Acórdão nº 025/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A………………….

, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 13.9.12, que, concedendo parcial provimento ao recurso jurisdicional que interpôs, anulou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAC) de Lisboa, de 7.3.12, e julgou procedente a acção administrativa especial, intentada pelo ora recorrido Ministério Público (MP), decretando a inibição do ora Recorrente, por um período de três anos, para o exercício de cargo que obrigue à entrega no Tribunal Constitucional (TC) de declaração de rendimentos, património e cargos sociais.

Apresentou alegação (fls. 826, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1.

O presente recurso tem por objeto a apreciação das seguintes questões de direito: a incompetência absoluta dos tribunais administrativos para apreciação do litígio destes autos; a inexistência de caso julgado material relativamente Acórdão nº 201/2011 do TC; a não sujeição do Recorrente ao dever de entrega da declaração prevista na Lei n.º 4/83; a inconstitucionalidade da norma prevista na alínea b), do n.º 2, do art. 4.º da Lei n.º 4/83, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, segundo a interpretação do Tribunal a quo; a violação do princípio da aplicação da lei de conteúdo mais favorável e consequente inconstitucionalidade na aplicação da sanção de inibição e a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação no tocante à determinação do período de inibição a aplicar ao Recorrente.

2.

Em sede de recurso para o TCA Sul, o Recorrente alegou que parte da matéria de facto alegada na Contestação não foi apreciada e ou foi desconsiderada pelo Tribunal a quo, o que resulta na nulidade da sentença recorrida. No que respeita a este ponto, o TCA Sul não se pronunciou por considerar a questão prejudicada pela decisão que proferiu a propósito da existência de caso julgado material relativamente ao acórdão n.º 201/2011 do TC. Esta decisão será também objeto do presente recurso por entender o Recorrente que é fundamental para a decisão das questões de direito elencadas supra, nomeadamente para a determinação da sujeição ou não do Recorrente à obrigação de entrega da declaração prevista na Lei n.º 4/83, bem como da medida da sanção.

3.

Nos termos do art. 150.º do CPTA, só é admitido recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

4.

Quanto à relevância social, é manifesta no caso em apreço, já que está em causa o controlo dos rendimentos de titulares de cargos políticos e equiparados, entendendo-se aqui abrangidos titulares de cargos públicos e em empresas públicas.

5.

Quanto à relevância jurídica, tem-se entendido que é aferida pela utilidade jurídica da questão, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular.

6.

No presente caso pretende-se saber se determinada pessoa, com o exercício de determinado cargo numa empresa, está ou não sujeito à Lei n.º 4/83, que se destina, como a própria denominação indica ao regime de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos.

7.

Esta obrigação implica uma fortíssima restrição ao direito fundamental da reserva da vida privada, só justificável exatamente pela relevância social que hoje assume o controlo do exercício dos cargos públicos e políticos, e pode implicar, em caso de incumprimento, a aplicação de uma sanção de inibição do exercício dos cargos públicos e políticos previstos nesta mesma lei.

8.

É, pois, de importância fundamental determinar se os administradores não executivos de empresas compostas por capitais privados e públicos, como a empresa de que o Recorrente foi administrador e como tantas outras existem no país, está ou não sujeita às obrigações de entrega da declaração prevista na Lei n.º 4/83. Esta questão colocar-se-á sempre que determinada pessoa aceitar a sua designação como administrador executivo, ou mesmo não executivo, de uma empresa que tenha na sua composição capitais públicos.

9.

É manifesta a importância de determinar se a sanção de inibição tem a natureza sancionatória que implica a aplicação da lei mais favorável e se, à luz da lei atual, este mesmo administrador estaria ou não sujeito à obrigação de entrega da declaração prevista na Lei n.º 4/83, na sua redação atual. Toda a matéria respeitante à natureza sancionatória da medida de inibição e à competência para a determinação desta medida é também de grande relevância jurídica e social.

10.

Com efeito, se estamos perante uma norma de natureza sancionatória e à determinação da medida da sanção são aplicáveis os princípios do Direito Penal, como defende o Recorrente, é importante determinar, para o caso do Recorrente e também para os inúmeros casos futuros semelhantes que possam surgir, se um pedido de esclarecimento de dúvidas ao Tribunal Constitucional impede o requerente de exercer o seu direito de defesa quanto aos pressupostos fácticos de aplicação da sanção, nomeadamente sobre o próprio âmbito subjetivo da obrigação de entrega da declaração, bem como determinar se a sanção pode ser fixada por um tribunal administrativo e qual o grau de fundamentação suficiente para a determinação da medida da sanção (número de anos de inibição).

