Acórdão nº 0807/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelMIRANDA DE PACHECO
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. "A..., SA", com os demais sinais dos autos, interpôs recurso para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no segmento em que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, relativa ao exercício do ano de 1999.

Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões: 1. A Recorrente constituiu, em tempos, uma provisão de € 323.714,31, para crédito vencido, tendo, porém, por lapso de contabilização, efectivado as reposições devidas pelos pagamentos parciais entretanto feitos, apenas e pela totalidade no exercício de 2000 e não, como era devido, discriminadamente nos anos em que se concretizaram os pagamentos; 2. Em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18° do Código do IRC, a parte dos pagamentos concretizados nomeadamente (para o que aqui concerne) em 1999, deveria ter acarretado reposição das provisões respectivas nesse exercício e não em 2000, como foi efectuado pela Recorrente; 3. Porém, no cumprimento deste mesmo princípio da especialização dos exercícios, o reconhecimento em 1999 do proveito correspondente às reposições que eram devidas nesse exercício, terá de acarretar a correspondente desconsideração do mesmo proveito no exercício de 2000, levando a que sejam devidos apenas juros compensatórios pelo atraso no reconhecimento dos proveitos e correspondente liquidação e pagamento de imposto, nos termos do artigo 35.º da LGT; 4. A ora Recorrente não se furtou à devida reposição da provisão em causa, mas apenas se atrasou no seu registo, trazendo este atraso, para o erário público, não uma falta de pagamento de imposto, mas tão somente o prejuízo correspondente ao diferimento temporal do recebimento do imposto devido, que se compensa pela mera liquidação e pagamento de juros compensatórios, nos termos do citado artigo 35.º da LGT; 5. A decisão proferida nesta parte Recorrida da Sentença, na medida em que indefere a anulação da liquidação de imposto pedida, dá lugar à duplicação da tributação sobre o montante em causa, na esfera do mesmo sujeito passivo (em 2000, quando da reposição da provisão feita pela Recorrente, e uma outra vez, em 1999, por via da correcção à matéria colectável imposta pela Inspecção); 6. Quando pretende impor à ora Recorrente a utilização dos mecanismos que teria ao seu dispor para ele próprio efectuar a regularização do lapso contabilístico, revela-se ainda a - em tudo o mais douta - sentença contrária aos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade, que devem, nos termos da lei, reger a actuação da administração tributária nas suas relações com os contribuintes, pois que, tendo sido detectado o lapso pela própria administração tributária, em sede de Inspecção, o resultado final não poderá, no cumprimento destes princípios, verificar-se diferente do que se veria se o Recorrente espontaneamente tivesse corrigido a situação, ou seja a mera liquidação de juros compensatórios; 7. A solução que devidamente tutela os princípios referidos nas conclusões anteriores não poderá ser outra, pois, senão a de limitar a liquidação aos juros compensatórios pelo atraso de um ano no pagamento do imposto respectivo e não o pagamento integral do imposto de 1999 e o pedido de reembolso da mesma quantia para 2000, a concretizar-se em dias vindouros; 8. Outra solução revela-se injusta e excessivamente onerosa para o Recorrente e violadora dos princípios que regem a tributação, em geral, e, em particular, a das sociedades.

  1. Pelas razões melhor elencadas acima nas conclusões nºs. 5, 6, 7 e 8, a decisão ora Recorrida, na parte que aqui se veio pôr em crise, viola o disposto nos artigos 18° do CIRC, 46° do CPPT, 9°, 35° e 55° da LGT, bem como nos artigos , , e 6°-A do CPA, ex vi dos artigos 2° da LGT e 2° do CPPT.

    Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente, assim se revogando a decisão Recorrida, na parte e pelos motivos acima expostos, por tudo se ordenando, a final, a anulação da liquidação impugnada na parte correspondente (...)".

    Não houve contra-alegações.

    O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte douto parecer: "O objecto do presente recurso refere-se circunscreve-se à legalidade das correcções efectuadas à liquidação de IRC do exercício de 1999, relativas a provisões para créditos vencidos.

