Acórdão nº 0949/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução20 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.1. A………, posteriormente substituída pela Massa Falida de A………, intentou em 2002, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção declarativa de responsabilidade civil extracontratual, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 271.809.177$00 (€1 355 778,46), acrescida de juros legais a partir da citação, em razão dos prejuízos sofridos por ter sido ilegalmente preterida no âmbito do concurso público para execução de empreitada de construção do lanço de estrada «IP5 – Pirâmides/Barra».

1.2. Por sentença do TAC de Lisboa de 30 de Janeiro de 2012 (fls. 1641 e segts.), a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo o Estado condenado ao pagamento da quantia de € 511.338,99, acrescida de juros legais a partir da citação.

1.3. O Estado Português interpõe o presente recurso jurisdicional, concluindo nas respectivas alegações: «1. Está em causa a responsabilidade do Estado por acto administrativo anulado e impossibilidade de execução do julgado anulatório.

  1. A procedência de uma acção de responsabilidade civil por facto ilícito, mesmo nestes casos, exige a demonstração dos elementos constitutivos de tal responsabilidade, isto é: o facto, a culpa, o dano, o nexo da causalidade.

  2. A falta de audiência prévia que vicia o acto de adjudicação de uma obra e que por isso é anulado, apenas é idóneo para suportar o pedido de indemnização daqueles danos que para o destinatário do acto decorram da falta da sua audição.

  3. A única ilegalidade julgada verificada no acto em que vem filiada a responsabilidade (preterição do dever de audiência) não tem potencialidade para alicerçar causalmente o pedido de indemnização formulado por lhe faltar a demonstração do seu carácter lesivo no âmbito de algum interesse substantivo protegido pela norma violada.

  4. Nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios e no caso, estamos perante uma das ilegalidades veniais que, sob pena de um perigoso empobrecimento do património público, não podem dar origem a responsabilidade pois, da factualidade relevante nada se extrai no sentido de considerar como provado o elemento ilicitude.

  5. Para que haja obrigação de indemnizar é necessário que exista um nexo de causalidade entre o facto (ilícito e culposo) e o dano a apurar segundo a teoria da causalidade adequada consagrada no artº 563º do CC.

  6. A preterição da formalidade (audição prévia) não permite estabelecer qualquer conexão automática, em termos de causalidade adequada, entre o facto ilícito que vicia o procedimento e os alegados danos.

  7. Anulada a adjudicação, a A. só teria direito a indemnização por danos eventualmente decorrentes do acto anulado se provasse que a sua proposta era a melhor e que se não fosse a omissão da formalidade a obra ter-lhe-ia sido adjudicada.

  8. Ora, o facto provado nº 46: Tendo em conta a proposta da A. e as dos demais concorrentes e o critério de adjudicação, a empreitada poderia ter sido adjudicada à A, não passando de mera hipótese, não confere qualquer direito a reparação.

  9. Pode-se ponderar a questão enquanto perda de oportunidade, no pressuposto de que esta será em si um bem indemnizável – houve o afastamento ilegal de um concurso, perdendo a A. oportunidade de nele poder obter resultado favorável, com repercussão remuneratória.

  10. Para tal é necessário demonstrar a existência de uma situação vantajosa do concorrente que se perdeu, o que no caso não se verifica, uma vez que não se provou que a A. estava investida de uma oportunidade real de ganhar o concurso, mas tão só de uma mera expectativa que não pode ser considerada como um bem em si mesmo, como um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia.

  11. Destarte não há nexo de causalidade entre o acto da administração anulado por vício de forma e o dano da A., também do ponto de vista de perda de chance porquanto mesmo que o acto não fosse ilegal a A. não tinha uma posição de tal modo vantajosa correspondente a uma oportunidade real de vir a ser a adjudicatária que só por causa da ilegalidade de procedimento se inutilizou.

  12. Dos factos provados conclui-se, sem esforço, que a impossibilidade de execução não determinou nenhuma perda adicional para a A., mas antes que com a repetição do acto, ouvindo a A. antes da adjudicação para justificar o preço demasiado baixo, verificar-se-ia na mesma a sua exclusão.

  13. Basta atentar nos factos provados quanto à fragilidade da posição da A., donde resulta que decidiu por sua conta e risco instalar-se em Portugal e candidatar-se aos concursos de adjudicação de obras públicas, apresentando propostas em vários concursos, não tendo ganho nenhum deles, tendo os seus preços sido sempre considerados demasiado baixos e, no caso, justificados com base em factos inverídicos/irreais.

