Acórdão nº 679/06.0GDTVD.L1 -3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelJOÃO CARLOS LEE FERREIRA
Data da Resolução04 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1. No processo comum nº … procedeu-se a julgamento da arguida O, nascida a …, acusada do cometimento em co-autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido nos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea i) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro .

No acórdão, proferido a …, o tribunal colectivo do Círculo Judicial de … decidiu absolver a arguida da prática do crime de que vinha acusada.

O Ministério Público interpôs recurso, pugnando pela revogação da decisão em matéria de facto e em matéria de direito, com a consequente condenação da arguida pelo cometimento do crime de homicídio em pena que não poderá ser inferior a dezasseis anos de prisão.

A arguida não apresentou resposta à motivação.

Por despacho de…, o recurso foi admitido, com o efeito devido.

Neste Tribunal da Relação, onde o processo deu entrada a…, o Ministério Público, por intermédio da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer fundamentado (fls. 1100 a 1106) subscrevendo os fundamentos do magistrado recorrente e concluindo no sentido da revogação do acórdão e consequente condenação da arguida pelo cometimento do crime de homicídio. Cumprido o disposto no art.º 417.º n.º 1 do CPP, não houve resposta da arguida.

O processo foi redistribuído ao presente relator em 12 de Março de 2012, juntamente com outros doze e sem decisão.

Proferido despacho liminar, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

  1. Para melhor compreensão, torna-se necessário transcrever a decisão recorrida e as conclusões do recurso.

    2.1 A decisão em matéria de facto do tribunal colectivo tem o seguinte teor: (transcrição) “Discutida a causa provou-se que: R … e a arguida O… tiveram entre si um relacionamento amoroso, que se manteve até finais de… Em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre Outubro e Novembro de 2006, N…contactou com o seu amigo E…, dizendo-lhe que a arguida O lhe havia pedido para matar o R… e propondo-lhe que o ajudasse a mata-lo, o que aquele recusou.

    Em data concretamente não apurada, mas localizada entre o final de Outubro e o início de Novembro de 2006, G… pediu a D …que lhe arranjasse uma arma de fogo, entrega que não se concretizou por circunstâncias alheias à vontade de ambos.

    Durante o mês de Novembro de 2006, a arguida estabeleceu frequentes contactos telefónicos com N …e este com G….

    Na noite de 01 para 02 de Dezembro de 2006, cerca das 00h00m, R dirigiu-se ao bar-discoteca “Dali”, situado no cais de Santa Cruz, local onde também se encontravam, entre outros, o seu amigo S…, a namorada deste D… e a arguida O….

    O R… abandonou o bar por volta das 02h00 da madrugada, entrou na sua viatura automóvel, de marca “Lancia”, modelo “D” 1.4, IES, com a matrícula… , de cor vermelha e a mesma veio a imobilizar-se no lado Norte da pista do A …, local de terra batida e sem qualquer iluminação da pista, com R… sentado no lugar do condutor sendo certo que no interior do veículo estavam, pelo menos, mais duas pessoas cujas identidades, forma e momento de introdução na viatura não foi possível apurar.

    Uma vez aí chegados, e no interior do automóvel, os dois indivíduos cujas identidades não foi possível apurar atacaram R…, desferindo-lhe fortes pancadas no crânio com um objecto contundente, ao mesmo tempo que o atingiram de forma repetida, com um objecto cortante, dando-lhe diversos golpes na zona da cabeça e pescoço, tendo acabado por degolá-lo.

    Em consequência das agressões supra descritas, R… sofreu as lesões melhor descritas no relatório de autópsia constante de fls. 595 a 598 dos autos, cujo teor aqui se dá para todos os efeitos reproduzido, nomeadamente, na face e crânio, infiltração sanguínea generalizada dos planos epicranianos à esquerda, fracturas múltiplas dos ossos da calote craniana à esquerda, aparentemente com ponto de maior impacto na região parietal anterior, atingindo também os ossos da base do crânio e do andar anterior à esquerda, prolongando-se para o hemisfério contralateral e contusões múltiplas da massa encefálica, bem como, diversas feridas inciso-contusas e ainda, degolação pela sua face anterior, com secção profunda, a qual atingiu os grandes vasos locais acima do plano dos cornos do osso hióide e a coluna cervical.

    Conforme se conclui no aludido relatório, de entre as lesões que sofreu, a degolação após traumatismo craniano violento, foi a causa directa, necessária e exclusiva da morte de R….

    O corpo da vítima, viria a ser encontrado no interior da sua viatura automóvel, no local supra referido, pelas 08h15m do dia 02 de Dezembro de 2006, trazendo no bolso traseiro das calças uma carteira com diversa documentação pessoal e € 95 em dinheiro.

    R… era um indivíduo bem considerado no seio da comunidade brasileira de … sendo tido como pessoa pacata, honesta, auto-suficiente e trabalhadora.

    Após a morte de R…, e ao contrário do que vinha sucedendo regularmente até essa data, cessaram todos os contactos telefónicos efectuados entre a arguida O…e N… entre este e G….

