Acórdão nº 5903/09.4TVLSB.L1.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    AA, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, com fundamento em contradição de decisões proferidas neste processo e num outro proferido a 02-12-2008, deste Supremo Tribunal.

    Para o desiderato por que propugna, consignou, a final, o acervo conclusivo que a seguir se deixa extractado.

    1. “Em Novembro de 2007, o ora recorrente cedeu a sua participação social na empresa I..., Lda. e disso mesmo deu conhecimento, via telefax e pessoalmente, ao Gerente do Balcão da Agência do BES da Castanheira do Ribatejo.

    2. Na mesma comunicação de 03.01.2008, à qual juntou certidão comercial da sociedade onde demonstrou a venda da sua participação social, declarou expressamente que pretendia liberar o seu nome enquanto avalista, ou em qualquer outra qualidade, dos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, bem como de qualquer outra garantia anexa ao aludido contrato (livrança), ou a futuras operações financeiras da I..., Ld.ª 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, nomeadamente do acórdão de 29.10.2002, em que foi relator o Venerando Conselheiro Oliveira Barros e do acórdão de 02.12.2008 do STJ em que foi relator o Venerando Conselheiro Paulo Sá, é admissível a denúncia do aval.

    3. E em consequência a declaração enviada pelo aqui recorrente à recorrida em 03.01.208 é valida e serve como denúncia.

    4. Sendo que posteriormente a esta denúncia, recebida e conhecida, não podia vir a recorrida a preencher e accionar essas livranças, como o fez.

    5. Em sede de Apelação, veio o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se, dando parcial provimento à pretensão do recorrido.

    6. Com efeito. o Tribunal da Relação (através de Acórdão de 30.11.2010 que se dá aqui por integralmente reproduzido) cingiu o pleito a duas questões (o sublinhado é nosso): 8. se o autor tem direito a liberar-se da obrigação de aval por denúncia. e desde quando este produz efeitos: 9. se, em caso de resposta afirmativa os autos contêm todos os elementos que permitam conhecer do pedido de indemnização formulado na p. i veio autor.

    7. E perante a factualidade, o Acórdão do tribunal a quo dispõe que: “4. A questão que se coloca prende-se com a validade da denúncia da obrigação de aval operada pela comunicação acima referenciada”': 11. Continuando: "Enquanto causa de extinção do negócio jurídico, a denúncia tem como seu campo de aplicação os contratos de execução continuada e duradoura, em que as partes não estabelecem um prazo fixo de vigência. Como a vigência do contrato ilimitada no tempo seria contrária à liberdade económica das partes, que não se compadece com a criação de vínculos perpétuos ou de duração indefinida, admite-se neste caso a denúncia a todo o tempo – cfr. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, VoI. III, pag. 101.

    8. Adiante: "Encontramo-nos, por isso, em presença de contratos com prazo mas automaticamente renováveis, não tendo sido convencionada a não denunciabilidade da obrigação de aval pelo prestador deste': 13. Concluindo nesta parte: “Daí que se reconheça a possibilidade legal do avalista/autor se desvincular unilateralmente dessa obrigação".

    9. Tendo a declaração de denúncia chegado ao poder do beneficiário no dia 03.01.2008, a declaração tomou-se eficaz (artigo 224.º, n.º 1, do CC) 15. Deste modo, o autor tem direito a que se declare o mesmo liberado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento e livranças por si avalizadas, a produzir efeitos desde o termo dos prazos de 180 e 90 dias previstos em cada um daqueles contratos e que se encontrem em curso na data da denúncia (3.01.2008), impondo-se a condenação do réu a reconhecer tal” (o negrito é nosso).

      [ O hiato na numeração – do número 15 para o 35 – corresponde à numeração indicada nas conclusões, tendo-se optado pela sua manutenção. ] 35. Perante a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa veio a sociedade comercial BES, SA a recorrer de revista para este Alto Tribunal.

    10. Tendo o Acórdão ora recorrido dado provimento à pretensão da sociedade comercial BES, SA e revogado a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

    11. Para o efeito, a decisão recorrida fundamenta que existe uma diferença substancial entre aval e fiança.

    12. Sendo que a obrigação do avalista é directa e independente e a do fiador é sempre acessória.

    13. "Como se extrai da definição de denúncia supra extractada esta figura ou instituto jurídico só é exercitável e admissível para as situações em que a relação contratual arranque de um contrato duradouro e em que uma das partes, por declaração unilateral de vontade receptícia, pretenda pôr termo".

    14. "Não se constituindo o aval um contrato, mas um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária não se prefigura correcto, em nosso aviso, que possa ser objecto de denúncia" .

