Acórdão nº 01957/10.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMaria do C
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO: CONSTRUÇÕES E. … S.A. com sede no Parque Industrial de …, Vimieiro, e A. … – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. com sede na Praça …, Braga, inconformadas com a decisão proferida no TAF de Braga em 02/11/2011 que julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra B. … – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. e, em que são contra interessadas I. INGENIERIA S.A., A…., S.A. (doravante A...), DST. … S.A. (doravante DST) e AE. …, LTD, interpuseram o presente recurso jurisdicional concluindo da seguinte forma: «I) A sentença a quo julga improcedente a acção interposta pelas recorrentes porquanto considera que as propostas apresentadas em consórcio pelas sociedades A..., SA (...) e DST. …, SA (DST) não têm que ser excluídas por aplicação dos artºs 70º, nº 2, b) e f), 146º, nº 2, c), 55º, j), todos do CCP, e 44º, nº 1 CPA, não tendo ocorrido qualquer violação dos princípios da igualdade, transparência e concorrência.

II) A recorrente, na PI, alegou factos que evidenciam a violação de disposições legais e regulamentares, que demonstram o profundo envolvimento das entidades concorrentes na elaboração das peças procedimentais e que demonstram a existência de informações susceptíveis de falsear as regras da transparência, concorrência e igualdade, conforme disposto no art. 1º, nº 4 CCP.

III - A recorrida é uma empresa intermunicipal que integra o sector empresarial local, sendo regida pelo disposto na Lei nº 53-F/2006, estatutos da sociedade, regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais, sendo-se-lhe ainda aplicável o regime do Decreto-Lei nº 558/99, na sua última redacção, e o regime jurídico do gestor público, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 71/2007.

IV - O presidente do conselho de administração da recorrida é G. …, pelo que se lhe aplica o Estatuto do Gestor Público – art.º 47, nº 4 da Lei 53-F/2006. No mesmo sentido, vd. parecer da Procuradoria-Geral da República 39/2009.

V - Daí que se lhe aplique todo o regime relativo a incompatibilidades e impedimentos tratado nos arts. 20º a 22º do Estatuto do Gestor Público, nomeadamente a incompatibilidade prevista no artº 21º, nº 2, porquanto G. … foi designado como administrador não executivo da recorrida: “Os gestores com funções não executivas exercem as suas funções com independência, oferecendo garantias de juízo livre e incondicionado em face dos demais gestores, e não podem ter interesses negociais relacionados com a empresa, os seus principais clientes e fornecedores e outros accionistas que não o Estado”.

VI – G. … é presidente do conselho de administração da recorrida.

VII – G. … é presidente do conselho de administração da sociedade consorciada e concorrente, A....

VIII - A consorciada A... detém uma participação social do capital da sociedade G. .. – Águas e Resíduos, SA, da qual é administrador G. …, que por sua vez, detém uma participação de 49% no capital social da AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, da qual também é administrador G. …. A AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, da qual é administrador G. …, é detentora de uma participação no capital social da ré. Por outro lado, a G. – Águas e Resíduos, SA e a consorciada (D...), têm como administrador comum J. …, sendo a sociedade D... detentora de uma participação no capital social da G. – Águas e Resíduos, SA.

IX - Evidentemente, existem interesses negociais paralelos aos da recorrida em questão. O presidente do conselho de administração da recorrida é também presidente do conselho de administração de uma contra-interessada que se propõe a fornecer serviços à recorrida através da execução do contrato para concepção, fornecimento e construção de central de valorização orgânica que está na origem dos presentes autos.

X - O presidente do conselho de administração da recorrida, enquanto tal, tem interesses paralelos e alternativos aos da recorrida porquanto pretende ver-se-lhe atribuída a vitória no concurso e consequente celebração de contrato público, a fim de obter lucro para a sua sociedade, da qual é accionista, passível de distribuição aos sócios.

XI - Entre outros, o objecto social da A... é a indústria de construção civil e a empreitada de obras públicas: este é o núcleo da sua actividade, bem demonstrativo do interesse paralelo de G. … enquanto administrador da recorrida e que lhe está vedado pelo Estatuto do Gestor Público.

XII - Face aos poderes que decorrem dos arts. 405º e 406º do CSC, é evidente que G. … tem acesso à plenitude de informações relacionadas com todo o procedimento e com toda a fase de formação da vontade de contratar por parte da recorrida, em todas as suas vertentes – o como, o quando, o porquê, o de que modo.

