Acórdão nº 2173/07.2TBGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: Os autores AA, BB e CC, DD e EE, FF, GG e II, herdeiros de JJ, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra KK e LL, MM e NN, OO e PP e QQ, pedindo que, na sua procedência, estes sejam condenados a reconhecerem os autores como titulares de prédio que identificam [a], a reconhecerem que, neste prédio, não existe nem está constituído qualquer encargo ou direito de servidão, designadamente de passagem, em benefício do prédio dos réus [b], a absterem-se de utilizar o logradouro do referido prédio para passarem para a sua casa e logradouro [c], a pagarem-lhes uma indemnização pelos prejuízos causados, em quantia a fixar em execução de sentença [d], a pagarem-lhes a sanção compulsória, no valor de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento da respectiva sentença [e], e, subsidiariamente, caso venha a ser provada a existência daquela servidão, a declarar-se a sua extinção, por desnecessidade [f].

Como fundamento da sua pretensão, alegam, em síntese, factos tendentes ao reconhecimento do direito de propriedade que reclamam, bem assim como que a parte habitável e o logradouro do prédio em causa, à semelhança e na continuidade de quatro habitações em tudo idênticas, uma das quais pertencente aos réus, são uma única e só realidade, ligadas, começando uma logo no fim da outra, situação que os réus desrespeitaram, despedaçando as grades e ocupando parte do logradouro do prédio que lhes não pertence.

Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, excepcionando a ilegitimidade passiva de LL e PP, e impugnam a versão apresentada pelos autores.

Na réplica, os autores reiteram a versão constante da petição inicial.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva.

A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e, nessa parte, procedente, pelo que, reconhecendo os autores como legítimos proprietários do prédio, identificado no artigo 2º da petição, declarou a não existência de qualquer servidão ou encargo, designadamente de passagem, pelo prédio dos autores, em benefício do prédio dos réus [I], condenou os réus a absterem-se de utilizar o logradouro dos autores para passar para sua casa e respectivo logradouro [II], condenou os réus no pagamento, aos autores, de indemnização, cujo quantitativo venha a liquidar-se em execução de sentença [III] e absolveu os mesmos réus de tudo quanto o mais contra eles é peticionado [IV].

Desta sentença, os réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, julgando ainda improcedente a acção, com a absolvição dos réus dos pedidos formulados pelos autores.

Do acórdão da Relação de Coimbra, os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, substituindo-se por outro que confirme a decisão da 1ª instância e julgue procedente o pedido ou, em caso de confirmação da existência da servidão, que esta seja declarada extinta, por desnecessidade, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª - Os R.R. alegaram nos artigos 29°. e 30°. da contestação que em relação ao "passadiço" são donos e possuidores e "convictos de que exercem direito próprio nomeadamente que são comproprietários de tal passadiço, pelo que o adquiriram, em comum e partes iguais por usucapião".

  1. - Sendo a usucapião a causa de aquisição de compropriedade não se pode com base nela dar como constituída a servidão de passagem sobre o imóvel (logradouro dos A. A.) como é da jurisprudência (Ac. RE de 29/3/90 e da doutrina (Código Civil Anotado Vol. II, Pag. 66 de Pires de Lima).

  2. - Não tendo os R.R. deduzido pedido reconvencional não é possível nesta acção considerar demonstrada a constituição e o reconhecimento de uma servidão legal de passagem.

  3. - A aquisição por usucapião de tal servidão além dos pressupostos legais, exige-se que seja pedido o seu reconhecimento por reconvenção uma vez que se trata de uma faculdade (Artigo 1287° do Código Civil).

  4. - O prédio urbano dos R.R. mesmo com o logradouro não é um prédio encravado, tem uma porta para a Rua Principal e tem uma porta que dá acesso ao logradouro.

  5. - Além disso uma servidão só pode constituir-se sobre prédios rústicos vizinhos, o que não é o caso uma vez que estão em causa prédios urbanos, característica urbana que acompanha mesmo os logradouros um vez que estes fazem parte integrante das casas 9 (R.R.) e 10 (A.A.).

  6. - O Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 1550°. do Código Civil.

  7. - Os habitantes das casas 7, 8 e 9 (R.R.) utilizam por vezes como passagem e acesso às ditas casas uma faixa de terreno colocada logo de seguida à parede exterior da casa, como ficou provado (n°. 8 dos factos provados na enumeração da Relação).

  8. - Esta situação de utilização por vezes afasta a posse própria de usucapião que deve ser mantida por certo lapso de tempo, o que não é o caso, violando-se assim o disposto no Artigo 1287° do Código Civil.

  9. – Os A.A. vêm pontualmente discordando da utilização do seu logradouro como passagem dos R.R., o que constitui oposição que afasta a posse pacífica de tal utilização.

