Acórdão nº 0478/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelVALENTE TORR
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A Fazenda Pública veio recorrer do acórdão proferido em 15.11.2011 pelo TCA Sul, o qual constitui fls. 346/376 dos presentes autos, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

  1. Quanto à questão de determinar se, estando encerrada a 2ª avaliação de um dado imóvel, que o classificou de acordo com o seu destino normal, por inexistir licenciamento, pode o mesmo ser anulado pelo Tribunal com base na ocorrência posterior e, na pendência de uma impugnação judicial contra ato de fixação de valor patrimonial, do licenciamento que altera a sua classificação, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do artº. 150° do CPTA.

    B)Uma vez que, tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros, C)Isto tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada na determinação do regime processual constante do artº. 663° do CPC e da sua aplicação no âmbito do direito administrativo, designadamente, no regime do contencioso de anulação do ato administrativo, mas também, no facto de a pertinência da questão jurídica merecer uma apreciação por parte do STA, tendo em vista a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

  2. Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas no quadro legal aplicável a estes casos, de ocorrência de facto superveniente, na pendência de impugnação judicial, suscetível de alterar a classificação da imóvel feita nos termos do n° 2 do artº. 6° do CIMI, e eventual aplicação do artº. 663° do CPC para efeitos de anulação de ato administrativo, sendo certo que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, pelo que, o presente recurso servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito.

  3. Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação da lei, artº. 6° n° 2 do CIMI e artº. 663° do CPC, aos factos, pelo que, não se deve manter.

  4. De facto, à data em que foi feita a 2ª avaliação, o prédio foi classificado, na falta de licenciamento, segundo o critério do seu destino normal, nos termos do n° 2 do artº. 6° do CIMI.

  5. Pelo que, não há dúvidas e o próprio Tribunal "a quo" o admite, que o ato avaliativo, à data em que foi praticado, não enfermava de erro quer quanto aos pressupostos de facto quer de direito.

  6. Posteriormente e, na pendência da impugnação judicial, ocorre, efetivamente, um facto superveniente, como seja, a emissão pela Câmara Municipal de alvará de utilização das frações que vem a alterar o destino atribuído às frações.

  7. No entanto, ocorrendo esse facto superveniente na pendência de impugnação judicial interposta do ato de fixação de valor patrimonial, não é o mesmo suscetível de conduzir à anulação do ato de avaliação, com fundamento em erro nos pressupostos de facto, com base numa aplicação simplista do artº. 663° do CPC, como o fez o Acórdão recorrido.

  8. É que, uma coisa são os direitos a que os particulares se arrogam no âmbito do direito civil, direito reais, de família, sucessões, etc., isto é, o direito preexiste na esfera jurídica do sujeito e nasce com a verificação dos pressupostos. Outra coisa é o regime da concessão do direito por ato administrativo.

  9. Assim sendo, o particular só pode atacar um determinado ato administrativo no momento em que verifica que foi praticado ilegalmente, isto é, quando o autor competente para a prática do ato o prolata em erro de facto e/ou de direito.

  10. Logo, a constatação do erro de facto ou de direito deve estar reunida à data em que o sujeito pretende atacar o mesmo ato administrativo, fazer valer o direito à sua anulação.

  11. Não existindo nesse momento, não pode essa ação ficar pendente até à data da alteração dos pressupostos de facto ou de direito e nem o Tribunal se pode arrogar o direito de censurar a Administração, com um vício como é o da anulação do ato "ex nunc", quando esse ato, no momento em que foi praticado, o foi conforme à lei.

  12. Deste modo, o artº. 663° do CPC não pode ser aplicado com a amplitude que lhe é dada pelo Tribunal "a quo" no âmbito do direito administrativo, uma vez que o mesmo foi concebido para o direito civil, pelo que, o Tribunal "a quo" fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei aos factos, não devendo ser mantido.

    Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

    1. Em contra-alegações, veio a recorrida concluir: A) O presente recurso de revista não preenche os pressupostos consagrados no artigo 150.° do CPTA, devendo, por isso, ver a sua admissão rejeitada.

    B)A questão colocada pela Fazenda Pública - "determinar se, estando encerrada a 2ª avaliação de um dado imóvel, que o classificou de acordo com o seu destino normal, por inexistir licenciamento, pode o mesmo ser anulado pelo Tribunal e na sequência de interposição de uma impugnação judicial contra ato de fixação de valor patrimonial, com base na ocorrência posterior do licenciamento que altera a sua classificação" - é uma falsa questão, na medida em que assenta em pressupostos errados que inquinam tudo o resto.