11.

Ainda que não se entendesse que o caso em apreço reveste relevância jurídica ou social, deveria admitir-se a revista já que esta mostra-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

12.

Pode retirar-se da jurisprudência do STA que a revista deve ser admitida caso estejamos perante qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável (v. nomeadamente os acórdãos de 26 de janeiro de 2012, proferidos nos processos n.ºs 0116/11 e 05/12).

13.

Salvo o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de erros grosseiros, como é exemplo o da decisão de não apreciação do vício de incompetência material absoluta por não ter sido alegado em sede de contestação pelo Recorrente, e posições juridicamente insustentáveis, inclusive face a princípios constitucionais fundamentais de um Estado de Direito.

14.

A gravidade destes erros manifesta-se também nas consequências que deles se extraem. Estamos perante a fixação de uma sanção que restringe o direito fundamental ao exercício de cargos públicos e políticos por três anos, e a aplicação desta sanção foi feita em desrespeito dos elementares princípios de defesa, acesso à justiça e reserva da vida privada, que são fundamentais num Estado de Direito.

15.

O Tribunal a quo decidiu que a incompetência material do tribunal, não tendo sido suscitada na defesa do réu aquando da apresentação da contestação, constitui questão nova que o tribunal de recurso não pode apreciar, atento o disposto nos arts. 484.º do CPC e 87.º, n.º 2, do CPTA, tanto mais que não existe qualquer patente situação de incompetência material que obrigue a uma interpretação restritiva desta última norma, nos termos do disposto no artº 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da CRP e art.º 5.º do ETAF.

16.

No entanto, nos termos dos arts. 101.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, e 102.º do mesmo Código, aplicável nos mesmos termos, não é necessário que a incompetência material seja suscitada na defesa do réu aquando da apresentação da contestação, nem a incompetência material é uma questão nova. Esta é matéria de conhecimento oficioso, pelo que pode ser apreciada ex novo em recurso, como é repetido pro dezenas de acórdãos dos tribunais superiores.

17.

Os tribunais competentes para apreciação do pedido formulado nos autos são os tribunais judiciais e não os tribunais da jurisdição administrativa.

18.

A Lei n.º 4/83, o Decreto-Regulamentar n.º 1/2000 e a LOTC não esclarecem quais os tribunais competentes em razão da matéria para a aplicação ao titular de cargo político ou equiparado da sanção prevista para a não apresentação da nova declaração atualizada de património e rendimentos; 19.

Na ausência de especificação legal expressa a este respeito, a jurisdição competente para a apreciação da causa decidendum afere-se segundo os critérios de determinação de competência constantes das leis de organização judiciária e de funcionamento dos tribunais 20.

O litígio dos autos não emerge de qualquer relação jurídica administrativa. Pelo contrário, está em causa a aplicação de uma sanção por incumprimento de um dever e, como tal, direito sancionatório de natureza penal, matéria que, nos termos da lei, não está submetida à jurisdição administrativa; 21.

Por conseguinte, nos termos do disposto no art. 1.º, n.º 1, do ETAF, o litígio dos autos está fora do âmbito da jurisdição administrativa; 22.

O objeto do litígio dos autos não se compreende no vasto elenco das causas que o art. 4.º, n.º 1, do ETAF, manda submeter à jurisdição administrativa; 23.

Não é aplicável às ações intentadas com vista à determinação da sanção de inibição prevista no âmbito da Lei n.º 4/83, a regra constante do art. 11.º da Lei da Tutela Administrativa nos termos da qual se estabelece a competência da jurisdição administrativa para as decisões de perda do mandato e de dissolução de órgãos autárquicos; 24.

A T……………., empresa de cujo Conselho de Administração o Recorrente foi membro não executivo, é uma sociedade comercial, que se rege pelas regras previstas no CSC, que tem objeto privado, que é participada maioritariamente por entidades privadas e que age sem poderes de autoridade, pelo que se conclui que o objeto do presente está fora do âmbito de aplicação da Lei da Tutela Administrativa; 25.

Não há no mencionado diploma legal (nem no art...

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