Acórdão nº 01290/07.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelAnabela Ferreira Alves Russo
Data da Resolução08 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte I - Relatório A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por C… relativamente à liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) respeitante ao ano de 2003 e respectivos juros compensatórios, dela veio interpor o presente recurso.

Em sede de alegações do recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «A.

A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação contra a liquidação adicional do exercício de 2003, n.º 2007 5000014894 referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos Juros Compensatórios (JC) de que resultou o valor global a pagar de € 1.345.718,56, com data limite de 28-02-2007, por haver entendido que “não foi cumprido o ónus que impende sobre a AT de demonstração da existência manifesta discrepância entre o valor de trespasse declarado e o valor de mercado “conditio sine qua non” para avaliação da matéria tributável por métodos indirectos”, determinando, em consequência, a anulação da liquidação impugnada.

B.

Ressalvado o devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com o desta forma decidido, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a anulação da liquidação em crise nos autos.

C.

Os Serviços de Inspecção Tributária (doravante, SIT) aquando da acção de inspecção efectuada a coberto da Ordem de Serviço n.º O1200601556, incidente sobre o facto tributável do trespasse da farmácia ocorrido no ano de 2003, concluíram pela impossibilidade de comprovar e quantificar de forma directa e exacta os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em virtude da “manifesta discrepância entre o valor declarado e valor de mercado do trespasse o qual, de acordo com o conhecimento existente de operações da mesma natureza nunca é inferior a 1,5 vezes o volume de negócios do exercício imediatamente anterior ao da celebração do contrato, podendo este factor ser maior em função designadamente da capacidade de obtenção de lucros e da localização do estabelecimento comercial.” D.

A correcção à matéria tributável encontrada tem por base o indicador/coeficiente de “1,5”, multiplicado pelo volume de negócios declarado pela Impugnante no exercício imediatamente anterior à data de realização do contrato de sociedade, de 2.953.360,02 euros.

E.

Assim, o valor do trespasse que se cifra em 4.430.040,03 euros (1,5 x 2.953.360,02) correspondente a 1,5 vezes o volume de negócios do exercício imediatamente anterior - 2002, de acordo com o que seria o preço normal de mercado pelo trespasse desse negócio.

F.

O Tribunal ad quo desconsiderou o peso da prova produzida, no seu todo, na decisão de manter ou não a liquidação, pois para a Administração Fiscal encontrar aquele montante, foram determinantes as circunstancias especificas descritas no Relatório sustentadas, entre outras situações, G.

no Parecer dado pela Associação Nacional de Farmácias aos Serviços do Ministério Público, em que “O valor de trespasse das farmácias é definido normalmente em função do valor anual das vendas sendo que o critério orientador do valor do trespasse é, pela prática existente no sector, o valor anual de vendas acrescido de 50.% e do valor de stock ao preço de custo” e H.

na avaliação que foi feita por três Peritos no âmbito do Processo n.° 55/02 da 9º Vara – 2ª. Secção do Tribunal Cível do Porto, explicitando que “Para se calcular o valor da transacção de urna farmácia deve multiplicar-se o volume de vendas por 150% a 200%”, em que o citado processo consubstancia o diferendo entre promitentes compradores e vendedores de uma Farmácia.” I.

Vale isto por dizer que, na aplicação do coeficiente mínimo, valor mínimo divulgado, foram tidos em conta, designadamente, a capacidade de obtenção de lucros, a localização do estabelecimento comercial e ainda, o facto de a contribuinte ser a sócia minoritária do capital da sociedade então criada que acolheu o trespasse.

J.

Nesta conformidade, cremos que se encontra plenamente justificada a avaliação indirecta da matéria colectável, com recurso a métodos indirectos ou presuntivos.

K.

As correcções à matéria tributável foram efectuadas em conformidade com a alínea b) do art. 87º, alínea a) do art. 88º ambos da LGT e art. 39º do CIRS, na redacção vigente à data, normas que regulam a realização da avaliação indirecta, por impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, sendo entendimento dos SIT que o valor declarado do trespasse é manifestamente inferior ao valor de mercado.

L.

Preceitua a alínea b) do art. 87° da LGT, actual n.° 1 alínea b), que a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.