    C)É falso que o ato de 2ª avaliação se tenha consolidado na ordem jurídica.

    D)Porquanto a Recorrida deduziu Impugnação Judicial sobre o mesmo.

    E)Tendo, nessa sede, alegado e demonstrado a sua ilegalidade.

    F)Primeiro com base no critério da afetação do imóvel e, depois, com fundamento na emissão da licença que mais não veio do que confirmar, reforçar, sublinhar a razão que já lhe assistia, mesmo antes dessa emissão.

    G)Ainda hoje é essa impugnação que está aqui a ser discutida.

  13. Não existindo, por isso, decisão judicial transitada em julgado que permita afirmar, como afirmou a Fazenda Pública, que o ato de 2ª avaliação ficou consolidado.

    I)É falsa a auto proclamação que a Fazenda Pública faz, ao afirmar que o ato quando foi praticado não enfermava de erro quer quanto aos pressupostos de facto quer de direito.

  14. Tanto enfermada que a Recorrida o impugnou judicialmente, tendo-lhe sida reconhecida razão pelo TCA Sul, que anulou o ato.

  15. É falso que a licença tenha vindo alterar o destino atribuído às frações. Esse destino nunca foi definitivamente fixado. Aliás, é isso que ainda hoje está aqui a ser discutido.

  16. É igualmente falso que o próprio Tribunal a quo o admite que o ato avaliativo à data em que foi praticado não enfermava de erro.

  17. Se fosse assim, como afirma a Fazenda Pública, o Tribunal a quo não teria anulado o ato de 2ª avaliação, como anulou.

  18. Expurgados os vícios de raciocínio em que assenta a questão trazida aos autos pela Fazenda, deixa aquela de fazer sentido, dada a clarividência e uniformidade do direito em causa.

  19. A resposta é óbvia, unânime e isenta de controvérsia: o Tribunal a quo não só podia, como devia ter valorado o facto superveniente correspondente à emissão da licença, na pendência da impugnação judicial, sob pena de incorrer em vício formal de omissão de pronúncia, gerador de nulidade.

  20. É, pois, inequívoca a aplicabilidade plena do artigo 663.° do CPC no domínio do direito tributário e do direito administrativo, por força do artigo 2.° do CPPT, e do artigo 1.° do CPTA, respetivamente.

    Q)É este, de resto, o entendimento preconizado de forma pacífica pela jurisprudência do STA (cfr. acórdãos supra referidos).

    R)Sem prescindir, o Tribunal a quo estaria sempre obrigado a atender àquele facto superveniente por força do princípio do inquisitório, da verdade material, da boa decisão da causa e da tutela jurisdicional efetiva.

  21. Apesar de estarmos no domínio do contencioso tributário, a Fazenda Pública colocou a tónica da sua motivação no âmbito do direito administrativo e do contencioso de mera anulação.

  22. Ainda que fosse assim, a ideia do contencioso de mera anulação está ultrapassada com a Reforma do Contencioso Administrativo em 2004.

  23. Vigora hoje entre nós um contencioso administrativo de plena jurisdição efetiva que impõe uma sobreposição do imperativo da justiça material aos conceitualismos formalistas que desnecessariamente inibem a reposição da legalidade nas situações concretas.

    V)Também o artigo 6.°, n.° 2 do CIMI não levanta qualquer problema de interpretação ou « controvérsia na jurisprudência, ou na doutrina.

    W)Ao invés, estabelece de forma linear e cristalina que se consideram habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, os edifícios ou construções, para tal licenciados, ou que, na falta de licença, tenham como destino normal cada um destes fins.

    X)Existindo licença, como existe, é pacífico que os imóveis são classificados de acordo com a classificação constante da mesma, ainda que consubstancie um facto superveniente, ocorrido na pendência da Impugnação Judicial, sob pena de se incorrer em vício de violação de lei e de se proferir uma decisão materialmente injusta.

  24. Por tudo isto é manifesta a falta de relevância social ou jurídica da questão colocada pela Fazenda Pública.

  25. Não existem dúvidas interpretativas quer quanto ao artigo 6.°, n.° 2 do CIMI, quer no que se refere ao artigo 663.° do CPC e à sua aplicabilidade plena no direito tributário e administrativo.

    AA)A questão não é suscetível de gerar um âmbito de interesse, muito menos...

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