Acórdão nº 08B1182 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução08 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 9 de Maio de 2005, contra CC, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedido a resolução do contrato denominado "Cessão de Exploração" do DD", sito em Gândara dos Olivais, Leiria e a condenação da ré a restituir-lho e a pagar-lhe € 14 965 a título de prestações vencidas, bem como as prestações vencidas e as vincendas a partir de Junho de 2005.

Motivaram a sua pretensão na cedência da exploração do referido estabelecimento comercial mediante o pagamento de uma prestação mensal, que na data da propositura da acção era de € 365, e na omissão do seu pagamento pela ré a partir de Janeiro de 2002.

A ré, na contestação, afirmou que os autores nunca foram donos do estabelecimento, mas apenas do local onde ele está instalado, que arrendaram, ser o mesmo de DD, que lho trespassou, e ter pago a renda.

Os autores, na réplica, negaram os factos alegados pela ré na contestação, foi seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 26 de Janeiro de 2007, por via da qual a ré foi absolvida do pedido.

Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Novembro de 2007, revogando a sentença proferida no tribunal da primeira instância, declarou resolvido o contrato de locação do estabelecimento comercial e condenou a ré a restituir-lhes o estabelecimento com o equipamento que lhe foi cedido, bem como a pagar-lhes as quantias objecto do pedido.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - para que haja cessão de exploração de estabelecimento comercial é necessário que o cedente seja o seu dono; - tendo as instâncias considerado tratar-se de acção de reivindicação, cabia aos autores a prova de que o estabelecimento lhes pertencia, e, mesmo que tal se não entendesse, tinha a recorrente suscitado a dúvida razoável sobre a titularidade do estabelecimento; - não se pode considerar serem os recorridos donos do estabelecimento dada a diferença do capital pago pela recorrente àqueles e a EE, a circunstância de eles só guardarem num canto do estabelecimento trastes sem valor, de a maquinaria, os balcões, o recheio, o aviamento e a clientela serem do último, terem podido demonstrar serem donos do mesmo face ao disposto na alínea k) do artigo 89º do Código do Notariado, por exibição do próprio contrato e não através de prova testemunhal; - cabia aos recorridos o ónus da prova de que a recorrente não pagou o preço parcelar da exploração ou das rendas por virtude da sua inversão, e porque alegou que aqueles nunca lhe passaram os recibos, criando-lhe intencionalmente a dificuldade, inverteu-se o ónus de prova; - dando-se como provado não terem sido emitidos os recibos, era legítimo à recorrente recusar o pagamento das prestações; - o tribunal recorrido não pode bastar-se com a confirmação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da primeira instância; - a prova da celebração do contrato de cessão de exploração era então fácil de fazer, mas não por testemunhas, dado o disposto no artigo 393º, nº 1, do Código Civil; - parece ter sido isso que ocorreu com o respigar dos depoimentos das testemunhas ao referiram-se ao termo explorava, interpretado erroneamente pelos juízes do tribunal a quo; - a prova testemunhal revela que os recorridos usaram da escapatória, eventualmente para defraudar o Estado, mas com consequências na criação de enormes dificuldades de prova à recorrente, de exigir o pagamento em dinheiro, em envelope fechado, sem emissão de recibo; - se os autores transmitiram coisa que lhes não pertencia, o contrato é nulo como cessão de exploração de estabelecimento comercial, nos termos do artigo 892º do Código Civil, por analogia com o caso de arrendamento de coisa que não pertença locador, e válido como contrato de arrendamento; - porque o contrato celebrado entre os recorridos e EE e o celebrado entre o primeiros e a recorrente se regiam pelo artigo 1085º do Código Civil, passando a valer como arrendamento, teriam de ser feitos por escritura pública, nos termos do artigo 89º, alínea k), do Código do Notariado; - deve declarar-se que os recorridos cederam coisa que lhes não pertencia e que arrendaram apenas as instalações do imóvel e não o estabelecimento comercial ali instalado; - dando-se por provado que o estabelecimento comercial não pertencia à recorrente, a acção instaurada era imprópria, porque a adequada seria a de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas; - a recorrente não tinha de fazer prova do pagamento das rendas de 2002, porque sempre teria a oportunidade de se defender nessa acção em que se discutiria o tempo, o local de pagamento das rendas, a obrigação da sua reclamação pelo senhorio ou a sua entrega pelo inquilino; - violaram-se as normas substantivas acima referidas e as dos artigos 668, nºs 1, alíneas e) e d), e 2, 712º, nºs 1, alínea b), e 3, 721º, nº 2 e 722º, nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil; -deve a recorrente ser absolvida do pedido ou considerar-se a acção imprópria e se absolva da instância ou se ordene a remessa do processo às instâncias para que se considere invertido o ónus de prova.

Responderam os recorridos em síntese de conclusão de alegação: - o contrato em causa, celebrado por escritura pública, é de locação ou cessão de exploração; - a recorrente, cessionária, deixou de pagar as prestações a partir de Janeiro de 2002, e cabia-lhe o ónus de prova desse pagamento, mas não o cumpriu; - a falta de pagamento das referidas mensalidades é fundamento da resolução do contrato.

II É a seguinte a factualidade considerada provada pelo acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1. Em escritura pública, intitulada Locação de Estabelecimento, outorgada pelo Notário do Segundo Cartório Notarial de Leiria, no dia 27 de Novembro de 1995, AA e BB, por um lado, e CC, por outro, declararam: - os primeiros ceder à última e esta aceitar a exploração de um estabelecimento comercial, denominado Café DD, instalado e a funcionar na fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés do chão esquerdo do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua do Outeiro, Gândara dos Olivais, Marrazes, Leiria, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3469; - ser a cessão mencionada feita por um ano e pelo preço de setecentos e oitenta contos, e regular-se pelas cláusulas constantes de documento complementar; 2. Antes do acordo referido sob 1 era EE quem explorava o estabelecimento, tendo sido este quem transmitiu à ré parte do seu recheio, designadamente vitrinas, máquina de café, frigorífico e torradeira, que lhe pertenciam, vendendo-lhos quando ela passou a explorar o estabelecimento.

  1. Do recheio que compunha o estabelecimento os autores só eram donos de oito mesas de fundo em ferro e tampo de fórmica, doze cadeiras, um...

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