XIII - O acesso a estas informações constitui forte indício de distorção de concorrência através de partilha de informação ou cooperação tácita entre a recorrida e as consorciadas contra-interessada, permitindo a substituição dos riscos da competição pelo acesso às informações com relevo superior para a confirmação tanto do procedimento em moldes adequados e no interesse da contra-interessada, como da proposta desta em moldes previamente conhecidos e de encontro ao procedimento, atento o conhecimento do mesmo e maior tempo de preparação para a apresentação.

XIV - A celebração do contrato público para concepção, fornecimento e construção de uma central de valorização orgânica entre a entidade recorrida e as contra-interessadas A... e D... é frontalmente violadora do disposto nos arts. 70, nº 2, f) e g) do Código dos Contratos Públicos, do artº 21º, nº 2 do Estatuto do Gestor Público, aplicável aos administradores do sector empresarial local ex vi artº 47º, nº 4 da Lei 53-F/2006, determinando a exclusão da proposta 3 e 3V: assim deveria ter interpretado a lei a sentença a quo. Subsidiariamente, e sem prescindir, de igual modo a deliberação de anúncio de procedimento nº 913/2008 é anulável, por aplicação do art. 135º CPA.

XV - A sentença a quo considera não ter havido violação dos princípios da transparência, concorrência, igualdade e imparcialidade.

XVI - Louva-se no acórdão do STA, proc. 0851/10, cujo factualidade diverge da dos presentes autos, uma vez que trata da ligação entre duas empresas concorrentes que não têm qualquer ligação com a entidade adjudicante, ao contrário dos presentes autos.

XVII - Louva-se também no acórdão do mesmo tribunal, proc. 55/09, em que há uma associação entre um privado que é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, classificada de utilidade pública administrativa, com a entidade adjudicante para concorrer a um concurso por esta aberto. Ora aqui, não há qualquer identificação possível com a factualidade presente, uma vez que tanto a sociedade A... como a sociedade D... são sociedades comerciais que têm como escopo o lucro, e portanto, particular interesse qualificado na adjudicação do contrato.

XVIII - É às entidades sobre as quais recai a suspeita de comportamentos violadores dos princípios da imparcialidade, transparência, igualdade e concorrência que cabe fazer a prova de que não os violaram, nunca à recorrente. Há, aqui, uma inversão do ónus de prova, de acordo com a doutrina mais autorizada e recente sobre o tema e em conformidade com a jurisprudência comunitária: “a quarta ideia fundamental que se retira do Acórdão Assitur é a de que a prova da “inexistência de influência” cabe às empresas em causa (…) Há portanto aqui uma espécie de inversão do ónus da prova”.

XIX - A al. j), do artº 55º visa prevenir relações mal-sãs entre a entidade adjudicante e os concorrentes, evitando a posição privilegiada de quem contacta com a elaboração das peças procedimentais, como é o evidente caso do presidente do conselho de administração, que tem tarefas de supervisão e gestão permanentes, um conjunto completo de tarefas permanentes e interventivas com impacto na vida da sociedade.

XX - A comunhão de administradores (presidente de conselho de administração) entre a recorrida e a consorciada permite, por inerência dos poderes que detêm, o conhecimento de mais informação que os restantes interessados, quer das condições de facto relativas à execução do contrato, quer das condições e termos da futura adjudicação; a possibilidade de moldagem das peças de procedimento de acordo com a conveniência da consorciada; o conhecimento antecipado das peças de procedimento por força do contágio necessário de informações; a vantagem económico-financeira da proposta. O presidente do conselho de administração está na posse e tem acesso a todo o dossier procedimental do concurso, orientando a sua elaboração, definindo as necessidades às quais o concurso proverá.

XXI - A identidade comum de administração das empresas – adjudicante e consorciada - a um nível qualificado (identidade de presidência do conselho de administração) denota com intensidade a violação dos princípios da concorrência, transparência, igualdade.

XXII - No mesmo sentido, os acórdãos do STA de 13-01-2005, do TCAN de 03-11-2005 e 16-11-2006 e do TCAS de 25-03-2010. Por maioria de razão, se vem impedido de participar no mesmo concurso as empresas que tenham administrador comum com conhecimento das duas propostas antes da abertura pública, também a empresa cujo presidente do conselho de administração preside o conselho de administração da entidade adjudicante não pode tomar parte no concurso, uma vez que este tem pleno conhecimento prévio de todos os requisitos e condicionantes da proposta, tendo toda a facilidade em proporcionar informações para a sua própria empresa interessada.

XXIII - Pelo que vêm violados, destarte, os arts. 70º, nº 2, f) e g) do CCP, o que deve determinar a exclusão da proposta do consórcio composto pelas sociedades A... e D..., correndo por estas o ónus da prova de...

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