Acórdão nº 1221/11.6JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1221/11.6JAPRT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, integrante do Círculo Judicial de Lamego, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural de S… M… de M…, R…, nascido em 24-01-1988, solteiro, jornaleiro, residente em S… M… de M…, V… V…, R…, e actualmente, detido à ordem deste processo no Estabelecimento Prisional de Lamego.

Foi-lhe imputada na acusação do Ministério Público, a prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de: - um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b), e), i) e j) do Código Penal; - um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

********** Foi deduzido, a fls. 402 a 404, pedido de indemnização civil por BB, pai da vítima, por si, e na qualidade de legal representante dos menores, filhos da vítima, CC e DD, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 140.000,00 €, sendo a quantia de 100.000,00 €, pela supressão do direito à vida, a de 20.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo menor CC, 10.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo menor DD e 10.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo pai da vítima.

********** Realizado o julgamento, como consta da acta de leitura de acórdão, de fls. 589, foi comunicada uma alteração não substancial de factos relativos à extensão das agressões infligidas à vítima e à frase proferida ao telefone, quando o arguido falou a EE, e acrescentando-se que terá actuado como descrito na acusação pelo facto de a vítima já ter iniciado outra relação amorosa, tendo o defensor oficioso de serviço, dito nada ter a requerer e prescindir do prazo para preparação de defesa.

********** Por acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Lamego, datado de 30 de Março de 2012, constante de fls. 539 a 587, e depositado no mesmo dia (fls. 590), foi deliberado: 1) - Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente: Na parte criminal: a) - Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão; b) - Condenar o mesmo arguido, como autor material da prática de um crime de ameaças, p. p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 18 anos e 4 meses de prisão; Na parte cível (ora inimpugnada): 2) - Julgar os pedidos cíveis parcialmente procedentes e, consequentemente: a) - Condenar o arguido a pagar aos demandantes CC e DD a quantia de 75.000,00 €, a título de dano morte, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; b) - Condenar o arguido a pagar ao demandante CC a quantia de 20.000,00 €, a título de danos não patrimoniais do próprio, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; c) - Condenar o arguido a pagar ao demandante DD a quantia e 10.000,00 €, a título de danos não patrimoniais do próprio, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; e) - Julgar, no demais, o pedido de indemnização civil improcedente e, como tal, absolver o arguido do demais pedido.

********** Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 591 a 594, que remata com as seguintes conclusões: 1ª - A confissão do arguido foi determinante e sem ela o Tribunal não teria nunca chegado, como chegou, à verdade material.

  1. - A postura confessória e colaborante do arguido e o seu arrependimento não foram tidos na devida conta na escolha da medida da pena.

  2. - O crime de homicídio qualificado atento o facto de estarmos na presença de um crime passional, a postura colaborante e confessória do arguido, bem como o seu arrependimento, deverá ser punido com pena de prisão de 15 anos.

  3. - Não se encontra preenchido o tipo do crime de ameaças, todavia se assim não se entender então deveria ter sido dada prevalência à pena de multa não superior a 100 dias: 5ª - A decisão recorrida infringiu os artigos 70° e 71° do Código Penal.

No provimento do recurso, pede o recorrente a revogação da decisão recorrida, defendendo dever ser condenado na pena de 15 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado, e absolvido do crime de ameaça, ou, subsistindo a condenação por este crime, condenado pelo mesmo, em pena de multa.

********** O Ministério Público junto do Tribunal “a quo” respondeu, conforme fls. 598 a 602, concluindo: I - A escolha da pena e o critério da medida da pena aplicados no caso em apreço, foram-no de modo equilibrado, norteados pela culpa do agente.

II - Por outro lado, e no que respeita ao crime de homicídio, revelaram-se, ainda, prementes as necessidades de prevenção geral, já que o mesmo foi o culminar de sucessivos episódios de violência doméstica praticados pelo arguido na pessoa da vítima, à semelhança do que se vem registando com alguma frequência no nosso país.

III - O arguido admitiu a quase totalidade dos factos, mas fê-lo de forma distante e fria, sem revelar emoção ou sequer arrependimento.

IV - A pena aplicada pela prática do crime de ameaça, afigura-se-nos justa e adequada, tendo em conta o contexto em que os factos ocorreram e a sua elevada gravidade.

V - Foram respeitados pelo Tribunal “a quo” a finalidade, o critério de escolha e de determinação da medida da pena contidos nos art.°s 70.° e 71.° do Código Penal, mostrando-se as penas adequadas às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respectiva culpa.

VI - Assim, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis do Direito Criminal, dever-se-á manter na íntegra a douta decisão.

Deve o acórdão recorrido manter-se na íntegra, negando-se provimento ao recurso.

********** O recurso foi admitido por despacho de fls. 619-5.

********** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, constante de fls. 631 a 636, onde considera preenchido o tipo de crime de ameaça e mostrar-se correcta a opção pela pena de prisão em detrimento da de multa quanto a tal crime, e ser de manter a medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado.

********** Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio o recorrente, a fls. 642, reiterar o teor das conclusões vertidas na motivação do recurso, acrescentando que uma confissão encerra quase sempre em si um acto de total arrependimento.

********** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

********** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

********** Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

********** Questões a decidir.

O recorrente afirma a sua discordância, conforme resulta do exposto na motivação e levado às conclusões, que traduzem, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido, em três pontos centrais, a saber, preenchimento do crime de ameaça, espécie de pena a aplicar a tal crime, caso se entenda subsistir a incriminação, e medida da pena do crime de homicídio qualificado.

Assim, são questões a decidir: I Questão – Crime de ameaça agravado – Conclusão 4.ª II Questão – Escolha da espécie de pena – Conclusões 4.ª, segunda parte, e 5.ª III Questão – Medida da pena do crime de homicídio qualificado – Conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª e 5.ª ********** Apreciando. - Fundamentação de facto.

Factos Provados Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

1) - O arguido viveu em comunhão de mesa, leito e habitação com FF, nascida em 17.1.1991, em V… V…, S… M… de M…, durante cerca de 6 anos, até 01/07/2011, com duas interrupções durante esse período; 2) - Tais interrupções foram motivadas pelos maus tratos que o arguido infligia na FF os quais, aliás, deram origem a queixas por violência doméstica que esta apresentou contra o mesmo; 3) - Desse relacionamento existem dois filhos CC e DD, nascidos, respectivamente, em 23 de Novembro de 2007 e em 31 de Março de 2011; 4) - Na data mencionada em 1), ou seja em 1.7.2011, a FF saiu, juntamente com os filhos...

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