    "As correcções efectuadas pela AT reportam-se a um excesso de provisão em resultado da amortização parcial da dívida por parte da empresa B..., SA, efectuada no exercício de 1999, no montante de € 46.354,02 (9.293.146$00).

    "A recorrente admite que em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC, a parte dos pagamentos concretizados nomeadamente em 1999, deveria ter acarretado reposição das provisões respectivas nesse exercício e não em 2000.

    "Mas alega, e esta é a questão objecto do recurso, que, no cumprimento deste mesmo princípio da especialização dos exercícios, o reconhecimento em 1999 do proveito correspondente às reposições que eram devidas nesse exercício, deveria acarretar a correspondente desconsideração do mesmo proveito no exercício de 2000, levando a que fossem devidos apenas juros compensatórios pelo atraso no reconhecimento dos proveitos e correspondente liquidação e pagamento de imposto, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

    "Conclui que a decisão recorrida, na medida em que indefere a anulação da liquidação de imposto pedida (1999) dá lugar à duplicação da tributação sobre o montante em causa na esfera do mesmo sujeito passivo (no exercício de 2000).

    "Fundamentação: "A nosso ver o recurso não merece provimento, sendo que a pretensão da recorrente não colhe apoio nas normas relativas ao princípio da especialização dos exercícios. Com efeito dispõe o artigo 18.º n.º 1 do CIRC que "os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios".

    "O princípio da especialização dos exercícios, do qual resulta uma segmentação da vida das empresas em períodos de certo modo independentes entre si, correspondentes ao ano civil, tem em vista tributar a riqueza gerada em cada exercício, respondendo também a necessidades de natureza económica, contabilística e de gestão.

    "Daí que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e os custos nele verificados independentemente dos recebimentos e pagamentos verificados, devendo os mesmos incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

    "No caso, como resulta do probatório (ponto 2.1.2- provisões para créditos vencidos) a recorrente efectuou várias amortizações parciais de dívida à empresa B...SA, nos anos de 1997 a 1999 e no montante global de 30.049.597$00.

    "Porém, no ano de 1999 não repôs a parte da provisão correspondente à amortização efectuada no referido exercício (no montante de 9 293 146$00) dando origem à correcção efectuada por provisão excessiva nos termos da al. d) do n.º 1 do artº. 33.º do CIRC.

    "E resulta também provado - fls. 405 - que a acção inspectiva incidiu apenas sobre o exercício de 1999 (e não sobre o exercício de 2000), e só em relação ao mesmo foram efectuadas correcções à matéria colectável, sendo certo que só estas estão em causa no caso sub judice.

    "Ora, como bem se sublinha na decisão sindicada, a recorrente tinha mecanismos legais para efectuar a regularização do seu lapso contabilístico (quer no exercício de 1999, quer no exercício de 2000) não competindo à administração tributária a correcção da sua contabilidade.

    "De outra forma estaria a permitir-se ao contribuinte eleger o exercício em que lhe fosse mais proveitoso diminuir a sua matéria tributável, em violação do disposto no artº. 18.°, nº. 1, do CIRC.

    "Improcede pois argumentação da recorrente pelo que somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, confirmando-se o julgado recorrido".

    Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.

  2. Em matéria de facto, tem-se por reproduzida a fixada na instância - artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil.

  3. Está em causa uma provisão de € 323.714,31, para crédito vencido, tendo, porém, a impugnante, por lapso de contabilização, efectivado as reposições devidas pelos pagamentos parciais entretanto feitos, apenas e pela totalidade no exercício de 2000 e não, como era devido, discriminadamente nos anos em que se concretizaram os pagamentos; Na verdade, e em cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18° do Código do IRC, a parte dos pagamentos concretizados nomeadamente (para o que aqui concerne) em 1999, deveria ter acarretado reposição das provisões respectivas nesse exercício e não em 2000, como terá sido efectuado pela recorrente.

    É inequívoco que vigora no CIRC o princípio da especialização de exercícios, como decorre do artº. 18º, 1, do CIRC.

    É sabido que o princípio de especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento.

    A aplicação deste princípio ganha assim relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.

    Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro.

    Ora, em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos...

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