    15. Por isso mesmo, tendo em conta excertos da decisão de que se recorre, a mesma concedeu revista e revogou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

    16. Por isso mesmo, atendendo ao que ficou atrás exposto, existem manifestamente decisões contraditórias, sobre a mesma questão fundamental de direito, da admissibilidade de denúncia do aval, proferidas pelo ST].

    17. As decisões do ST], atrás citadas e nas quais se estribou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e o Acórdão em sentido contrário do STJ, proferido no âmbito dos presentes autos.

    18. Não havendo jurisprudência uniformizada a este respeito.

    19. Daí que, de acordo com o disposto no artigo 7630 do CPC, se requer a Vs. Exas. uma Decisão do Pleno das Secções Cíveis que decida de acordo com a pretensão do ora recorrente e de forma uniformizar a jurisprudência do STJ a este respeito.

      Em contra-alegações, o recorrido, Banco ..., S.A. repontou a pretensão do recorrente tendo, dessumido o acervo conclusivo que a seguir queda extractado.

    20. “Em 22 de Setembro de 2009 AA propôs acção que correu termos pela 10.ª Vara Cível de Lisboa, 1.ª Secção, sob o número de processo 5903/09.4 TVLSB, em que pedia a liberação da garantia prestada no âmbito de dois contratos de financiamento celebrados em 2006 e 2007, um primeiro de € 70.000,00, e outro de € 30.000,00, para apoio à tesouraria, celebrados entre a sociedade " I...-Imobiliária e Construção, Lda" e o Banco ..., SA.

    21. Para garantia do efectivo e integral cumprimento de todas as responsabilidades que adviessem para a sociedade do não cumprimento de qualquer obrigação resultante de cada um dos acima identificados contratos, AA e outros, entregaram ao BES duas livranças em branco avalizadas, que o banco ficou desde logo autorizado a preencher, pelas quantias que se mostrassem devidas.

    22. Nessa acção, AA, pedia a liberação da garantia prestada no âmbito dos identificados contratos e bem assim a condenação do BES no pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de danos morais – uma vez que em 03 de Janeiro de 2008, o ora recorrido, havia enviado um fax ao BES, no qual informava que, em virtude de ter cedido a sua participação na sociedade " I...-Imobiliária e Construção, Lda ", pretendia ser liberado da sua qualidade de avalista nas indicadas livranças.

    23. Em primeira instância foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada, tendo em consequência sido o BES absolvido da totalidade do pedido.

    24. Inconformado com esta decisão, interpôs o ora Recorrente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    25. O Acórdão de 30 de Novembro de 2010, veio a julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença proferida em primeira instância, declarando " o autor liberado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento ( .. .) e livrança em causa".

    26. Considerou a Relação de Lisboa, ao abrigo do princípio da livre denunciabilidade dos contratos por termo indeterminado, que a pretensão do ora Recorrido AA era válida.

    27. Deste acórdão da Relação foi interposto recurso pelo Banco ..., tendo o acórdão ora recorrido concedido a revista e, consequentemente, reposta a decisão proferida em 1.a instância.

    28. Estabelece o artigo 30.º LULL, ex vi art. 77.º do mesmo diploma que, «o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (ou livrança) garante o pagamento desse título por parte de um dos respectivos subscritores.» 1O.

      Não se encontra prevista na LULL, a denúncia como modo de fazer extinguir a obrigação do avalista. Pelo que não pode o intérprete encontrar no respectivo sistema nacional outras causas extintivas para além das previstas na LULL.

    29. Não tem pois, na perspectiva do ora Recorrido, qualquer fundamento a criação por via jurisprudencial de causas extintivas do aval que não têm a menor aderência ao estabelecido na convenção que o regula: A Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças (LULL).

    30. O aval é o negócio cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar e por função a garantia desse pagamento. O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra, art. 30.º/2 LULL e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados – (In, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, pág. 74) 13. Pelo que a confiança que o aval traduz, não se compagina com a possibilidade da sua denúncia pelo avalista. O aval é um valor de "per si" autónomo da realidade que lhe subjaz.

    31. Acresce, que a posição do avalista, como a de qualquer outro interveniente na letra é também autónoma. O aval subsiste mesmo que o acto do avalizado seja nulo por qualquer razão que não o vício de forma, art. 32.º /2 da LULL.

    32. Donde esclarece e bem o douto Acórdão de 10 de Maio de 2011 que: "A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente (...) o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. " 16. Desta forma, justifica-se a opção do legislador pela manutenção da garantia prestada " mesmo no caso de...

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