger infracções praticadas ao abrigo do anterior C E., em violação do prazo constante do art. 144° deste diploma revogado, e conforme resulta da aplicação concreta dos factos imputados ao recorrente.

5 - “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (cfr. art. 13° nº 1 CRP). Mais a mais quando “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo” (cfr. art. 2° do C.P. e art.s 18° nº 3 e 29°, nº 4 da CRP), sabido que é, que tal carácter geral e abstracto se refere, no domínio dos direitos fundamentais, ao Princípio da Igualdade.

6 - Como é que uma norma (a ínsita no art. 143º nº 1 do DL. 44/2005, de 23 de Fevereiro), pelo menos quando aplicada mecanicamente (passe a expressão e salvo o devido respeito), como nos parece ter feito o tribunal “a quo”, pode tratar de forma tão desigual o recorrente e o dito B., repescando retroactivamente e valorizando, em seu desfavor, uma contra-ordenação por aquele praticada em certa data (Agosto de 2001), e não atribuindo qualquer relevância a uma contra-ordenação por este praticada em data posterior àquela (Outubro de 2001), por referência ao art. 144° do anterior C.E.?

7- Ora bem, por outro lado, a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação, conforme se extrai da Ac. S.T.J. de 12.09.2007 (Processo nº 07P2587), do qual transcrevemos selectivamente o sumário (mais detalhado na motivação),

8 - A punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.»

9 - Assim, antes do mais, se é, parafraseando o Ilustre Prof. FIGUEIREDO DIAS, “… Impõe-se, por isso, para demonstração desta qualificativa, uma específica comprovação factual, uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”.

10 - No desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente, sempre será de perguntar quem será merecedor de maior censura, o Sr. B., que (no exemplo acima descrito) praticou a nova contra-ordenação 3 anos e 1 mês depois da anterior, ou o Sr. A., que praticou a nova contra-ordenação 3 anos e 9 meses depois da anterior? Porque há-de este último ser sancionado, automaticamente, como reincidente, quando aquele, que deveria em teoria ser abjecto de maior censura, não o foi?

11 - Mas enfim, o que é certo é que a entidade administrativa e o tribunal recorrido, ao arrepio da doutrina e jurisprudência dominantes e de que o citado acórdão se faz eco, limitaram-se a aplicar de forma mecânica e automática, o art. 143° nº 1 do D.L. 44/2005, de 23 de Fevereiro, sancionando o ora recorrido como reincidente, quando se lhes impunha – designadamente ao tribunal recorrido – citando aquele douto acórdão, para demonstração desta qualificativa, uma específica comprovação factual, uma enunciação de factos concretos dos quais se (pudesse) retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que (conduziu) à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor

12 - Ora, não descortinamos, nem na decisão administrativa, nem na douta sentença, qualquer específica comprovação factual, qualquer enunciação de factos concretos, donde se possa retirar a citada ilação, de forma a sancionar o ora recorrente como reincidente, pelo que a douta sentença recorrida é nula (arts. 379º nº 1 al. c) e 410º nº 2 al. b), ambos do CPP).

13 - Ainda, quer a decisão administrativa quer a douta sentença recorrida, que confirmou na íntegra aquela, fizeram errada aplicação do direito ao punir o arguido/recorrente como reincidente

14 - Efectivamente, tendo praticado uma contra-ordenação grave no ano de 2001, e nova infracção em Agosto de 2005, nunca poderia ser considerado e punido como reincidente nos termos do art. 144° do anterior C.E. devidamente cotejado com o art. 143° do actual C.E. e com os princípios da legalidade, da igualdade, da não retroactividade das leis e da aplicação da lei mais favorável ao arguido.

15- O recorrente veio também arguir a nulidade do processo por falta de nomeação oficiosa de defensor, que a Mma. Juiz “a quo” rejeitou, fundamentando: “...da mera leitura do preceito (art. 53º do D.L. nº 433/82, de 27.10) ...(deixa-se) para a apreciação casuística da autoridade que dirige o processo de contra-ordenação a definição dos casos em que é necessária ou conveniente, sendo indubitável que existirão situações em que esta nomeação não poderá deixar de se impor, como sejam todos os casos que o arguido esteja diminuído nos seus poderes de defesa, como sejam os que se encontram contidos na al. c) do nº 1 do artigo 64° do Código de Processo Penal (sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos ou se se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída), mas que tal obrigatoriedade, porém, deixa de existir se não houver dúvidas sobre a possibilidade de o arguido se defender adequadamente” (negrito nosso)

16 - Ora, independentemente de, com toda a consideração e respeito pela sua condição, não nos parecer que um cego, um surdo, ou mesmo um inimputável, possam tirar a carta de carta de condução ou, não tendo habilitação legal, sequer conduzir, donde sequer se pôr a questão de nomear defensor em tais (inexistentes) casos, o facto é que os exemplos dados pela sentença não se esgotam, nem se podem esgotar, aí, como bem se depreende da parte final do nº 2 daquele citado artigo 53º: “sempre que as circunstâncias do caso revelem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido” e até, se bem entendemos, do próprio trecho da sentença supra citado (“como sejam...”) E daí que a nomeação de defensor oficioso a um arguido possa ser exigível noutros casos, sendo que um deles pode muito bem ser o dos autos.

17 - Efectivamente, indo ao cerne da questão, a reincidência é um conceito de direito, cuja apreensão intelectual não é legítimo dar como adquirida num cidadão comum. E além disso, pelas suas consequências...

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