Acórdão nº 18515/11.3TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelELSA PAIXÃO
Data da Resolução07 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 18515/11.3TDPRT.P1 1º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca do Porto Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) supra identificados, do 1º Juízo Criminal do Porto, 2ª Secção, após deduzida acusação particular pela assistente B…, a qual foi acompanhada pelo Ministério Público e, remetidos os autos à distribuição, foi proferido nos autos o despacho de fls. 82 a 94 que rejeitou a acusação, por manifestamente infundada e não admitiu o pedido de indemnização civil.

Inconformada com o decidido, interpôs a assistente o presente recurso, no remate de cuja motivação formula as conclusões, que a seguir se transcrevem integralmente e que, como é consabido, delimitam o âmbito e objecto do recurso: “A) – As questões que se colocam no recurso que a ora recorrente submete à sempre sábia e prudente apreciação e decisão de Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, são e de saber se poderia o tribunal recorrido rejeitar a acusação particular por manifestamente infundada, bem como se tais afirmações proferidas pela arguida, a serem demonstradas em audiência de julgamento, poderão consubstancias a prática do crime pelo qual a mesma vem acusada, sendo desde logo certo que as mesmas visam inequivocamente a pessoa da ora recorrente; B) Conforme vem entendido pela nossa melhor doutrina e jurisprudência, de acordo com o nosso modelo processual penal acusatório, integrado por um princípio de investigação judicial, o objectivo do processo dirigindo-se ao apuramento da verdade material, é fundamentalmente, o de determinar se se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime e a correspondente responsabilidade com base nas provas produzidas – vide art. 368º do Código de Processo Penal; C) Entende a recorrente, desde logo, que apenas poderá ser considerada manifestamente infundada a acusação que, de forma clara e evidente seja desprovida de fundamento, o que poderá suceder: - por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência dos indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, fora de toda a dúvida séria, - porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para com o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais.

O que não é manifestamente o caso sub judice!; D) Se a questão ou questões que se poderão extrair da acusação for(em) juridicamente controversa(a), o tribunal, no despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal, não pode/deve considerar a acusação manifestamente infundada; E) No caso em apreço, consta do teor da acusação particular as declarações pela arguida proferidas, no contexto em que o foram – em sítio público, perante pessoa que acompanhava a assistente e que aquela não conhecia, dirigidas a todos alto e bom som, sem qualquer sentido e/ou justificação possível, são objectivamente ofensivas da honra e consideração profissional e pessoal da recorrente; F) Os direitos à integridade moral e ao bom-nome e reputação dispõem de protecção constitucional e são emanação da base que sustenta e legitima a República e o Estado de Direito democrático: a dignidade da pessoa humana (art. 1º da nossa Lei Fundamental); G) Salvo o devido respeito, o despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 311º, nº 2, a) e 312º, ambos do Código de Processo Penal e ainda os artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, a), ambos do Código Penal e ainda os arts. 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, se deve conceder provimento ao presente recurso, e , consequentemente, revogar-se o douto despacho de rejeição da acusação particular, substituindo-se o mesmo por outro que admita o mesmo e designe dia e hora para a realização da audiência de julgamento para conhecimento do crime de que vem acusada a arguida, com todos os devidos e legais efeitos, com o que se fará justiça!”***A Exmª Magistrada do Ministério Público em serviço no Tribunal recorrido apresentou atempada resposta à motivação da recorrente, a qual culmina com a conclusão de que o recurso deve improceder na totalidade.

***O recurso foi admitido a fls. 123 e, remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se apor-lhe o seu visto, considerando tratar-se de delito de natureza particular.

***Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

***II – FUNDAMENTAÇÃO É o seguinte o teor integral do despacho recorrido (transcrição): “Autue como processo comum com intervenção de Tribunal Singular.

O Tribunal é competente.

A fls. 49 a 54 veio a assistente B… deduzir acusação particular contra C…, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º, n.º 1 e 183º, n.º 1, al. a), ambos do C.P., tendo por despacho de fls. 71 sido tal acusação acompanhada pelo M.P., com qualificação jurídica diversa por entender que os factos configuram apenas a prática de um crime de difamação p. e p. pelo art. 180º, n.º 1, do C.P., alegando-se para tanto os seguintes factos: 1. “No pretérito dia 18 de Outubro, cerca das 16H30m, encontrava-se a Assistente no .° piso do "D…", nesta cidade e comarca do Porto, a conversar com uma amiga de longa data com quem já não privava há muito tempo - Dra. E….

  1. Constatou então a Assistente que se aproximava a Arguida, pessoa que bem conhece por haverem sido colegas de profissão - professoras, no mesmo estabelecimento de ensino, e que considerava amiga. Quando a Assistente constatou que a Arguida chegou perto da mesma e da Amiga com quem se encontrava a conversar, cumprimentou esta e pediu-lhe que aguardasse uns instantes.

  2. Face a tal pedido da Assistente, a Arguida ficou a assistir à conversa entre aquela e a aludida Amiga.

  3. Repentinamente, e sem que nada o fizesse prever, a Arguida colou-se autenticamente ao lado da Assistente, virada para a referida Amiga desta, e disse alto e bom som: "Olhe, minha Senhora, sou uma pessoa educada, mas estou a ser gozada, porque estou à espera, tenho que fazer e a B… não se despacha a falar comigo ..." (sic).

  4. Quando a Assistente e respectiva Amiga referiram "... desculpa ..." e "... desculpe ...", respectivamente, a Arguida, enquanto mexia na écharpe que a Assistente trazia ao pescoço, interrompeu o aludido pedido de desculpas e em tom exaltado disse em alta voz referindo-se a esta: "É que sabe, está aqui a princesa. Eu pareço a farrapona ..." (sic), 6. Dando então a Arguida ao início de uma sequência de repetições daquela expressão, enquanto simultaneamente mexia na écharpe e no peito da Assistente, acrescentando posteriormente aquela Arguida, sempre em tom exaltado e alta voz: "... mas ela é que me deve mais de € 20.000,00 ..." (sic).

  5. Face a tal inusitado e despropositado comportamento da Arguida, a referida Amiga da Assistente tentou acalmar a Arguida, tendo então esta repetido as referidas expressões por diversas vezes em direcção ao corredor para quem passava na ocasião, querendo fazer crer que a Assistente lhe devia dinheiro e não pagava ...

  6. Face a tal comportamento da Arguida, a Assistente pegou no braço da referida Amiga - Dra. E…, e afastou-se do local dizendo àquela que não tinham nenhuma necessidade de se submeterem a tal vergonha, ao que a Arguida, agarrando o braço da Assistente, não deixou a mesma afastar-se.

  7. Acto imediato, e face à insistência da Assistente de se afastar da Arguida, esta agarrou com força - o que lhe causou dor, ora o braço direito daquela, ora o braço esquerdo -, ora a própria roupa, tudo com o intuito de impedir que esta lograsse os seus intentos, o que a Arguida fazia enquanto repetia incessantemente as supra as expressões, sempre em tom crescendo de exaltação e voz, dizendo ainda, referindo-se sempre à Queixosa, que "a princesa mora numa casa com piscina com vista para o rio…" (sic), e que "... foi abandonada pelo marido" (sic).

  8. Entretanto, e face a tão descontrolado comportamento da Arguida, a Assistente pediu para alguém chamar um segurança do centro comercial, enquanto, e após conseguir libertar-se da Arguida, Assistente e referida Amiga começaram a descer as escadas rolantes ali existentes, sendo que, chegadas ao 1º andar, ali se encontravam já dois seguranças que vinham em direcção da Assistente e referida Amiga, o que tudo sucedeu enquanto eram seguidas pela Arguida que repetia incessantemente, e de forma descontrolada, as supra citadas expressões.

  9. Face a tal comportamento da Arguida, a Assistente solicitou a intervenção da entidade policial com receio das atitudes daquela, o que viria efectivamente a suceder.

  10. As supra transcritas afirmações em nada correspondem à verdade, querendo a Arguida, voluntária e deliberadamente, apenas ofender o bom nome da Assistente, ultrapassando grosseiramente os limites comunitariamente aceitáveis do "direito" da livre expressão, ferindo a sensibilidade, bom nome, honra e consideração da mesma.

  11. Sendo a Assistente pessoa reputada perante a sociedade, conotada como uma pessoa de bem, encontra-se profundamente ofendida com as expressões da Arguida, mormente de que lhe deve dinheiro.

  12. A Arguida tinha e deveria ter conhecimento que a utilização de as supra referidas expressões são ofensivas da honra e consideração da destinatária, sendo penalmente censuráveis, tendo para o efeito actuado dolosamente, pois representou e quis o resultado verificado, ou seja, a lesão da honra e consideração da Assistente.

  13. Ao que acresce que, ao agarrar a Assistente contra a sua vontade, impedindo-a de se movimentar livremente - o que conseguiu, a Arguida atentou contra a liberdade daquela.

  14. Tais afirmações que supra se transcreveram e foram proferidas pela Arguida naquela ocasião de tempo e local por diversas vezes: a) - visam indiscutivelmente a...

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