M.

Dispõe o art. 88°, alínea d), do mesmo diploma, que no caso de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de métodos indirectos, pode resultar da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativa maior do que a declarada.

N.

Nos termos dos art.s 87.°, alínea b) e 88.°, alínea d), da LGT e 39.° do CIRS, a correcção das declarações de rendimentos com recurso a estimativas ou presunções para determinação da matéria colectável, e a subsequente liquidação do imposto, pode ser feita com recurso a presunções sempre que os Serviços da Administração Fiscal constatem a existência de inexactidões ou omissões nas declarações, ou de outros motivos, de que resultem um imposto inferior ao liquidado.

O.

A utilização do referido método, traduz-se no recurso a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, orientados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que fundamentem o juízo valorativo extraído da mesma.

P.

No caso sub judicie, os SIT recorreram a um indicador/coeficiente mínimo - valor mínimo divulgado -, como é referido para efectuar a avaliação, indirecta da matéria tributável de IRS do exercício de 2003, quantificando-a. Admite-se que a mesma tenha sido influenciada pela experiência adquirida no desenvolvimento da actividade inspectiva da Administração Fiscal.

Q.

Ao que se percebe, a douta Sentença decide pela insubsistência do fundamento/critério utilizado pelos SIT para a avaliação presuntiva da matéria tributável levada a efeito.

R.

Quanto a nós parece-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que os argumentos invocados não são de acolher, já que, em face dos dados expressos nos documentos patentes do autos, a Impugnante não demonstra como foi determinado o valor declarado do Contrato De Trespasse celebrado em 02-01-2003, que titula a transmissão de um conjunto de bens e direitos corpóreos e incorpóreos susceptíveis de constituírem uma unidade jurídica e económica tendente ao desenvolvimento de actividade económica com mote lucrativo.

S.

Com o devido respeito, cremos que andou mal a douta Sentença ao discordar do critério utilizado pelos SIT, com a singela argumentação que o indicador/coeficiente não é oficial nem ajustado à situação tributária configurada nos autos, ao dizer que a Administração Fiscal “toma como certo um valor que aparentemente se encontra comprovado por outras acções inspectivas que realizou e por noticias saídas na imprensa e publicadas na Internet…”, T.

Acolhendo no entanto a versão apresentada pela impugnante que o preço do negócio se condicionou às especificidades que o rodearam, designadamente o facto de a impugnante ser sócia da sociedade trespassária e a existência de uma relação de amizade entre esta e o outro sócio da sociedade.

U.

como inclusivamente andou mal, ao desconsiderar que o negócio efectivamente tido lugar mais não foi do que um trespasse de um estabelecimento comercial - farmácia e portanto a transferência onerosa de património da esfera individual da impugnante para a esfera de entidade jurídica distinta - a sociedade por quotas, com as consequências subjacentes ao acto, nomeadamente as que resultam do seu enquadramento jurídico-tributário, que no caso são a sujeição no regime de tributação em que a contribuinte estava enquadrada – a tributação no regime geral.

V.

Ora, não se pode desde logo olvidar que no caso dos autos foi transmitida, não só a carteira de clientes, o aviamento ou clientela, como também o acervo corpóreo e incorpóreo do estabelecimento comercial em apreço. Ademais dos bens corpóreos, foi igualmente transmitido o alvará que permite o funcionamento do estabelecimento comercial no mesmo ramo.

W.

Ou seja, operou-se efectivamente a transmissão de uma universalidade de direito susceptível de constituir um ramo de actividade. É que não obstante o documento que titula a transmissão se referir avulsamente aos vários bens e direitos transmitidos, tal transmissão verdadeira e materialmente consubstancia o trespasse de uma universalidade de direito susceptível de proporcionar o desempenho da mesma actividade comercial até aqui desenvolvida pela Impugnante. E, só precisamente através de tal transmissão a actividade do estabelecimento pode continuar a ser exercida pelo trespassário.

X.

Tendo por referência o que se deixou expresso, e também partindo da análise da declaração de rendimentos da Impugnante, a omissão de proveitos ao resultado liquida da CAT B de IRS, consubstanciada pela divergência quantitativa entre o valor de mercado e o...

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