Acórdão nº 832/09.4PAVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução14 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 832/09.4PAVCD.P1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I. Relatório No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila do Conde, nos autos de instrução nº 832/09.4PAVCD, foi proferida, em 13.7.2011, a decisão instrutória que consta de fls. 895 a 904 do 2º volume, na qual se decidiu não pronunciar a arguida B… do crime continuado de denegação de justiça p. e p. nos arts. 30º, nº 2 e 369º, nº 1, do CP de que fora acusada.

*Inconformada com essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso (fls. 905 a 910 do 2º volume), apresentando as seguintes conclusões: - Os indícios recolhidos nos autos revelam-se suficientes para fundamentar a imputação á arguida dos factos constantes da acusação, designadamente, aqueles que se referem ao preenchimento do elemento subjectivo; - Baseiam-se tais indícios na conjugação e articulação de todos elementos documentais e testemunhais que constam indicados na acusação; - Ainda que em sede de julgamento se não logre a produção de toda a prova recolhida em sede de inquérito e de instrução, o certo é que a fase de instrução visa a confirmação ou não de indícios da verificação do crime e não a certeza da sua verificação; - O que se exige pelo disposto no art. 283º, nº 2, do Código de Processo Penal, é que os indícios necessários para sujeitar alguém a julgamento sejam aqueles que permitem prever como mais provável condenação numa pena, o que se afigura ser a conclusão a tirar face aos elementos probatórios recolhidos; - Razões pelas quais, o Mmº Juiz «a quo», ao não pronunciar a arguida, em autoria, pela prática de um crime de denegação de justiça, p. e p., pelo art. 369º, nº 2, do Código Penal, violou o disposto pelo art. 283º, nº 2, e pelo art. 308º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Termina pedindo o provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida e pronunciando-se a arguida.

*A arguida respondeu ao recurso (fls. 912 a 916 do 2º volume), concluindo pelo seu não provimento.

*Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer (fls. 923 a 926 do 3º volume), evidenciando que os factos constantes da acusação pública nunca podiam integrar o crime p. e p. no art. 369º, nº 1, do CP (por a conduta omissiva da arguida, apesar de ser funcionária, se situar ainda na fase administrativa do processo de contra-ordenação e não na fase judicial desse procedimento, como o exige o tipo objectivo do crime que lhe foi imputado), concluindo pela improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

*No que aqui interessa, consta o seguinte da decisão instrutória sob recurso: (…) ● Relatório.

Na sequência do despacho de acusação de fls. 833 e seguintes deduzido pelo Ministério Público contra a arguida B…, imputando-lhe a prática de um crime de continuado de denegação de justiça, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, do Código Penal, veio esta arguida requerer a abertura da instrução (cfr. fls. 848), no sentido do arquivamento dos autos.

Refere, para tanto e em síntese, que não praticou os factos que lhe são imputados, sendo certo que os atrasados registados resultam do excesso de trabalho que tem a seu cargo.

Termina, concluindo pela procedência do requerimento de abertura da instrução.

*Com utilidade para a decisão a proferir nesta fase entendeu o Tribunal proceder à inquirição das testemunhas arroladas no requerimento de abertura da instrução, conforme auto de fls. 886 e seguintes.

*Não se tendo vislumbrado qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, nem tendo sido requerida a realização de mais algum, efectuou-se o debate instrutório, que decorreu em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.

Cumpre agora, nos termos do artigo 308.º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.

*● Fundamentação de facto.

Começando por delimitar o âmbito da fase da instrução, importa referir que esta fase processual visa, segundo o que nos diz o artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se assim como fase processual sempre facultativa – cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo – destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.

Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que tendencialmente se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.

Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como deixamos dito, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

Depois, no n.º 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n.º 2 do artigo 283.º, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final. Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.

Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.

Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.

Os indícios são, pois, suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Neste sentido, veja-se Castanheira Neves, que perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida “a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final” apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados “os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.

Feita esta precisão quanto ao objecto da presente fase processual, importa agora analisar a prova produzida nos autos tendo em vista concluir pela suficiente ou insuficiente indiciação da matéria de facto descrita na acusação pública.

Refere-se nessa peça processual que: «A arguida, na qualidade de funcionária, exerce há cerca de dezassete anos as funções de jurista no Departamento de Administração Geral e Financeira da Câmara Municipal …, cabendo-lhe quanto ás atribuições conferidas ao Presidente da Câmara Municipal no que respeita á instauração e instrução de processos de contra-ordenação, a responsabilidade pela apreciação jurídica das participações policiais recebidas relativas a ilícitos contra-ordenacionais, e a responsabilidade pelas tarefas relativas á sua consequente tramitação.

A prática seguida naquela autarquia era de que as participações depois de recepcionadas e apresentadas ao Presidente da Câmara Municipal eram por aquele encaminhadas para a arguida, sendo esta que na posse das participações tinha de lhes dar o necessário andamento, antes de mais, verificando se a matéria factual participada seria susceptível de constituir contra-ordenação e, na afirmativa, diligenciar pela elaboração e apresentação ao seu respectivo subscritor, para assinatura, do despacho de instauração do processo de contra-ordenação, que oficiosamente e em cumprimento do disposto no art. 54º, nºs. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10 daria início a tal processo, despacho esse no qual a própria arguida era nomeada a instrutora do processo.

Por despacho de 13 de Janeiro de 2006, nos termos da alínea p), do nº 2, do art. 68º, e da alínea m), do nº 3, do art. 70º, da lei nº 169/99, de 18/9, o Presidente da Câmara...

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