    No dia 02 de Dezembro de 2006 e sem que nada o fizesse prever, N… despediu-se, pedindo ao seu patrão que lhe fizesse as contas, tendo trabalhado apenas durante a manhã desse Sábado.

    No dia 03 de Dezembro de 2006, N… deixou a casa que ocupava com a sua companheira e filho, tendo viajado para o Brasil, sem avisar a sua família, em dia não concretamente apurado desse mesmo mês.

    Em data concretamente não determinada, mas seguramente situada entre os dias 3 e 4 de Dezembro de 2006, G …viajou para o Brasil.

    No dia 11 de Dezembro de 2006, cerca das 23h45m, a arguida O… pediu o telemóvel de A…, companheira do seu irmão, e introduzindo no aparelho um outro cartão, enviou a S, uma mensagem sms com o teor constante do auto de transcrição de fls. 95, cujo conteúdo se dá como integralmente reproduzido.

    Por meio de tal envio, pretendia a arguida associar a morte de R…, a uma briga ocorrida apenas alguns dias antes, entre a vítima e um indivíduo de nacionalidade portuguesa.

    * Factos não provados Não se provou que: A arguida O …nunca se conformou com o final dessa relação, terminada por iniciativa de R…, não aceitando que este se relacionasse com outras mulheres.

    De tal forma que, desde essa altura e até finais do mês de Novembro de 2006, a arguida perseguia incessantemente R…, pressionando-o e ameaçando-o, chegando inclusivamente a afirmar, que se o ex-namorado não fosse dela não seria de mais ninguém.

    Sendo que, ao saber que R… namorava com outra mulher, a arguida deslocou-se a casa desta, ameaçando-a e amedrontando-a para que a mesma terminasse a relação.

    Inconformada com o afastamento de R… e ciumenta por saber que tal relacionamento se mantinha, a arguida O… decidiu matá-lo.

    Na concretização de tal desígnio, em Outubro/inícios de Novembro de 2006, a arguida abordou N…, indivíduo que sabia ter tido um desentendimento há algum tempo com o R…, por sua causa, tendo-lhe proposto que tirasse a vida a R…, disponibilizando-se a pagar-lhe a quantia de € 2000, como contrapartida monetária pela realização dessa morte.

    N… aceitou matar R… nas condições oferecidas pela arguida, mediante o pagamento da referida quantia de € 2000.

    Em dia não determinado, mas de igual modo situado entre Outubro e Novembro de 2006, N… contactou com o seu amigo G…, conhecido como “D… ”, indivíduo que possuía ressentimentos antigos contra R…, a quem propôs que lhe prestasse colaboração na morte encomendada por O, com o que este concordou.

    A arma que o G… pediu a DH…destinava-se a ser utilizada para matar o R….

    Em execução do que havia sido pedido pela arguida O…, N… e G… combinaram entre si, que a morte de R …deveria ter lugar na noite de 01 para 02 de Dezembro de 2006.

    Em execução do plano para tanto traçado, O …acordou com N…, em ir-lhe fornecendo nessa mesma noite, via telemóvel, indicações da localização da vítima, o que ela fez.

    No seguimento das informações fornecidas pela arguida O, depois de R ter abandonado o referido bar, N… e G… abordaram-no e obrigaram-no a deslocar-se com eles, na sua viatura automóvel, de marca “L”, modelo “, com a matrícula , de cor vermelha.

    O N… e o G… circularam dentro da viatura com o R… e foram eles quem desferiram os golpes que vieram a determinar a morte do R….

    Antes de N …abandonar Portugal, a arguida O… pagou-lhe a quantia combinada para a morte de R….

    A mensagem enviada pela arguida foi para afastar suspeitas do seu envolvimento na morte de R….

    A arguida O… quis agir como agiu, com intenção de matar R, tendo actuado em conjugação de esforços com N… e G….

    Para o efeito, com a sua actuação, a arguida determinou N… e G… à prática dos factos supra descritos, querendo e conseguindo que estes tirassem a vida a R….

    Agiu a arguida de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo ser todo o seu comportamento proibido e punido pela lei penal.

    * Motivação da decisão de facto Antítese da “presunção de culpa” que, de facto, recaía sobre o suspeito, no processo inquisitório do Ancien Régime, a presunção de inocência, proclamada, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (artigo 9º), tornou-se, logo a partir dos princípios do século XIX (com o chamado “processo penal reformado”), um dos princípios fundamentais do processo penal do Estado de direito (como, também, os da autonomia das entidades acusadora e julgadora, da contraditoriedade, da publicidade, da oralidade e da livre convicção probatória).

    Reafirmado nos mais importantes textos internacionais relativos aos direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos do Homem - ONU, 1948, artigo 11º, n.º 1 -, Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais - Conselho da Europa, Roma, 1950, artigo 6º, n.º 2 - e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - ONU, 1966, artigo 14º, n.º 2), veio a ser consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976 como também v. g., na Constitución...

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