  10. - Designadamente os A.A. construíram uma vedação que os R.R. destruíram em 25/7/2005 (n°s. 9 e 22 dos factos provados na enumeração da Relação e documento - Participação-Crime junta na Audiência de Julgamento de 10/02/2011).

  11. - A oposição e discordância pontual dos A.A. com a falta de convicção dos R.R. de exercerem um direito de passagem a título de servidão pelo logradouro impedem a posse própria para usucapião como titulares de um direito de servidão.

  12. - O art°. 323°, ex vi do art°. 1292° do Código Civil não é aplicável ao caso presente onde nem sequer há posse válida para usucapir por falta de elementos essenciais já descritos.

  13. - Com a oposição e falta de convicção nem sequer correu o prazo de usucapião ou de aquisição prescritiva, pelo que não se interrompe um prazo que nem sequer está a decorrer. Esta é uma das situações salvaguardadas pelo disposto no art°. 1292° do Código Civil quando se refere a "com as necessárias adaptações".

  14. - O Acórdão recorrido viola ou interpreta erradamente também os art°s. 1292° e 323° do Código Civil.

  15. - Ainda assim e sem prescindir, a participação-crime provada por documento junto aos autos e não impugnado, com pedido de procedimento criminal, constituição de assistente e manifestação da intenção de pedir uma indemnização é meio idóneo para interromper a prescrição, a posse aquisitiva ou a usucapião, caso tivesse começado a decorrer o prazo o que não se verifica.

  16. - Não há "corpus" nem "animus" da parte dos R.R. para aquisição de servidão de passagem por usucapião.

  17. - Sem prescindir, caso o Supremo Tribunal de Justiça decida confirmar a existência de servidão de passagem, o que só por hipótese se considera, deverá o Supremo Tribunal apreciar e decretar a extinção de tal servidão por desnecessidade.

  18. - Os R.R. não têm necessidade da dita servidão para acederem e usufruírem com suficiência a sua casa e logradouro.

  19. - E esta desnecessidade está provada nas alíneas C) e D) dos factos assentes e resposta ao quesito 4° da base instrutória, que aqui se dão como reproduzidos.

  20. - A fundamentação para a improcedência deste pedido subsidiário não tem consistência nem razão quer sob o ponto de vista factual quer jurídica. Assim, 22ª - Os R.R. podem sem qualquer sacrifício aceder à sua casa pela porta principal, os funcionários da Câmara Municipal de Manteigas podem muito bem e sem qualquer dificuldade fazer a leitura do contador entrando pela porta principal e até acederem ao logradouro pela porta da cozinha e a dificuldade ou impossibilidade da entrada de eletrodomésticos pela porta principal prevista na resposta ao quesito 12° da base instrutória é matéria conclusiva, pelo que deverá dar-se como não escrita.

  21. - Além de que tal resposta é demasiado genérica para ter qualquer interesse útil. Não se indicam nem se provou as medidas das duas portas (principal e das traseiras para o logradouro), de qualquer das portas interiores da casa, não se indicam, não se alegam nem ficam provadas as medidas da cozinha, quais os eletrodomésticos que os R.R.

    utilizam, suas medidas e se alguma vez os R.R. utilizaram tal passagem para introduzir eletrodomésticos na sua casa.

  22. - Aliás, tal fundamentação não obedece aos princípios da adequação e proporcionalidade para constituição de uma servidão para passar um eletrodoméstico, o que se faz de muitos em muitos anos e é da experiência universal que não se constitui uma servidão para passar um frigorífico ou um fogão. Aliás, se na porta principal não passa um de maiores dimensões sempre é exigível aos R.R. adquirirem equipamentos de cozinha, designadamente eletrodomésticos ou outros móveis que possam entrar na casa pela porta principal.

  23. - A decisão quanto a este pedido subsidiário ofende o disposto no art° 1564° uma vez que não é previsível quando se tenha de substituir um frigorífico, nem fica provado nem foi alegado se alguma vez os R.R. já utilizaram a dita passagem para passar com qualquer eletrodoméstico, o que eventualmente nunca aconteceu, defendendo-se uma servidão sem qualquer necessidade.

  24. - Finalmente sempre se dirá que o incómodo da passagem é extremamente superior ao benefício do prédio dominante, e em caso de necessidade comprovada sempre os R.R. poderiam deitar mão da passagem forçada momentânea (Art°. 1349° do Código Civil) se os A.A. não dessem o seu consentimento, e que efetivamente não deixariam de dar.

  25. - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra violou ou interpretou erradamente o disposto nos art°s. 1251°, 1263°, 1287°, 1290°, 1292°, 1543°, 1544°, 1548°, 1565°, 1569°, n°s 2 e 3 e 323°, n°s 1 e 4 do Código Civil, disposições legais que devem ser aplicadas e interpretadas no sentido acima exposto.

    Nas suas contra-alegações, os réus concluem no sentido...

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