  14. Considerando como fez o tribunal a quo, embora sem suporte factual nem legal, que a A. tinha fortes condições para ser a vencedora do concurso, a indemnização não pode corresponder de forma automática a uma percentagem do valor da proposta apresentada pela A, como no caso se decidiu fixar em 5%, porque, neste domínio da indemnização por perda de oportunidade trata-se tão só da fixação, através de um juízo de equidade, da compensação devida pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução de sentença teria proporcionado.

  15. Assim o montante indemnizatório não pode basear-se automaticamente no lucro líquido que a A. obteria se a obra lhe fosse adjudicada, podendo esse apenas servir de um factor a ponderar na equação do juízo de equidade, mormente no valor ilíquido da proposta apresentada, como decidiu o tribunal.

  16. Fazendo-se o cálculo da indemnização pela perda de chance com recurso às regras da equidade, nos termos do artº 566º, nº 3, do Código Civil, o valor da indemnização mostra-se excessivo pois não pode corresponder ao valor que a adjudicação da obra poderia vir a proporcionar à A, nem a uma percentagem do valor da proposta.

  17. Atentos os factos provados a A. apresentou uma proposta para execução da obra no valor de 2.050.285.292$00, sendo 1.778.476.115$00 correspondente aos custos da execução e a diferença, no valor de 271.809.177$00 (€1.355.778,46), correspondente ao lucro que teria se a executasse.

  18. O juízo de equidade deveria ter tido em conta o número de concorrentes admitidos e com possibilidade abstracta de ganhar, o tempo decorrido, o valor dos lucros cessantes fixados na matéria de facto para a hipótese de a A. ser a adjudicatária e não o valor de proposta apresentada pela A., como calculou a sentença recorrida.

  19. Sem fundamentar, o tribunal fixou em 20% a margem de incerteza quanto à qualidade da futura adjudicação e a indemnização em 102.514.264$60 (€511.338,99) tendo considerado para tal a percentagem de 5% do valor da proposta apresentada pela A., em vez do valor do lucro que esta obteria se executasse a obra, sem atender ao desconto dos custos da execução.

  20. Deste modo fixou um montante indemnizatório correspondente a quase 50% do lucro que a A. teria se executasse a obra, o que é manifestamente exagerado e não tem fundamentação enquadrável nos factos provados, aos quais o juízo de equidade não pode ser alheio.

  21. Tendo em atenção que a probabilidade da A. ganhar o concurso não era maior que a dos outros concorrentes, pelo contrário era mínima pois até estaria em situação desvantajosa perante aqueles, porque apresentava o mesmo prazo mas o preço não fora cabalmente justificado, mesmo após a prova efectuada nesta acção, baseando-se mesmo em factos irreais, então poderia se situar essa possibilidade em 5%, mas com referência ao valor diferencial de 271.809.177$00 (€1.355.778,46) entre o valor da proposta e o custo de execução da obra que a A. indicou, pelo que a indemnização nunca poderia ser superior a €67.788,92 (5% de €1.355.778,46).

  22. Considerando a sentença que é devida uma indemnização que fixou de acordo com o juízo de equidade, não são devidos juros desde a data da citação, como se decidiu, uma vez que não se mostram verificados os pressupostos legais do art.º 805º nº 3 do Código Civil para constituir o Estado em mora a partir daquela data.

  23. Isto porque o quantum indemnizatório não era líquido à data da instauração da acção, teve que ser fixada pelo tribunal, não sendo a mora imputável ao devedor, nos termos do artº 804º nº 2 do CC.

  24. Só com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu e liquidou a indemnização devida à A. é que serão devidos juros, até porque, a fixação da indemnização com base em Juízo de equidade tem implicitamente em conta o factor tempo decorrido até àquele momento em que se fixa a indemnização.

  25. Tal é o regime que resulta do Acórdão de fixação de jurisprudência, n.º 4/2002, de 9-5-2002, no sentido de que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado (como foi o caso neste processo), nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação” – D.R. I-A, n.º 146, de 27-06-2002 – e que não foi observado no caso em apreço, como deveria.

  26. Pelo exposto a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o Réu Estado do pedido por não se mostrarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, ou, caso, assim não se entenda, que fixe a indemnização em valor não superior a €67.788,92, mediante juízo de equidade que não descure os factos provados quanto à fraca probabilidade de a A. ganhar o concurso e que, consequentemente, determine que os juros se vençam a partir de tal condenação».

    1.4. A Autora contra-alegou, concluindo: «- Objecto do recurso A. O presente recurso carece em absoluto de qualquer fundamento, pelo que deverá ser julgado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT