Acórdão nº 7133/09.6TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelAUGUSTO LOURENÇO
Data da Resolução10 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 7133/09.6TAVNG.P1 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 7133/09.6TAVNG, que corre termos no 2º Juízo de Instrução Criminal do Porto, o assistente, B…, interpôs recurso do despacho de não pronúncia dos arguidos, C…, D…, E… e, F…, os quais foram acusados pelo Ministério Público do crime de difamação agravada, p. e p. pelo artº 180º nº 1, 183º nº 1 e 2 e 184º todos do cód. penal, com referência ao artº 30º e 31º nº 1 da Lei nº 2/99 de 13/01.

*Requerida a abertura de instrução pelos acusados, decidiu o Sr. Juiz de Instrução não pronunciar os arguidos, conforme decisão de fls. 1.400 a 1.413.

*Inconformado com a decisão, veio o assistente, B… a recorrer nos termos de fls. 1449 a 1481, alicerçando a sua discordância na apreciação e valoração da prova indiciária e aplicação do direito, concluindo nos seguintes termos: “1. No dia 16.09.2009 foi apresentada pelo aqui Recorrente queixa-crime contra os arguidos, aqui Recorridos, na sequência das notícias publicadas nos dias 3, 4 e 12 de Junho de 2009 no jornal «G...» quer na edição com papel, quer na edição on-line com os seguintes títulos: «Procurador arrisca demissão». «MP tenta salvar processos». «Justiça ignorou morte de crianças»; 2. O Recorrente apresentou queixa-crime relativamente a tais factos por considerar que os mesmos consubstanciam a prática de um crime de difamação agravada previsto e punível nos termos dos artigos 180º n° 1, 183º nº 2, 184º e 26º do cód. penal e artigos 30º e 31º da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro; 3. Na notícia publicada cm 03.06.2009 com o título «Procurador arrisca demissão», foi referido, inter alia, que um dos motivos que esteve na base de um dos processos disciplinares com que o Recorrente foi arguido foi «o processo que teve H... como arguido. O candidato à Câmara ... foi investigado por corrupção e o polémico despacho de arquivamento foi assinado por B.... O procurador transitou entretanto para o ... e levou o processo. Disse depois que o mesmo foi roubado». Na mesma notícia lê-se ainda que «o magistrado foi alvo de um inquérito pela alegada ligação ao J.... Era frequente ir ao estádio e chegou a acompanhar a equipa ao estrangeiro»; 4. Os arguidos, aqui Recorridos, foram acusados, nessa sede, pela prática do crime de difamação agravada, nos termos previstos nos artigos 180º nº 1, 183°, n° 1 e 2 e 184° do Código Penal e artigos 30 e 31, n° 1 da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro; 5. Com efeito, considerou o Ministério Público que, relativamente à notícia publicada na edição de papel, com 03.06.2009, especificamente no que se refere às passagens «(…) O procurador transitou entretanto para o ... e levou o processo. Disse depois que o mesmo foi roubado» e «O magistrado foi alvo de um inquérito pela alegada ligação ao J.... Era frequente ir ao estádio e chegou a acompanhar a equipa ao estrangeiro», se verifica a existência de indícios da prática do crime de difamação agravada porquanto tais afirmações são falsas; 6. O Recorrente nunca foi alvo de inquérito por factos relacionados com alegadas ligações ao J... e nunca o mesmo referiu que o processo em que foi arguido H..., que correu termos na comarca de Matosinhos, lhe tivesse sido roubado, como também nunca proferiu tal afirmação relativamente a qualquer processo que tivesse corrido termos na mencionada comarca 7. Concluiu o Ministério Público que «Ao elaborarem para publicação as mencionadas notícias falsas, visando o asistente, as 1ª, 2ª e 3ª arguidas pretenderam imputar-lhe factos e assacar-lhe comportamentos grosseiros e objectivamente impróprios das funções que exerce, pondo deste modo em causa, a sua idoneidade profissional, já que tais imputações criam ou pelo menos suscitam a dúvida quanto ao rigor e à isenção que são exigidos para o desempenho das funções que cabiam ao assistente e que ele à data dos factos, exercia efectivamente, sendo sabido que essas funções se encontram rigorosamente sujeitas aos princípios da legalidade e imparcialidade»; 8. Os arguidos, ora Recorridos, não se conformando com o despacho de acusação proferido requereram abertura de instrução pugnando pela não pronúncia dos arguidos e consequente arquivamento dos autos.

9. No dia 02.03.2012 foi proferida decisão instrutória, da qual aqui se recorre, que não pronunciou os arguidos e, consequentemente. determinou o arquivamento dos autos, concluindo que «Em suma, o comportamento dos arguidos não aparece, traduzido naquelas referidas expressões, face ao contexto e circunstância, como susceptíveis de atingir, de forma a justificar a tutela jurídico-penal, e considerar a intervenção do ordenamento jurídico-penal justificada numa sociedade democrática. Critério que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sucessivamente recordado e imposto à luz do sistema instituido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem»; 10. A decisão instrutória que não pronunciou os arguidos padece de erro de julgamento e de erro notório na apreciação da prova, violando ainda o disposto no artigo 180º nº 1 e 2, alínea h) do CP e o artigo 308º, n° 1 do CPP; 11. O crime de difamação visa proteger o bem jurídico «honra» que, contrariamente ao entendimento subscrito na decisão recorrida não é apenas digno de tutela penal quando a atingido na sua dimenso exterior (reputação e consideração merecidas por terceiros) mas igualmente quando atingido na própria concepção que o indivíduo visado tem da sua dignidade (dimensão privada e pessoal do bem jurídico honra); 12. O Tribunal recorrido, na decisão instrutória não proecedeu a qualquer alteração dos factos descritos na acusação - possibilidade prevista no artigo 301° do CPP - mantendo-se a factualidade apurada na acusação como objecto de apreciação, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 1042 a 1046 dos autos, pontos 1 a 16), relevando, para efeitos de apreciação do presente recurso o conteúdo dos pontos 6. e 11 [6 - o assistente nunca foi investigado nem foi alvo de inquérito por via de alegadas ligações ao J... (ref. fls. 741); (...); 11 - o processo de inquérito 1089/95.8JGLSB em que era arguido o candidato á CM de ..., H..., encontrando-se, igualmente classificado/rotulado como corrupção, foi arquivado por douto despacho de 07/06/1999, proferido pelo ora assistente quando ainda exercia funções em Matosinhos, tendo o processo ficado, desde então, depositado no arquivo do M°P° de Matosinhos]; à data da prolação daquele despacho final, o queixoso remeteu cópias à PGR e à PGD do Porto, para conhecimento.» 13. Do despacho de acusação resulta assente - sem que a decisão recorrida o contrarie - que os factos publicados na edição com papel do Jornal «G...», cm 03.06.2009, pelos quais os Recorridos foram acusados são factos falsos; 14. Não obstante a decisão recorrida não por em causa a falsidade desses factos, considera que ocorreram factos aparentemente semelhantes aos descritos nas notícias, indiciando o recurso a fontes de informação fidedignas e credíveis; 15. Considera ainda o Tribunal não se verificar dolo na actuação dos arguidos e existirem motivos para que estes reputassem como verdadeiros os factos noticiados - nomeadamente por referência às fontes; 16. A punibilidade da conduta descrita no n° 1 do artigo 180º do Código Penal é afastada quando se encontrem verificadas as circunstâncias cumuativamente previstas no n° 2, a) a imputação seja feita para realizar interesses legítimos; e b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, reputar de verdadeira; 17. Exercendo o Recorrente, à data da prática dos factos, o cargo de Procurador da República, admite-se que, dada a natureza de tais funções, seja do interesse geral a divulgação de informações relacionadas com a sua conduta profissional. Admite-se ainda que, tendo sido o Recorrente inicialmente apontado para exercer as funções de ... houvesse especial interesse na divulgação de factos relacionados com a conduta profissional do Recorrente; 18. O que não se pode admitir é que, no caso concreto esteja verificado o requisito descrito na al. b) do nº 2 do artigo 180º do CP porquanto os arguidos não provaram de forma alguma a veracidade das afirmações publicadas, nem demonstraram sequer indiciariamente a existência de motivos válidos para crer como verdadeiros os factos noticiados; 19. Ademais, não esqueçamos que não encontramos nos domínio de difamação praticada com utilização de meios de comunicação e que no âmbito da Lei da Imprensa ignora o princípio de sigilo da identidade das fontes; 20. Neste domínio afigura-se ainda mais premente a total demonstração da veracidade dos factos por quem os publique. Isto porque, não podendo ser divulgadas as fontes da informação, nunca poderá ser possível esclarecer se foi a fonte que veículou erradamente a informaão em questão ou se foi o jornalista que a redigiu de forma errada e falsa; 21. Assim, no limite, sempre que o crime de difamação seja cometido através da imprensa e os jornalistas autores das publicações afirmem que escreveram o que lhes foi dito pelas fontes, será impossível prosseguir com qualquer investigação criminal; 22. Tal não é admissível sob pena de um total esvaziamento da tutela consagrada ao bem jurídico tutelado pelo crime de difamação, quando violado através de meios de comunicação social, nomeadamente através da imprensa; 23. A arguida E..., nas declarações prestadas a fls. 1249 dos autos, refere que, quanto ao roubo de processos, tais informações foram confirmadas por fontes ligadas à área da Justiça, desde o MP ao CSMP, tendo sido consideradas credíveis; 24. Tal afirmação não pode deixar de causar perplexidade. Pois se incumbe precisamente Procuradoria-Geral da República, através do Conselho Superior do Ministério Público o exercído da acção disciplinar sobre os Magistrados do MP - cfr. a almea b) do art. 10 e alinea a) do art. 27 do Estatuto do MP-, e se este assume carácter...

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